Foi julgado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça o REsp 1.744.437/SP, em 14 de setembro de 2021. O caso gira em torno da recusa da Fazenda Nacional em aceitar como caução em execução fiscal uma apólice de seguro-garantia da contribuinte. A Lei nº 13.043/2014 havia alterado o art. 9º, II da Lei de Execuções Fiscais, quando incluiu esse tipo de seguro no rol de possíveis garantias à execução. Entretanto, no caso concreto, o pedido da contribuinte foi realizado antes do início da vigência da lei. A disputa girou em torno da possibilidade de se aplicar ou não o dispositivo e se a sua aplicação importaria ou não retroatividade da lei processual. Ao final, os ministros aceitaram parcialmente o pleito da contribuinte, por unanimidade. 

O caso chegou ao STJ após o TRF3 ter mantido a decisão da primeira instância no Agravo de Instrumento nos autos de n° 0018491-45.2014.4.03.0000. Nele, o juízo de primeiro grau havia indeferido, a pedido da Fazenda Nacional, o requerimento da contribuinte de oferecer como caução à execução uma apólice de seguro-garantia.  

Segundo a Justiça Federal, a Fazenda Pública não estaria obrigada a aceitar essa garantia. Utilizou a Súmula 406/STJ, segundo o qual “[a] Fazenda Pública pode recusar a substituição do bem penhorado por precatório”. Ademais, a fundamentação também levou em conta o Tema 578 do STJ, decidido em sede do REsp 1.337.790/PR, o qual concluiu que “em princípio, nos termos do art. 9°, III, da Lei 6.830/1980, cumpre ao executado nomear bens à penhora, observada a ordem legal. É dele o ônus de comprovar a imperiosa necessidade de afastá-la, e, para que essa providência seja adotada, mostra-se insuficiente a mera invocação genérica do art. 620 do CPC”. 

Subsidiariamente, o TRF3 deferiu a solicitação da Fazenda Nacional para interromper o pagamento do precatório conexo ao caso. Ocorre que esse mesmo precatório já estava em fase de pagamento, após 18 anos de litígio, haja vista a ação de conhecimento original ter sido movida entre o final dos anos 1990 e os anos 2000. 

A contribuinte sustentou tanto em Ação de Reclamação 35.147/SP quanto no Recurso Especial que os precedentes e a súmula não se aplicariam ao caso concreto. Afinal, não se trataria nem da possibilidade de a Fazenda poder recursar a substituição de bem na execução por precatório, tampouco de obediência a ordem legal para execução de bens na penhora. A questão central seria, na verdade, a possibilidade de oferecer uma apólice de seguro-garantia como garantia a execução. Em razão de a alteração do art. 9° da Lei 13.043/2016 ter sido posterior ao oferecimento do caução pela contribuinte, a disputa original passou a girar em torno de a aplicação da lei alterada ao caso configurar retroatividade. 

O recurso teve relatoria do Min. Herman Benjamin e foi à pauta do Tribunal pela primeira vez em agosto de 2018. O Ministro teria votado desfavoravelmente à contribuinte, por entender que seu pleito girava em torno de uma aplicação retroativa da Lei 13.043/2016 a acórdão proferido antes da sua vigência. Segundo o relator, isso representaria violação ao art. 14 do Código de Processo Civil, que postula pela aplicação imediata ex nunc das normas processuais. 

Por outro lado, o Min. Mauro Campbell abriu divergência ao relator. Segundo ele, a 1ª Turma já teria entendido, no REsp 1.534.606/MG, que a aplicação da lei a casos anteriores não implicaria em retroatividade e, por conseguinte, não violaria o art. 14 do CPC. No precedente citado, o Min. Humberto Martins havia manifestado que embora a jurisprudência antiga do STJ entendesse pela impossibilidade do oferecimento de seguro-garantia, tal posicionamento teria sido superado pela nova lei e seria aplicável até mesmo aos casos com acórdão já proferido, mas com julgamento pendente ainda em sede recursal. 

Em 2018, a Turma chegou a um empate, com 2 votos favoráveis e 2 votos contrários, haja vista a ausência da Min. Assusete Magalhães. O julgamento foi postergado para 2021. Além disso, o Min. Herman Benjamin, que havia proferido o voto contrário no primeiro julgamento, pediu vista para reanálise após a contribuinte ter alegado, em sua sustentação oral, a existência de decisão do próprio ministro (AREsp 1715666/SP) em que já teria autorizado a oferta de seguro-garantia em caução a processo de execução. 

Desse modo, no julgamento ocorrido ontem, dia 14/09/2021, o Min. Herman Benjamin reviu seu posicionamento, entendendo pela possibilidade de adoção da norma. Nesse sentido, prevaleceu o voto do Min. Mauro Campbell, o qual reconheceu não só aplicação da nova redação dada ao art. 9º, II da Lei de Execuções Fiscais, como a não caracterização de retroatividade no caso. Esse entendimento foi acompanhado pelos demais membros da turma.  

Segundo Janaína Diniz, sócia do CCA, a decisão demonstra que “os Ministros estão atentos à jurisprudência formada pelo próprio Tribunal e que a segurança jurídica e a coerência entre os precedentes da corte é argumento verdadeiramente relevante a influenciar as suas decisões, como não poderia deixar de ser”. Destacou que justamente por isso o julgamento é importante para contribuintes que não estejam em situação similar, pretendendo adotar o seguro-garantia como caução em período anterior ao da alteração normativa. “A possibilidade de ser oferecer seguro-garantia como caução à execução foi reconhecida por lei e a decisão do Tribunal apenas garante a sua devida aplicação aos processos que seguem em curso. A interpretação do STJ sobre a não configuração de retroatividade na aplicação de normas processuais após iniciado o litígio com certeza impactará a vigência de outros dispositivos legais.” Por fim, sinalizou também que “os seguros-garantias, instituídos pela Lei nº 11.382/2006, são uma modalidade interessante para os contribuintes que desejem mitigar riscos em contratos e processos judiciais, sendo que a mudança legislativa, bem como o posicionamento do STJ, servem para legitimar e estimular cada vez mais a sua utilização”.