No dia 24/01, a 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), suspendeu a cobrança de uma multa aduaneira de 100 milhões de reais, em valores atualizados, imposta pela fiscalização em razão de erro no preenchimento de diversas Declarações de Importação. O Juiz Guilherme Mendonça Doehler entendeu que o erro da empresa não gerou prejuízo ao controle aduaneiro das mercadorias importadas e destacou a polêmica envolvendo o voto de qualidade no CARF, que manteve a referida sanção depois de empate entre os conselheiros da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento, em julho de 2019.

A controvérsia se originou com o erro no preenchimento de  57 Declarações de Importação (DI) referentes à importação, sob o Regime Aduaneiro Especial de Admissão Temporária (RAT), de 33 aeronaves, 18 motores e 3 unidades de força auxiliar, resultantes de um contrato de arrendamento mercantil celebrado entre as empresas TAM (importadora) e a LATAM (exportadora). Em procedimento de revisão aduaneira, que abrangeu os anos de 2013 a 2016, a fiscalização constatou o preenchimento incorreto das DIs, pois não fora informado o vínculo societário existente entre as empresas importadora e exportadora.

A empresa importadora, por essas razões, foi autuada com a aplicação da multa de 1% sobre o valor aduaneiro das mercadorias importadas, com base no art. 711 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009). A empresa impugnou essa autuação, o que foi julgado improcedente, por unanimidade, pela Delegacia Regional de Julgamento (DRJ) do Rio de Janeiro. Ainda irresignada, a empresa interpôs um Recurso Voluntário, cujo provimento foi negado pelo voto de qualidade, na 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do CARF, sob a relatoria da Conselheira Mara Cristina Sifuentes.

A empresa, então, recorreu ao judiciário e impetrou mandando de segurança com pedido de liminar em face do Inspetor da Receita Federal do Brasil em Belo Horizonte, buscando a suspensão da exigibilidade do crédito tributário derivado do Auto de Infração que lhe impôs a penalidade aduaneira em razão da infração regulamentar. O valor da multa aplicada, sem correção, era de R$ 71.875.466,13; atualizado, o valor chega hoje a, aproximadamente, R$ 100.000.000,00.

A 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte não questionou a vinculação societária entre as empresas importadora e exportadora e reconheceu o erro no preenchimento das DIs, pois a empresa selecionou a opção “não” no campo destinado à informação de vínculo. Ainda assim, o Juiz Guilherme Mendonça Doehler reconheceu que a não informação do vínculo nas DIs se tratou de mero equívoco formal, sem impacto para o exercício efetivo do controle aduaneiro, pois i) o procedimento de admissão temporária foi devidamente instruído com documentos que possibilitaram a identificação da vinculação societária; e ii) a existência de vinculação entre as duas empresas era fato público e notório e já tinha sido informada à autoridade fiscalizadora, dado que a empresa importadora apresentara outras DIs em que constava declaração do vínculo societário em questão.

Além disso, a 10ª Vara Cível do TRF6 afastou do caso a aplicação do §3º do art. 113, que determina a conversão automática da obrigação acessória em obrigação principal, e do art. 136 do CTN, que dispensa a constatação da intenção do contribuinte para que se imponha a sanção decorrente da infração tributária. Justificando tal afastamento, o Juízo destacou i) que o equívoco no preenchimento das DIs decorreu de mero erro material, havendo boa-fé da empresa importadora; ii) que a imposição da multa de 1%, nesse caso, constituiria violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; e iii) que o art. 711, inc. III, do Regulamento Aduaneiro, determina que, para que se aplique a multa de 1%, a informação omitida deve ser crucial para a realização do controle aduaneiro, ao passo que, no caso, a omissão do vínculo societário nas DIs não gerou embaraço algum à realização desse controle.

O Juiz Guilherme Mendonça Doehler também apontou a polêmica questão do voto de qualidade no CARF, reacendida no início deste ano, ao mencionar que a manutenção da penalidade pelo órgão, em 2019, ocorreu em situação de empate no julgamento. Na época, o Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, além do voto ordinário, proferia o chamado voto de qualidade para dirimir os empates, tais como o que ocorreu no caso noticiado. O Juiz mencionou que o voto de qualidade foi extinto pela Lei 13.998/2020.

Para o nosso sócio, Onofre Batista, a decisão da 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte constitui prognóstico positivo para a formação jurisprudencial do TRF6 acerca das sanções aplicadas em razão de erros sutis no cumprimento de obrigações acessórias. Em suas palavras, “a multa de 1%, prevista no art. 711, inc. III, do Regulamento Aduaneiro, é imposta quando a omissão ou a inexatidão de determinadas informações gera prejuízo efetivo ao exercício do controle aduaneiro. Todavia, a necessidade de constatar esse prejuízo é comumente ignorada pelas autoridades fiscalizadoras, o que gera a imposição de sanções descabidas, mediante o exercício inócuo do poder punitivo estatal, como ocorreu no caso noticiado.  O erro sutil se caracterizada quando dois fatos são identificados: i) a inexistência do intuito de lesar a fiscalização; e ii) a apresentação de outras informações ou documentos que contenham a informação correta, apesar do erro material. Verificados esses dois fatos, como ocorreu no caso, a imposição da multa de 1% é manifestamente ilegal, pois ocorre em razão de um formalismo estéril. É acertadíssima a decisão liminar do Juiz Guilherme Mendonça Doehler, de modo que só resta esperar e torcer para que esta seja mantida pela Justiça Federal”.

O Acórdão 3401-006.715 da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do CARF pode ser acessado neste link; e a decisão liminar da 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, no Processo nº 1003320-78.2023.4.06.3800, pode ser acessada neste link.