Foi publicado no Diário Oficial da União de 1º de novembro de 2023 o Convênio ICMS n. 174/2023 responsável por disciplinar a remessa interestadual de bens e mercadorias em transferência entre estabelecimentos do mesmo titular. O Convênio foi celebrado em observância ao que determinou Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49.

A Corte Suprema, no julgamento do mérito da ADC 49 datado em 2021, firmou que o ICMS não incide no deslocamento físico de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, tendo em vista a inexistência de alteração da titularidade da propriedade da mercadoria – requisito indispensável para caracterização do fato gerador do imposto estadual.

Ato contínuo, foram opostos embargos de declaração pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte contra decisão de mérito da ADC 49 alegando omissão do julgado quanto à questão do crédito do imposto. Na oportunidade, foi alegado que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos representaria uma hipótese de “não incidência” para fins do art. 155, § 2º, II, da CRFB/88, de modo que implicaria a necessidade de estorno do crédito pelo estabelecimento do remetente e vedação ao direito de crédito pelo estabelecimento destinatário.

No julgamento dos embargos de declaração em abril de 2023, o Supremo Tribunal Federal consignou o entendimento no sentido de que o reconhecimento da não incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, não afasta o direito ao crédito da operação anterior. Ademais, fixou que estaria desde logo reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos; ainda que os Estados não disciplinassem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular até o primeiro dia do exercício financeiro de 2024.

O convênio dos Estados e do Distrito Federal que disciplina a transferência de créditos foi celebrado antes de ter sido exaurido o prazo fixado pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo o COMSEFAZ, órgão que tem como integrantes os secretários das fazendas estaduais, afirma que o texto final do Convênio é resultado de diálogo com o setor varejista e outros.

Assim, nos termos da cláusula segunda do Convênio, o crédito do ICMS transferido deve ser lançado a débito na escrituração do estabelecimento remetente e a crédito na escrituração do estabelecimento destinatário. O crédito será transferido a cada remessa, mediante indicação do respectivo valor na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) que a acobertar, no campo destinado ao destaque do imposto. O valor do crédito a ser transferido – e, por conseguinte, indicado no campo da nota fiscal destinado ao destaque do imposto –, é o correspondente à aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS sobre o valor dos bens e mercadorias.

Uma outra preocupação decorrente da decisão de mérito proferida na ADC 49 consistia na possibilidade de alteração das políticas de incentivos fiscais previstas nas legislações estaduais. Isso porque, a modalidade de exoneração tributária de ICMS mais adotada pelas diversas unidades federadas consiste na concessão de crédito presumido de ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias para estabelecimento do mesmo titular. A não incidência do imposto nessa operação poderia desnaturar os efeitos dos benefícios fiscais já concedidos.

Nesse sentido, a cláusula sexta, II, do Convênio ICMS n. 174/2023 estabeleceu que a sistemática de transferência de crédito não importa no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pelo Estado de origem. Neste caso, ficou consignado que o contribuinte deverá efetuar o lançamento de um débito, equiparado ao estorno de crédito previsto na legislação tributária do Estado que concedeu o benefício fiscal.

Segundo Onofre Alves Batista Júnior, sócio do CCBA, “os problemas que surgem decorrem de distorções introduzidas pelos entes federados no tributo, como a concessão de benefícios posteriormente declarados inconstitucionais. Para corrigir uma distorção, o CONFAZ acaba criando outra, fazendo a transferência de créditos na realidade inexistentes para outros Estados. Ou bem se faz isso ou bem se anula o benefício. Foi por questões assim que o ICMS se tornou disfuncional e não mereceu tratamento nas normas gerais nacionais. Por certo, novas judicializações vão surgir em decorrência do convênio, gerando instabilidade e insegurança para o contribuinte.”