Foi publicado em Edição Extra do Diário Oficial da União (DOU) do dia 1º de dezembro de 2023, o Convênio ICMS n. 178/2023 que disciplina a transferência de créditos de ICMS nas operações interestaduais em transferência de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. O ato normativo foi editado em virtude da rejeição do Convênio ICMS n. 174/23 que disciplinava o mesmo tema.

O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do mérito da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 49 (ADC 49), decidiu que o ICMS não incide no deslocamento físico de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, tendo em vista a inexistência de alteração da titularidade da propriedade da mercadoria – requisito constitucional indispensável para caracterização do fato gerador do imposto estadual.

Ato contínuo, foram opostos embargos de declaração pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte contra decisão de mérito da ADC 49 por meio do qual foi alegada omissão do julgado quanto à questão do crédito do imposto. Na oportunidade, foi arguido que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos representaria uma hipótese de “não incidência” para fins do art. 155, § 2º, II, da CRFB/88, de modo que implicaria a necessidade de estorno do crédito pelo estabelecimento do remetente e vedação ao direito de crédito pelo estabelecimento destinatário.

No julgamento dos embargos de declaração em abril de 2023, o STF decidiu que o reconhecimento da não incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, não seria capaz de afastar o direito do contribuinte ao crédito da operação anterior. Ademais, fixou que estaria desde logo reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos, ainda que os Estados não disciplinassem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular até o primeiro dia do exercício financeiro de 2024.

Ato contínuo, foi publicado Convênio ICMS n. 174/23 dos Estados e do Distrito Federal que disciplinava a transferência de créditos antes de ter sido exaurido o prazo fixado pelo STF. No entanto, sua cláusula primeira fixava que a transferência de créditos seria obrigatória para o contribuinte que realizasse operações de remessa de mercadoria em transferência para estabelecimento de mesma titularidade.

Em virtude da inconstitucionalidade de tornar obrigatória a transferência do crédito, o próprio Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro fez publicar o Decreto Estadual n. 48.799/23 por meio do qual não ratificou expressamente o Convênio ICMS 174/23. Na motivação do Decreto n. 48.799/23, o Governador justificou a não ratificação do convênio segundo o fundamento de que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ADC 49 garantiram ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado a título de ICMS, sendo esse direito uma faculdade e não uma obrigatoriedade, como previa o Convênio.

A ratificação por todos os Estados e pelo Distrito Federal – ainda que tácita – era condição de validade do Convênio ICMS n. 174/23 previsto em sua própria cláusula oitava. O referido dispositivo do Convênio fixou que o próprio convênio só entraria em vigor a partir da data da publicação de sua ratificação nacional. Assim, por não ter sido ratificado pelo Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro, o Convênio ICMS n. 174/23 não entrou em vigor.

O novo Convênio ICMS n. 178/23, publicado no dia 1º de dezembro de 2023, mantém a obrigatoriedade da transferência do crédito do imposto nas operações interestaduais em transferências de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Contudo, ele retira a menção à LCP n. 24/75 e a necessidade de ratificação nacional por todos os Estados e pelo Distrito Federal para sua entrada em vigor. Nos termos de sua cláusula oitava, o Convênio entrou em vigor na data de sua publicação do Diário Oficial da União e passará a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024.

Atualmente, alguns projetos de leis complementares disciplinando a transferência de crédito de ICMS nas remessas interestaduais em transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular estão em trâmite no Congresso Nacional. Entre eles, destacamos o Projeto de Lei Complementar n. 116/2023 (PLP n. 116/23) o qual alteraria a Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir) para operacionalizar a transferência de crédito por meio da atribuição de opção ao contribuinte de equiparar a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular a uma operação sujeita à ocorrência do fato gerador do imposto.

Ademais, foram opostos Embargos de Declaração em 30 de novembro de 2023 contra decisão proferida nos autos da ADC 49 em que o embargante requereu à Suprema Corte que solucionasse obscuridade do julgado quanto à obrigatoriedade ou faculdade da transferência do crédito do ICMS nessas operações, i.e., que fosse reconhecido expressamente o direito de aproveitamento dos créditos de ICMS no Estado de origem ou no Estado de destino, a critério do contribuinte.

Segundo Marianne Baker, sócia do CCBA, “a obrigatoriedade da transferência de créditos de ICMS instituída pelo Convênio ICMS n. 178/23 certamente será objeto de judicialização, tendo em vista sua nítida inconstitucionalidade. Espera-se agora que o Congresso Nacional aprove algum dos projetos para disciplinar a transferência de créditos do imposto por meio de lei nacional até o fim deste ano ou que o Supremo Tribunal Federal reconheça o direito dos contribuintes nos embargos declaratórios opostos no âmbito da ADC 49”.