Em fevereiro, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil disponibilizou o Balanço Aduaneiro referente a 2022. O levantamento reúne os principais resultados da Aduana brasileira em matéria de importação; exportação; remessas internacionais; controle aduaneiro de bens e viajantes; gerenciamento de riscos; fiscalização e repressão, bem como apresenta resultados do Programa Operador Econômico Autorizado (OEA). Esta edição especial do nosso informativo, apresenta um resumo das estatísticas do comércio exterior do ano passado. Além disso, nossos sócios Onofre Batista (premiado pela Organização Mundial das Aduanas em 2022) e Filipe Piazzi apontam dois grandes desafios da Aduana no Brasil, especialmente relacionados à falta de transparência sobre o uso de novas tecnologias, como o machine learning, no controle aduaneiro e à utilização do gerenciamento de riscos com fins arrecadatórios.

De acordo com o documento da RFB, as importações brasileiras, em 2022, totalizaram US $355,09 bilhões, ao passo que, em 2021, o montante importado foi de US $302,07 bilhões. Foram 2.585.378 declarações de importação (DI) registradas, totalizando um crescimento de 3,36% em 2022, em comparação ao ano anterior. O Balanço Aduaneiro também apresenta o Grau de Fluidez na Importação, que indica o número de DIs na modalidade normal desembaraçadas em menos de 24h. Em 2022, o Grau de Fluidez foi de 91,96%, uma variação negativa de -2,37% em relação a 2021; já o Tempo Médio Bruto do despacho de importação, que engloba o tempo entre o registro da DI e o seu desembaraço, foi de 22,25 horas, em média. Em 2021, esse tempo médio foi de 15,3 horas e, em 2020, de 18,5 horas. O tempo médio foi maior no modal marítimo (28,54 horas) e menor nos modais aéreo (17,14 horas) e terrestre (11,8 horas).

O Balanço Aduaneiro de 2022 também registra que a Aduana promoveu diversas melhorias no processo de importação de mercadorias, incluindo ações para a simplificação do despacho com entrega fracionada, do despacho antecipado e da descarga direta de granéis. Tal simplificação ocorreu por intermédio das alterações da IN SRF 680/2006 empreendidas pelas INs 2072/2022 e 2104/2022. Antes dessas alterações, por exemplo, o despacho fracionado era realizado manualmente pelos Auditores-Fiscais da RFB.

Porém, com a alteração, tornou-se possível que a verificação da entrada de mercadorias fosse realizada pelo depositário responsável pelo recinto alfandegado, ainda que a Secretaria Especial da RFB tenha conservado o direito de realizar a conferência parcial ou a apuração final dos estoques a qualquer momento. Essa mudança gerou uma redução de 50% no tempo médio entre o registro e o desembaraço das operações, em comparação com o ano de 2021.

Além disso, foi aprimorado o despacho antecipado, que é uma autorização especial concedida pela Aduana para que algumas mercadorias (e.g. inflamáveis, perecíveis e granéis) passem pela fronteira com mais rapidez. Anteriormente, todas essas mercadorias passavam por um controle aduaneiro rigoroso na zona primária. Todavia, com a melhoria dos procedimentos e ferramentas de gerenciamento de riscos, em 2022, foi possível agilizar o processo e o fluxo de cargas na fronteira, mantendo o efetivo exercício do controle aduaneiro, como aponta o levantamento de 2022. Para isso, a IN RFB 680/2006 também foi alterada, de modo a unificar as normas sobre o tema e permitir descargas diretas, visando a desburocratização e a maior eficiência do processo de despacho antecipado.

