A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), por unanimidade, anulou cobrança do IRPJ e CSLL sobre a participação nos lucros e resultados de diretores empregados de uma instituição financeira. Discute-se nos autos do processo 16327.721091/2015-62 se o exercício de cargo de diretoria retira a condição de empregado do trabalhador, que passaria à condição de administrador.
Trata-se de recurso especial do contribuinte interposto contra decisão desfavorável da 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária do CARF. A empresa interpôs recurso voluntário após decisão proferida pela 12ª Turma da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento. O órgão fiscalizador considerou que os diretores da recorrente exerciam a função de administradores, apesar de, no caso concreto, os trabalhadores manterem vínculo empregatício, regido pela CLT, e estarem subordinados hierarquicamente ao Diretor Presidente, ao Conselho de Administração e à Assembleia Geral.
No julgamento do recurso voluntário, a 4ª Câmara do CARF entendeu que o trabalhador que mantém o vínculo empregatício, ao se tornar diretor, exerce funções afeitas à administração. Dessa forma, não haveria respaldo para a dedutibilidade do PLR na apuração do IRPJ e da CSLL, pois a verba teria sido paga sem observância aos critérios da Lei 10.101/2000, que dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa. Assim, o valor assumiria a natureza de remuneração, por força do art. 152 da Lei 6.404/1976, indedutível para fins de IRPJ e CSLL.
O contribuinte interpôs recurso especial à CSRF para que o tratamento jurídico dado ao caso dos diretores empregados fosse rediscutido. Em seu voto, o Conselheiro relator, João Victor Ribeiro Aldinucci, argumentou que o tratamento da Autoridade Fiscal em supor que os diretores seriam empregados unicamente para fins trabalhistas, mas não para o Direito Tributário, é inusitado e incabível.
Tal perspectiva, de acordo com o relator, seria rechaçada pela doutrina e vedada pelo princípio venire contra factum proprium. Argumenta que é necessário que a interpretação da lei tributária seja coerente com a interpretação de outros ramos do direito sobre os outros institutos jurídicos. Além disso, o Conselheiro aponta a Administração Pública deve observar aos princípios da vedação às posturas contraditórias, da boa-fé e da segurança jurídica ao que tange o comportamento do Estado perante os administrados.
A decisão cita a Solução de Consulta Cosit 368, de 18 de dezembro de 2014, ato vinculante no âmbito da RFB. A Solução dispõe que o diretor empregado que mantenha as características inerentes à relação de emprego é segurado obrigatório da previdência social na qualidade de empregado e a sua participação nos lucros e resultados da empresa de que trata a Lei nº10.101, de 2000, não integra o salário-de-contribuição, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias.
A CSRF decidiu que são dedutíveis da base de cálculo do IPRJ a verba de participação nos lucros ou resultados de diretores que mantenham as características inerentes à relação de emprego, não sendo aplicável a esses trabalhadores a vedação do art. 303 do Decreto 3.000/1999, atualmente previsto no art. 315 do Decreto 9.580/2018.
De acordo com Onofre Batista Jr., sócio conselheiro do CCBA, o precedente da CSRF é importante e demonstra a necessidade da interpretação coerente do direito tributário: “É preciso ficar claro que não existe uma interpretação jurídica distinta e insulada para o Direito Tributário, mas a matéria existe no mundo do direito, merecendo compreensão sistemática. O julgado da CSRF bem mostra que os institutos jurídicos não podem ser desconfigurados pela RFB para fins arrecadatórios. O Fisco não pode deformar conceitos e institutos incorporados ao Direito Tributário apenas para agravar a carga tributária. Apesar das necessidades do Estado, a exação deve ser feita de forma coerente e nos estritos limites da legalidade. A suposição de que os diretores com vínculo empregatício são empregados para fins trabalhistas e não para fins fiscais não tem qualquer embasamento doutrinário e representa o mais claro arbítrio da Administração Fiscal, incabível e indefensável no ordenamento jurídico brasileiro. É preciso que a RFB contenha seu ímpeto arrecadatório, sob pena de prejudicar e esvaziar institutos consagrados constitucionalmente.”
Onofre destaca que recentemente o Tribunal administrativo tem adotado entendimentos favoráveis aos contribuintes, como noticiamos recentemente: “Nesse cenário, o Edital de Transação nº 11/2021 da União, cuja adesão encerrou-se no dia 31/08/2021, recebe ainda mais críticas. Desde a publicação do Edital, já apontávamos que há grandes controvérsias sobre o tema. A viabilidade da aderência aos programas como esse requer análise minuciosa dos contribuintes, tendo em vista seu cenário tributário, sendo que a transação só é aconselhável àqueles que possuem prognóstico de êxito remoto”.
Para saber mais sobre o tema, recomendamos a leitura da obra “A participação nos lucros ou nos resultados e os desafios tributários”, fruto de alentado estudo sobre o tema pelos nossos sócios Alice Jorge, Guilherme Bagno, Onofre Batista e Paulo Coimbra.