Recentemente foi publicado um acórdão em que a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), com aplicação do voto de qualidade em sentido favorável ao pleito do contribuinte, afastou a incidência de contribuições previdenciárias sobre parcelas de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Para a instância máxima do CARF, é possível relativizar a exigência de formalização prévia ao período aquisitivo, desde que alguns requisitos sejam cumpridos cumulativamente. Trata-se do processo 16327.720899/2018-75, acórdão 9202-010.625.

O Relator do Recurso Especial interposto pela Porto Seguro Companhia de Seguros Gerais foi o Conselheiro Maurício Nogueira Righetti. A empresa, em sua defesa, alegou que as Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) referentes aos anos de 2013, 2014 e 2015 reproduziam as mesmas condições para o recebimento da PLR ajustadas em anos anteriores. Sendo assim, havia prévio conhecimento por parte de seus empregados no que se diz respeito às regras para efeitos de distribuição da PLR, isto é, antes do início do período aquisitivo, não tendo sido violadas as disposições da Lei n. 10.101/2000.

Contudo, o posicionamento do Relator, Conselheiro Maurício Nogueira Righetti, foi no sentido de que o acordo para pagamento da PLR precisaria ser pactuado “antes de o início do período de aferição ao qual se relaciona dita participação, sob pena de ter-se por desvirtuado o instrumento que tem por objetivo, também, o incentivo à produtividade”. Para o Conselheiro, o termo final da pactuação do programa de PLR é a assinatura do acordo, momento em que as regras do acordo se incorporam ao patrimônio dos envolvidos. Assim, consignou que é inadmissível a alegação da defesa de que o que foi concretizado ao final do acordo já era de conhecimento prévio dos empregados.

O Conselheiro João Victor Ribeiro Aldinucci, por sua vez, abriu divergência em relação ao voto do Relator. Segundo o Conselheiro, a Lei n. 10.101/2000, em seu art. 2º, não estabeleceu data limite para a formalização da negociação. Em seu entendimento, a ausência dessa data limite é compreensível, haja vista que “as normas de experiência comum demonstram que tais negociações não raramente levam meses para serem concluídas, sendo por vezes acirradas e conflituosas e envolvendo diversos sindicatos de diversas categorias”. Ato contínuo, o Conselheiro destacou que a data da assinatura corresponde tão somente à formalização da negociação entre as partes envolvidas, como a empresa, as entidades sindicais dos trabalhadores e patronais. Além disso, em seu voto ele sustentou que a exigência de assinatura prévia ao período aquisitivo é uma interpretação restritiva, cujo requisito não é previsto em lei.

O voto divergente foi acompanhado pelo Conselheiro Fernando Brasil, presidente da turma. Nessa toada, foi dado provimento ao Recurso Especial do Contribuinte, com aplicação do voto de qualidade, ficando assentado pela 2ª Turma do CSRF que é possível relativizar a exigência de pacto prévio ao período aquisitivo quando, cumulativamente: “(i) trata-se de Convenções Coletivas de Trabalho, as quais, por sua natureza, são firmadas entre sindicatos, e não propriamente pelo sujeito passivo; (ii) as Convenções Coletivas de Trabalho são meras reproduções, em relação à participação nos lucros ou resultados, das Convenções de anos anteriores; e (iii) todas as demais acusações fiscais foram superadas pelas instâncias anteriores do contencioso administrativo fiscal, restando, unicamente, a acusação relativa ao descumprimento do pacto prévio ao período aquisitivo, ou quando a única acusação fiscal originária for a de descumprimento do pacto prévio”.

Nosso sócio fundador, Paulo Coimbra, afirma que “é extremamente relevante o fato de que o resultado da decisão foi favorável ao contribuinte por meio do voto de qualidade, aplicando-se a interpretação da norma tributária de forma mais favorável ao contribuinte. O voto vencedor foi bastante claro nesse sentido, dado que entre as diferentes interpretações possíveis da norma aplicável ao caso, deve-se aplicar aquela que mais se coaduna com os propósitos e valores constitucionais, que é a integração entre capital e trabalho. Vale sempre relembrar que a PLR é um direito social constitucionalmente assegurado ao trabalhador. Dito isso, a interpretação das regras aplicáveis à PLR devem seguir o propósito de dar a máxima efetividade aos objetivos do Diploma Constitucional. Interpretações restritivas e, principalmente, não previstas em lei, causam efeito contrário aos objetivos do mandamento Constitucional e acabam desestimulando empregadores a criarem programas de PLR, além de violar o princípio da legalidade estrita em matéria tributária.”

Paulo complementa que: “não se pode descurar que a PLR é um valioso instrumento para a consecução de elevados propósitos de nossa República, bem como dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente os objetivos de erradicação da pobreza e redução das desigualdades. Não obstante, motivado por interesses arrecadatórios, é comum (lamente-se) que o Fisco agarre-se a premissas e paradigmas diametralmente opostos, lastreando-se em fundamentos estritamente formais, e ignore por completo a materialidade dos fatos – ao que lhe convém, not substance, but form. A cobrança de tributo à margem da lei atenta à boa-fé dos empregadores e empregados, frustrando uma legítima expectativa em torno da eficácia do texto constitucional, além de militar contra (i) o claro objetivo de pacificação e alinhamento de interesses entre capital e trabalho, (ii) a implementação de valioso instrumento para uma melhor distribuição de renda, e (iii) mitigar os abismos promovidos pela desigualdade econômica e social. Desse modo, é venerável o posicionamento adotado neste acórdão da CSRF, que analisa atentamente as circunstâncias do caso e reconhece que a data de assinatura, neste caso, em nada altera a natureza do acordo e das verbas neles contempladas.”