No ano passado, também foi institucionalizada a Verificação Física Remota, em conjunto com outros órgãos intervenientes do comércio exterior. A Portaria Coana 75/2022 padronizou os requisitos do sistema informatizado e os procedimentos necessários para a verificação física, por intermédio de câmeras, nos procedimentos de despacho de importação, de exportação e de trânsito aduaneiro. Esse novo processo de verificação física remota diminui os deslocamentos das equipes regionais especializadas para realizar a averiguação das mercadorias no recinto alfandegado. Ademais, as imagens gravadas podem ser acessadas por outros órgãos da administração pública federal, em favor dos seus respectivos procedimentos de controle administrativo e aduaneiro. O projeto de verificação física remota realiza o modelo da Janela Única de Verificação e Inspeção da Mercadoria,  diminui custos com movimentação e acelera a liberação das cargas importadas e exportadas.

Outra relevante informação do Balanço Aduaneiro se refere à criação do Programa BR do Mar. Instituído pela Lei 14.301/2022, o Programa suscitou a alteração da IN RFB 1.471/2014 e a criação de um nova hipótese de incidência para o Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Além disso, foi afastada a incidência da Taxa de Utilização do Mercante (TUM) sobre a navegação de cabotagem e interior quando os portos de origem ou destino estiverem situados nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. A regulamentação do AFRMM e da TUM foi harmonizada e consolidada em um único instrumento pela Receita Federal do Brasil (RFB), a IN RFB 2.102/2022, em favor do aprimoramento do Sistema Mercante.

Em 2022, as exportações brasileiras totalizaram US$ 355,09 bilhões e o número de declarações únicas de exportação (DU-E) registradas foi de 2.100.885, respectivamente, isso representou um crescimento de 17,55% e 5,38%, se comparado ao mesmo período em 2021. As informações sobre as exportações no Balanço Aduaneiro de 2022 não são tão detalhadas como aquelas sobre as importações. Mesmo assim, merece realce a redução em 5,0% do tempo médio bruto do despacho de exportação, que se refere ao tempo entre a Apresentação da Carga para Despacho (ACD) e o embarque efetivo da carga. Contudo, comparado a 2021, o tempo médio bruto de despacho de exportação, no modal marítimo, aumentou em 22,3%, ao passo que o tempo diminuiu em 20,6%, no aéreo, e em 3,7%, no terrestre.

As remessas internacionais, que abrangem os volumes de encomendas, pacotes, presentes, correspondências e bens que entram e saem do Brasil, podem ser realizadas em duas modalidades: a remessa expressa e a remessa postal.  O primeiro tipo é utilizado principalmente por pessoas jurídicas e totalizou 2.389.949 volumes importados, sendo 40,70% desse montante relativo a documentos, sobre os quais não incidem tributos, e 59,30% relativos a não-documentos, categoria que abrange bens tributáveis, imunes e isentos. Por outro giro, a remessa postal é utilizada principalmente por pessoas físicas que adquirem bens via e-commerce e totalizou 3.410.824 Declarações de Importação de Remessa (DIR) registradas no Siscomex Remessa, sendo que foram tributados 98,49% desse montante.

No que se refere à exportação por meio de remessas, 1.648.501 volumes foram exportados por meio da Declaração de Remessas de Exportação (DRE), na modalidade de remessa expressa. Já na modalidade de remessa postal, 1.351.783 volumes foram exportados, sendo que, desse total, 1.000.476 eram cartas e documentos diversos e 345.307 eram não-documentos.

No âmbito do controle de bens e viajantes, aproximadamente 15,7 milhões de pessoas foram movimentadas pelos aeroportos internacionais brasileiros em 2022, em voos de entrada e saída do Brasil. No mesmo ano, os passageiros de voos internacionais realizaram voluntariamente 12.787 declarações eletrônicas de bens de viajantes (e-DBV), as quais somaram R$ 2,6 bilhões em mercadorias. Essas declarações foram utilizadas como base para o cálculo do crédito tributário, que totalizou R$ 34.404.852,00, incluindo o Imposto de Importação e multas relacionadas.

