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Em 15/05/2023, foi publicado acórdão proferido pela 1ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecendo a aplicação da prescrição intercorrente aos processos administrativos de apuração de infrações aduaneiras. A decisão diverge do entendimento que vem sendo aplicado pela Receita Federal do Brasil (RFB) e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que entendem pela manutenção das multas, visto que não seria aplicável a referida prescrição.

Os contornos da controvérsia que resultou no REsp nº 1.999.532/RJ foi a aplicação de multas decorrentes do registro no Sistema Siscomex-Exportação dos dados sobre mercadorias transportadas para o exterior em prazo superior ao previsto no art. 37 da Instrução Normativa SRF nº 28/1994. Assim, seria aplicável a multa capitulada no art. 107, IV, “e”, do Decreto-Lei nº 37/1966, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por voo.

O contribuinte sustentou a inexigibilidade das multas com amparo em duas causas de pedir, quais sejam: i) a incidência da prescrição intercorrente em razão do transcurso de prazo superior a 03 (três) anos entre a apresentação de defesa administrativa e a prolação de decisão pela autoridade competente; e ii) a comunicação da infração previamente à apuração dos fatos, afastando-se, por isso, as penalidades fixadas, como dispõe a norma do art. 102 do Decreto-Lei n. 37/1966.

A prescrição intercorrente está prevista no art. 1ª, §1º da Lei 9.873/1999 e implica a extinção da exigibilidade do crédito quando houver paralisação do processo por mais de três anos, em decorrência da inércia da autoridade competente para julgá-lo. Nos termos legais, se não houver julgamento propriamente ou despacho no processo administrativo por mais de três anos, incide a prescrição.

A problemática exsurge por causa do art. 5º da da Lei 9.873/1999, que estabelece que as mencionadas normas prescricionais não se aplicam “aos processos e procedimentos de natureza tributária”. Com base nesta disposição, foi editada a Súmula CARF nº 11, firmando o entendimento de que “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”.

Na esfera administrativa, muitos conselheiros do CARF têm utilizado tais fundamentos para afastar a incidência da prescrição intercorrente inclusive nos processos administrativos que discutem matéria de natureza distinta da tributária, destacadamente matérias de sanções aduaneiras.

Não obstante, para a ministra relatora do REsp nº 1.999.532/RJ, Regina Helena Costa, “as multas em questão possuem caráter estritamente administrativo, porquanto decorrentes de violação de regra sem pertinência direta com a fiscalização e a arrecadação do Imposto de Exportação, tributo cuja regular quitação é aferida em momento anterior à conclusão do desembaraço aduaneiro”. Como o recolhimento do Imposto de Exportação antecede a autorização de embarque das mercadorias, é possível concluir que eventual descumprimento de dever instrumental em momento posterior ao mencionado evento não detém índole tributária, porquanto não guarda relação imediata com a fiscalização ou arrecadação de tributos incidentes na operação de exportação previamente quitados, mas, sim, com o controle da saída de bens econômicos do território nacional.

Para o sócio sênior do CCBA, Filipe Piazzi, a decisão é acertada, visto que é patente a inaplicabilidade da Súmula nº 11 do CARF aos processos que discutem matéria aduaneira. Em suas palavras, “os fundamentos materiais e jurídicos que justificaram a edição dessa súmula não têm qualquer relação com infrações e sanções aduaneiras, de modo que aplicá-la a esses casos configura flagrante vício de motivação. Isso se depreende da própria natureza jurídica das sanções aduaneiras em comparação às sanções tributárias. As primeiras pressupõem infrações a deveres aduaneiros e são regidas pelo regime estabelecido na legislação aduaneira, cujo marco legal é, dentre outros, o DL 37/1966, não o Código Tributário Nacional. A única aproximação entre as sanções aduaneiras e as tributárias reside na competência administrativa, que é da RFB, e na regência pelo processo administrativo instituído pelo Decreto 70.235/72. Em tudo mais, há distinção”.

Ele complementa recordando que “discutiu essa temática, junto com o professor Paulo Coimbra, com destacada profundidade no capítulo “A Prescrição Intercorrente e as Multas Aduaneiras” do livro “Desafios, Ameaças e Oportunidades na Gestão Jurídica”, coordenado por ele e pela Dra. Fernanda Dixo, no âmbito da Aliança de Advocacia Empresarial (ALAE). Como destacamos na oportunidade, o tema é urgente e a mudança no posicionamento do CARF é necessária, em favor do princípio constitucional da eficiência e da limitação das potestades punitivas outorgadas à Administração Pública Federal. Assim, espera-se que a decisão do STJ seja observada, especialmente pelo Poder Judiciário, de forma a anular as multas aplicadas em desconformidade com o ordenamento jurídico.”

O Coimbra, Chaves e Batista encontra-se à disposição para esclarecimentos e assessoria.