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No dia 08/06/2022, foi publicado o Decreto 11.090/2022, que excluiu as despesas com capatazia do valor aduaneiro e, desse modo, da base de cálculo de quatro tributos: IPI; Contribuição ao PIS; Cofins; e ICMS. O Decreto alterou o inc. II do art. 77 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), superando a discussão travada recentemente no judiciário, especialmente no STJ, que havia entendido que a capatazia integra o valor aduaneiro.

O art. 77 do Regulamento Aduaneiro versa sobre os custos ou gastos que integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração aplicado. Tais métodos encontram previsão no Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), aprovado pelo Decreto Legislativo 30/1994 e promulgado pelo Decreto 1.355/1994, e têm impactos relevantes na determinação da base de cálculo de certos tributos incidentes nas operações de importação de mercadorias (IPI, PIS/COFINS e ICMS). O art. 8.2. do AVA dispõe que os países podem prever a inclusão ou a exclusão no valor aduaneiro dos gastos relativos ao carregamento descarregamento e manuseio associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação. Tal dispositivo constitui uma das poucas reservas permitidas aos países signatários pelos Acordos Multilaterais da Organização Mundial do Comércio.

No Brasil, a definição legal do serviço de capatazia, por sua vez, encontra-se no art. 40, §1º, inc. I, da Lei 12.815/2013 (Lei dos Portuários). A capatazia é a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário. Todos esses serviços ocorrem no território nacional.

Ademais disso, tradicionalmente, no comércio internacional, faz-se uma distinção terminológica entre o transporte ou movimentação de mercadorias em geral, ocorrida nos portos (capatazia) e o transporte de contêineres. Para esses últimos, costuma-se adotar o termo Terminal Handling Charge (THC). Em todo caso, as despesas com capatazia ou THC são suportadas pelo importador e se referem a mercadorias que já se encontram no território nacional.

Antes do Decreto 11.090/2022, a redação do inc. II do art. 77 do Regulamento Aduaneiro incluía no valor aduaneiro os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada ao porto ou ao aeroporto alfandegado de descarga ou ao ponto de fronteira alfandegado onde as formalidades para a importação são realizadas. Tal previsão não abrangia os gastos incorridos no território nacional propriamente. Além disso, a Receita Federal Brasil editou a Instrução Normativa (IN) SRF nº 327/2003 que, em seu art. 4º, §3º, incluía expressamente no valor aduaneiro os gastos com “descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional”, abrangendo, assim, a capatazia.

A legalidade desse dispositivo da RFB foi contestada administrativa e judicialmente. No CARF, acabou prevalecendo o entendimento pela inclusão da capatazia no valor aduaneiro, como se depreende no Acórdão 9303-009.204, da 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, julgado em sessão do dia 18/07/2019. No judiciário, por outro lado, o cenário era distinto, com o STJ reconhecendo, mais de uma vez, a incompatibilidade do art. 4º, §3º, da IN SRF 327/2003, com o art. 8.2. do Acordo de Valoração Aduaneira, como se percebe no julgamento, também em 2019, do AgInt no AREsp 1.415.794/SC pela Primeira Turma da Corte Superior. Nesse sentido, diversos doutrinadores previam, à época, que a jurisprudência do STJ se firmaria com o entendimento pela ilegalidade da inclusão da capatazia no valor aduaneiro.

Contudo, no Tema Repetitivo 1.014 (REsp 1.799.306/RS, REsp 1.799.308/SC e REsp 1.799.309/PR), julgado em março de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a capatazia integra o valor aduaneiro. A decisão do STJ divergiu de decisões anteriores proferidas pela própria Corte, como no AREsp 1.249.528/RS, além do precedente citado anteriormente. Diante disso, surgiram questionamentos quanto à segurança jurídica dos contribuintes em face da alteração da jurisprudência do STJ, como noticiado pelo CCBA. Algumas decisões judiciais modularam os efeitos do Tema 1.014, afastando a capatazia do valor aduaneiro em relação a fatos geradores ocorridos em períodos anteriores à data do julgamento do recurso repetitivo.

Tal contexto ilustra, ainda que sucintamente, as divergências que o tema gerou entre os contribuintes e o Fisco. Porém, com a edição do Decreto 11.090/2022, dissipam-se tais dissonâncias, em razão da previsão expressa de que estão excluídos do valor aduaneiro “os gastos incorridos no território nacional e destacados do custo de transporte”, como consta na atual redação do inc. II do art. 77 do Regulamento Aduaneiro.

Diante disso, um dos sócios-fundadores do CCBA, Paulo Coimbra, ressalta que o Decreto 11.090/2022 pôs termo às controvérsias quanto à inserção das despesas com capatazia no valor aduaneiro das mercadorias importadas, mas que ainda prevalecem cenários de profunda insegurança jurídica no comércio exterior para as empresas brasileiras. Para ele, “há conflitos normativos constantes entre os acordos firmados pelo Brasil e as normas internas sobre o comércio exterior, destacadamente quando observamos os posicionamentos da RFB. Ainda assim, o Decreto representa um alívio para os importadores, reduzindo custos e estimulando a importação. Apesar do ’desfecho rocambolesco’, cessa o efeito de majoração da base de cálculo dos tributos incidentes na importação decorrente