O termo “ocorrências” é usado para descrever a situação em que a Aduana verifica que um passageiro está entrando no país com mercadorias estrangeiras em quantidades ou valores que excedem os limites para a isenção fiscal, sem apresentar a correspondente declaração eletrônica de bens de viajantes (e-DBV). Isso ocorre quando o passageiro faz uma declaração inadequada selecionando o canal “nada a declarar” ou indica na e-DBV valores ou quantidades inferiores aos que estão de fato sendo transportados. O crédito tributário recolhido nos casos de ocorrências foi de R$ 45.179.439,00.

Como bem aponta o Balanço Aduaneiro de 2022, o Programa Operador Econômico Autorizado (OEA) é uma iniciativa que visa aumentar a segurança da cadeia de suprimentos internacional e incentivar a voluntariedade no cumprimento da legislação tributária e aduaneira, ao mesmo tempo em que busca facilitar o comércio, agilizando a circulação, a liberação e o despacho aduaneiro de bens. A regulamentação desse programa é feita pela IN RFB 1.985/2020 A regulamentação desse programa é feita pela IN RFB 1.985/2020.

O Programa OEA é dividido em duas modalidades: OEA-Conformidade, que leva em consideração critérios gerais e de conformidade aduaneira, e OEA-Segurança, que avalia critérios gerais e de segurança aplicados à cadeia de suprimentos no fluxo das operações de comércio exterior.

A certificação no Programa OEA é realizada pela Receita Federal e diversos intervenientes do comércio exterior podem pleiteá-la, tais como importadores, exportadores, transportadores, depositários de mercadorias sob controle aduaneiro em recinto alfandegado ou em Redex, agentes de carga e operadores portuários e aeroportuários. Todos os intervenientes, quando certificados como OEA, recebem benefícios como a redução da quantidade de conferências físicas de cargas, a conferência prioritária para cargas selecionadas e a redução do tempo médio bruto dos despachos de importação e exportação.

Em 2022, o Programa OEA incluiu novos benefícios para os operadores que possuem a certificação ativa. Com a Portaria RFB nº 228/2022, os OEA passaram a ter prioridade no julgamento de processos administrativos fiscais nas Delegacias de Julgamento da Receita Federal do Brasil (DRJ). Ademais disso, os OEA-Conformidade, que já tinham prioridade na análise de consultas sobre a classificação fiscal de mercadorias, ganharam prioridade na análise de consultas sobre a interpretação da legislação tributária e aduaneira, conforme a Portaria RFB 239/2022, que entrou em vigor em novembro de 2022.

Em dezembro de 2022, o percentual de mercadorias exportadas por OEA que foram selecionadas para canais de conferência foi de apenas 0,36%, o que implica que 99,64% dessas declarações de exportação foram automaticamente liberadas em canal verde. Já na importação, o benefício é concedido somente aos importadores certificados como OEA-Conformidade Nível 2. Em dezembro de 2022, o Balanço Aduaneiro afirma que somente 0,61% das importações dos OEA foram selecionadas para canais de conferência, de modo que 99,39% das importações foram automaticamente liberadas em canal verde.

Acerca das operações de auditoria e fiscalização aduaneira, a Aduana adotou medidas de combate à fraude em três áreas principais: i) interposição fraudulenta, ii) fraudes na importação e iii) fraudes em procedimentos gerais e específicos. Para intensificar a fiscalização, a IN RFB nº 1.986/2020 trouxe uma nova abordagem, integrando as ações nas zonas primária e secundária, com o objetivo de torná-las mais ágeis e eficazes. É interessante o registro de que, em 2022, foram realizados 108 comunicados para autorregularização, gerando o recolhimento de R$ 5.373.412,64. Esses comunicados permitiram que as empresas corrigissem eventuais erros de preenchimento de formulários antes da instauração de procedimentos fiscais, o que evitou a aplicação da multa de 50%, imposta se o erro é identificado durante a fiscalização.

