Recentemente, um contribuinte do setor alimentício obteve decisão favorável na Justiça Federal catarinense contra execução fiscal de valores relativos ao Adicional à Contribuição por Risco Ambiental do Trabalho (ADRAT). O principal fundamento da decisão foi de que houve violação à legalidade e à irretroatividade, pois a Receita Federal realizou a autuação aplicando norma de maneira retroativa.
Essa contribuição foi instituída pelos §§ 6º e 7º do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 e incide sobre a remuneração dos segurados sujeitos a condições especiais que prejudiquem sua saúde ou integridade física. A arrecadação dessa contribuição adicional é destinada ao financiamento dos benefícios de aposentadoria especial. A alíquota do adicional é graduada de forma inversamente proporcional ao período de concessão da aposentadoria. Em relação àqueles empregados sujeitos a agentes químicos, físicos ou biológicos, que têm o direito de se aposentar com 15 anos de trabalho nessas condições, a alíquota de ADRAT devida pelas empresas é de 12%. Nos casos para os quais é prevista aposentadoria após 20 anos, a alíquota aplicável é 9%, e para 25 anos, 6%.
Considera-se que há trabalho desenvolvido em condições especiais, apto à contagem de tempo de contribuição para aposentadoria especial, nas situações em que os equipamentos de proteção individual e coletiva (EPI e EPC) não sejam suficientes para neutralizar os agentes nocivos ou adequá-los aos níveis permitidos pela legislação. Nesses casos em que fica comprovada a efetiva exposição a riscos ambientais do trabalho mais graves, torna-se devido o pagamento de ADRAT pelos respectivos empregadores.
Ao julgarem o tema em Repercussão Geral (ARE 664.335) em 2014, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam que o fornecimento de EPI aos funcionários expostos a ruídos acima do limite admitido não necessariamente afasta a possibilidade de contagem de tempo de trabalho especial. Isso porque os ministros entenderam, na ocasião, à luz dos estudos então avaliados, que os tipos existentes de EPI poderiam não ser suficientes para atenuar os efeitos sistêmicos dos ruídos relativos a aspectos não relacionados a questões auditivas. Apesar disso, os ministros reconheceram que é possível que o tempo de trabalho deixe de ser reconhecido (e consequentemente deixe de ser devido o ADRAT) quando houver evolução tecnológica que permita a conclusão de que o uso dos EPIs neutralizou ou atenuou todos os efeitos danosos desse tipo de exposição.
A partir dessa decisão do STF, foi editado ato normativo do INSS em 10/08/2017 (Regulamento nº 600 do INSS) que aprovou o novo Manual de Aposentadoria Especial. Esse regulamento passou a prever que o uso de EPI, nos casos de exposição a ruído acima dos limites legais, não é capaz de afastar a concessão de aposentadoria especial.
A RFB também editou norma sobre o tema (ADI nº 02/2019) e passou a autuar diversos contribuintes pelo não recolhimento do ADRAT, inclusive retroativamente (em relação a períodos anteriores a 2017) e independentemente de uma análise acerca da eficácia dos EPIs fornecidos e de eventual exposição acima dos limites de tolerância.
Após ser autuado e ter o débito executado, um contribuinte obteve decisão favorável, em sede de embargos de execução, para não recolher o adicional em período anterior à edição do Regulamento nº 600/2017 do INSS. Na decisão proferida pela Justiça Federal catarinense, o magistrado ressaltou que somente após a publicação desse ato é que passou a existir norma prevendo que o uso de EPI nesses casos não é capaz de afastar a concessão de aposentadoria especial. Por isso entendeu que houve violação aos princípios da legalidade e da irretroatividade, bem como da LINDB, e anulou a cobrança do débito referente a 2016.
Paulo Coimbra, sócio fundador do CCA, e Alice Jorge, sócia conselheira do CCA, lembram que “no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335, o STF fixou duas teses. A primeira no sentido de que o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à concessão de aposentadoria especial. A segunda tese é de que na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”.
Nossos sócios ressaltam que, em relação à segunda tese, o STF reconheceu a provisoriedade da decisão, o que possibilita o ajuste da conclusão à evolução da técnica. “Os ministros deixaram expresso que o que foi decidido se referia ao estado da técnica considerado na análise – no caso, foi embasada em estudos de 1998. Em outras palavras, o ‘estado da técnica’ que serviu de referência é o que os estudos de 1998 registravam. A partir daí, por certo, tanto os equipamentos de proteção evoluíram, como a própria técnica e pesquisas acerca da avaliação dos riscos relativos à exposição ao ruído elevado avançaram.”
Para Paulo e Alice, as situações em que há exposição a agentes nocivos, especialmente ruído, devem ser analisadas de forma cautelosa, com a verificação da real eficácia dos equipamentos de proteção. “Como a decisão do STF considerou o estado da técnica de 1998 e reconheceu expressamente a sua provisoriedade, a incidência ou não do ADRAT deve ser definida tendo em consideração os novos equipamentos de proteção desenvolvidos e o avanço das técnicas de medição de ruídos. Nesse sentido, não só as cobranças retroativas (em relação a períodos anteriores a 2017) devem ser reconhecidas como ilegais, como nesse caso recente. Assim também devem ser afastadas as demais exigências que não observem se há efetiva exposição aos agentes nocivos em níveis superiores ao tolerável.”
Para saber mais sobre o tema, recomendamos a leitura da obra “O Adicional à Contribuição ao Risco Ambiental do Trabalho (ADRAT) e a aposentadoria especial”, fruto de alentado estudo sobre o tema por parte dos sócios do CCA.