No dia 29/01/2024, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), por 7 a 2, entendeu que contribuições previdenciárias devem incidir sobre valores pagos a título de participação nos lucros e resultados (PLR) se não for respeitada a periodicidade mínima prevista na legislação, ainda que se trate de mero adiantamento, lastreado em negociação coletiva. Esta decisão ocorreu em face de um acórdão de 2012, proferido no mesmo processo por uma das câmaras baixas do CARF, em que conselheiros afastaram a incidência das contribuições, por julgarem que a antecipação de uma das parcelas do pagamento da PLR, por exigência do sindicato da categoria e em conformidade com Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), não conferia natureza remuneratória à verba. No julgado recente, no entanto, os conselheiros da Câmara Superior interpretaram que os valores pagos a título de PLR foram pagos em periodicidade excedente à prevista na legislação.

A PLR é um direito social dos trabalhadores, desvinculado da remuneração, conforme previsto no art. 7º, XI da Constituição de 1988. A referida verba é excluída expressamente da base de cálculo das contribuições previdenciárias, quando paga em conformidade com sua lei regulamentadora, como estabelece o art. 28, § 9º, “j” da Lei nº 8.212/1991. Todavia, o STF, ao julgar o Tema nº 334 de Repercussão Geral, firmou a tese de que o mencionado dispositivo constitucional tem eficácia limitada e carece de densificação, a qual teria ocorrido somente com a edição da MP 794/1994, reeditada 13 vezes e convertida na Lei nº 10.101/2000.

No caso concreto, a Fazenda Nacional argumentou que a Lei n. 8.212/91 determina que a parcela recebida a título de participação do empregado nos lucros ou resultados da empresa não integra a base de cálculo das contribuições previdenciárias, desde que seja paga ou creditada de acordo com a lei específica, qual seja, a Lei nº 10.101/2000. O contribuinte, na perspectiva fazendária, teria descumprido tal legislação, pois a verba teria sido paga com habitualidade, em três parcelas, e de modo vinculado ao salário.

O contribuinte, por sua vez, sustenta que o pagamento da PLR em três parcelas ocorreu devido à exigência do sindicato da categoria, que requereu o adiantamento de parte das parcelas já ajustadas, conforme registrado no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT). A Lei n.º 10.101/2000, inclusive, autoriza expressamente que a PLR seja objeto de convenção ou acordo coletivo. Adicionalmente, mesmo considerando que a PLR tenha sido paga em três parcelas, não ocorreram mais de dois pagamentos no mesmo ano civil, o que também está em conformidade com a legislação vigente. Cabe ressaltar, ademais, que a própria Lei n.º 10.101/2000 prevê que o princípio da habitualidade não se aplica à matéria por ela regulamentada.

Para o nosso sócio Paulo Coimbra, “a Receita Federal pratica um formalismo inócuo em relação às exigências em torno da PLR. Não parece ser o mesmo órgão que fiscaliza planejamentos tributários, em que o critério fazendário é sempre substance over form’ (esessência sobre a forma). No entanto, ao fiscalizar as contribuições previdenciárias, o Fisco simplesmente despreza a essência e a natureza para se apegar a meras formalidades. Surge, nesses casos, o critério not substance, but form’ (não a essência, mas a forma). Tamanha contradição da RFB em seus posicionamentos gera insegurança e milita contra o espírito da Constituição. No caso concreto, o Fisco contradiz a modelo constitucional de Estado Tributário Redistribuidor, porque acaba inibindo uma melhor distribuição da riqueza, ao inviabilizar a participação dos empregados nos resultados das empresas.

“Além disso, ressaltamos que a PLR é um valioso instrumento de alinhamento de interesses entre capital e trabalho, cuja contraposição histórica precisa ser superada. No caso, vemos uma relação sindical organizada, mediante a qual se chega a um acordo, o qual é totalmente desconsiderado pela União, comprometendo e limitando o alinhamento entre as duas forças produtivas. Diante dessa postura tão formalista e fiscalista da Receita, as empresas acabarão sendo inibidas de pagar a PLR.

“Não bastasse isso, a recente decisão do CARF contrapõe o sentido da legislação vigente, bem como o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal proferido no bojo do Tema nº 1.046 de Repercussão Geral. Neste julgamento, a Suprema Corte consignou que as normas de acordos e convenções coletivas podem restringir ou até mesmo afastar direitos trabalhistas, sem a necessidade de previsão específica de vantagens compensatórias, desde que respeitem os direitos absolutamente indisponíveis. No entanto, no julgamento da CSRF, o que se vê é uma má interpretação da legislação vigente e uma patente desconsideração da interpretação constitucional conferida aos ACTs. A impressão é de que apenas para a CSRF não vale a máxima de que o negociado prevalece sobre o legislado, na hipótese discutida.

“Mesmo assim, apesar do posicionamento desfavorável da Câmara Superior neste caso, o prognóstico para os contribuintes em situação semelhante é auspicioso. Isso porque dentre os direitos disponíveis listados exemplificadamente no art. 611-A da CLT, insere-se a participação nos lucros e resultados da empresa. Esse dispositivo da CLT foi introduzido com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e autoriza de forma expressa que a convenção e o acordo coletivo de trabalho tenham prevalência sobre a legislação em determinados temas. Além disso, a própria Lei n.º 10.101/2000 foi alterada em 2020 para privilegiar as pactuações coletivas. Dentre as modificações mais relevantes, destaca-se a alteração ao art. 2º, §6º, o qual passou a estabelecer que prevalece a autonomia da vontade das partes contratantes em matéria de direitos substantivos e regras adjetivas, inclusive no que se refere à fixação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais para fixação da PLR”.

O julgamento noticiado ocorreu no âmbito do Processo nº 16095.000053/2008-14.