Em 29/11/2023, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n° 4.173/2023, que dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no país em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior (offshores); e a tributação de aplicações financeiras em fundos de investimentos no país. O Projeto de Lei n° 4.173/2023 foi proposto pelo Poder Executivo em regime de urgência constitucional, aprovado pela Câmara dos Deputados e, agora, foi aprovado também pelo Senado. O texto aprovado foi encaminhado à sanção presidencial e deve ser sancionado até 22/12/2023.

O texto final do projeto prevê que ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) os rendimentos do capital aplicados no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras e de lucros e dividendos de entidades controladas. Tais rendimentos deverão ser declarados na Declaração de Ajuste Anual (DDA) e estarão sujeitos à alíquota de 15%, a partir de 2024.

Considera-se aplicações financeiras no exterior, de modo exemplificativo, conforme inciso I, §1º, art. 3° do acordo com o Projeto de Lei n° 4.173/2023:

  • depósitos bancários remunerados;
  • certificados de depósitos remunerados;
  • ativos virtuais;
  • carteiras digitais ou contas-correntes com rendimentos;
  • cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior;
  • instrumentos financeiros;
  • apólices de seguro cujo principal e cujos rendimentos sejam resgatáveis pelo segurado ou pelos seus beneficiários;
  • certificados de investimento ou operações de capitalização;
  • fundos de aposentadoria ou pensão;
  • títulos de renda fixa e de renda variável;
  • operações de crédito, inclusive mútuo de recursos financeiros; em que o devedor seja residente ou domiciliado no exterior; e
  • derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior, incluindo os direitos de aquisição.

Ademais, conforme o inciso II do referido artigo, os rendimentos no exterior, a título exemplificativo, compreendem:

  • variação cambial da moeda estrangeira ou variação da criptomoeda em relação à moeda nacional;
  • rendimentos em depósitos em carteiras digitais ou contas-correntes remuneradas;
  • juros, prêmios, comissões, ágio, deságio;
  • participações nos lucros, dividendos; e
  • ganhos em negociações no mercado secundário, inclusive ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior

Para os rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras e de lucros e dividendos de entidades controladas não será aplicada qualquer dedução da base de cálculo, conforme previsto no art. 2º, §1º, do PL.

Contudo, para as aplicações financeiras no exterior, definidas no art. 4º, inciso I e II, há a possibilidade de dedução do imposto sobre a renda pago no exterior desde que haja previsão em acordo ou convenção internacional firmado com o país de origem dos rendimentos ou em caso de reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no País.

Dentre as demais disposições do PL, também merecem destaque aquelas que tratam da compensação de perdas, previstas no art. 9º. O texto prevê a possibilidade de o contribuinte compensar as perdas realizadas em aplicações financeiras com rendimentos auferidos em operações da mesma natureza. Ademais, em caso de acúmulo de perdas não compensadas ao final do período de apuração, estas poderão ser compensadas com os rendimentos apurados nos anos subsequentes.

Destaca-se, ainda, que o PL estabelece uma nova regulamentação sobre a transmissão dos bens e direitos de trust no exterior. O art. 10 define que a transferência de titularidade sobre o patrimônio do trust será considerada como doação ou transmissão causa mortis, sobre a qual incidirá o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação).

Outro destaque está na previsão do art. 14 de que a pessoa física residente no país poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na declaração anual do IRPF para o valor de mercado de dezembro de 2023 e tributar a diferença entre o valor atualizado e o custo de aquisição, à alíquota de 8%. A opção poderá ser exercida em conjunto ou separadamente para cada bem ou direito no exterior, conforme disposto no §7º.

Recorde-se, a Câmara dos Deputados, ao aprovar o PL n° 4.173/23, considerando a conexão temática com a Medida Provisória n° 1.184/23,  incorporou ao texto do projeto a matéria de tributação dos fundos exclusivos.

A MP introduziu à sistemática de tributação dos fundos fechados a retenção periódica do imposto de renda na fonte (IRRF), também denominado “come-cotas”. A alíquota do IRRF introduzida é de 15%, exceto para fundos de curto prazo (inferior ou igual a 365 dias), sobre os quais se aplica alíquota de 20%.

Antes da introdução do IRRF “come-cotas” aos fundos fechados, o fato gerador do IR ocorria apenas no resgate das cotas. Com a conversão do PL N° 4.173/23 em lei, os lucros acumulados, mas ainda não resgatados, passarão a ser tributados nos fundos fechados, assim como já acontecia nos fundos abertos.

Os cotistas que optarem por antecipar o recolhimento dos lucros acumulados poderão se beneficiar de uma alíquota incentivada de 8%. Nesse caso, a opção pela redução da alíquota será calculada em duas etapas: (1) com base nos rendimentos apurados até 30 de novembro de 2023, com pagamento em até quatro parcelas mensais e sucessivas; e (2) com base nos rendimentos apurados de 1º de dezembro de 2023 a 31 de dezembro de 2023, em parcela única com mesmo vencimento do IRRF devido na tributação periódica relativa ao mês de maio de 2024.

De acordo com o nosso sócio, Paulo Coimbra,  “quanto ao ITCMD, em nossa opinião, há inconstitucionalidade formal, em decorrência da ausência de Lei Complementar sobre o tema. No caso em apreço, o Congresso Nacional pretende disciplinar fato gerador de tributo de competência dos Estados. No entanto, nos termos do art. 146, I, da Constituição, é necessária a edição de uma norma nacional, veiculada, necessariamente por Lei Complementar, para o tratamento do conflito de competência em matéria tributária.

Em relação à tributação dos fundos abertos e fechados e trusts offshores, compreendemos a proposta, a qual busca uma equiparação consentânea com a tributação da renda em bases universais – worldwide tax bases – tendência internacional. O PL prevê, ainda, uma equiparação dos fundos fechados e abertos, em relação a qual não há críticas às modificações prospectivas, ainda que haja dificuldade em justificar tal equiparação.

No entanto, nos dois casos, pretende-se tributar lucros auferidos em exercícios passados, violando abertamente o princípio da irretroatividade. Uma norma que prevê a instituição do imposto de renda, ainda que mediante a revogação de uma isenção, somente poderá ser aplicável a fatos geradores futuros. Sendo assim, os ganhos auferidos no passado não podem ser tributados, sob pena da retroatividade, não admitida pela Constituição.

Verifica-se, então, que sob a roupagem de uma vantagem, correspondente ao benefício de redução de alíquota, a qual parece ser atraente, na verdade está sendo realizada uma proposta alternativa a uma tributação absolutamente inconstitucional.

Destaque-se que, além da irretroatividade, está sendo contrariado o princípio da anterioridade. A irretroatividade é violada em decorrência da tributação dos lucros auferidos até novembro de 2023, ao passo que o princípio da anterioridade é contrariado quando da tributação imediata dos lucros auferidos em dezembro de 2023. Nos termos do art. 150, III, alínea “b”, somente pode ser exigido tributo no ano subsequente à lei que o tiver instituído ou majorado. Sendo assim, em observância ao princípio da anterioridade, a tributação somente poderia ocorrer a partir de janeiro de 2024.