A Receita Federal registrou como resultado 3,1 bilhões de reais decorrentes da apreensão de mercadorias, no ano de 2022. Foram aproximadamente 3.883 operações contra descaminho, importação irregular e contrabando de mercadorias estrangeiras no Brasil, visando coibir a sonegação fiscal, a entrada de produtos fora dos padrões mínimos de segurança e a concorrência desleal desses produtos em relação à indústria nacional. No ranking das maiores apreensões, o cigarro corresponde a 26,56% do total de apreensões; seguido por eletroeletrônicos (21,66%); veículos (7,39%); vestuário (4,09%); bens de informática (2,74%); bebidas (2,36%); brinquedos (1,96%); relógios (1,06%); inseticidas, fungicidas, herbicidas e desinfetantes (0,90%); e bolsas e acessórios (0,88%).

Filipe Piazzi, nosso sócio, afirma que “o Balanço de 2022 demonstra a complexidade e a efetividade do trabalhado realizado pela Aduana brasileira, que tem incorporado diversas tecnologias de ponta, tais como a o Sistema de Seleção Aduaneira por Aprendizagem de Máquina (Sisam), em prol da agilização do comércio exterior e da efetiva consecução de compromissos internacionais firmados pelo Brasil para a facilitação do comércio. No entanto, essas novas tecnologias não estão isentas de problemas e críticas, razão pela qual o Balanço de 2022 não deveria ter prescindido de detalhar os critérios e métodos que o Sisam e outros sistemas algorítmicos têm utilizado no exercício do controle aduaneiro brasileiro. É imperativo questionar como os algoritmos operam na prática, quais as bases de dados os alimentam e como e quem realiza os feedbacks necessários para o machine learning. Somente a partir das respostas a essas questões (e outras também de ordem técnica) será possível garantir a transparência e o melhor uso das novas tecnologias no comércio exterior, destacadamente no que se refere ao gerenciamento de riscos. Este é um dos grandes desafios da Aduana no séc. XXI”.

Por sua vez, Onofre Batista, nosso sócio nominal, afirma que “no Balanço Aduaneiro consta que as práticas de gerenciamento de riscos, que originalmente foram estruturadas para coibir ilícitos aduaneiros de alta gravidade (e.g. fraudes), foram utilizadas para aumentar a arrecadação federal, em 2022. Neste ano, o esforço arrecadatório, a partir do aumento do da seleção aleatória de DIs para conferência física de mercadorias, prejudicou a eficácia das seleções e diminuiu a apreensão de mercadorias, no curso do despacho de importação.

Nos termos da própria RFB, “globalmente se recolheu mais porque a quantidade selecionada aumentou, mas a efetividade da seleção por DI diminuiu e houve prejuízo às ações mais complexas/estruturadas de combate à fraude, reduzindo o volume de apreensões”. Isso exemplifica como afãs arrecadatórios podem gerar prejuízos aos contribuintes e denota que o controle aduaneiro não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para que se garanta o melhor interesse nacional possível. A Aduana não pode ser uma trava ao comércio. Ao contrário, deve facilitá-lo, mediante o exercício coerente e eficaz do poder de polícia aduaneira, impedindo, assim, a sonegação de tributos, o contrabando e o descaminho de mercadorias. É em favor disso que o controle existe.

Como afirmei em outra oportunidade, um dos maiores desafios das Aduanas “está em abrir as trancas e saber como guardar os portões não apenas como sentinela, mas também como agente indutor do desenvolvimento nacional”. Nem todos os resultados do Balanço Aduaneiro de 2022 indicam a busca pela superação desse salutar desafio, especialmente no que tange a confusão entre gerenciamento de risco e arrecadação. Por essas razões, o Balanço Aduaneiro de 2022 indica a necessária retomada, pela Aduana, de um gerenciamento de risco contrário ao ilícito no comércio exterior, deixando que a arrecadação seja exercida pelas vias que lhe são próprias”.

Acesse o Balanço Aduaneiro de 2022 aqui.