A 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro proferiu sentença reconhecendo a inconstitucionalidade da Contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a importação de serviços, por via incidental de controle de constitucionalidade. O contribuinte havia impetrado mandado de segurança com pedido de liminar, visando a inexigência das referidas contribuições, com fundamento na inconstitucionalidade da parte final do inc. II do art. 7º da Lei 10.865/2005. A sentença é de maio deste ano.

No caso, o contribuinte contratava serviços de país estrangeiro, o que atraia a incidência da Contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins sobre os valores das contraprestações (e.g. pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa de valores) destinadas ao prestador de serviços residente ou domiciliado no exterior. No mandado de segurança foram apresentados três argumentos:

I) A Lei 10.865/2004, em seu art. 7º, inc. II, in fine, desconsiderou completamente a previsão do art. 149, § 2º, inc. III, “a”, da CRFB/88, que determina que o PIS/COFINS-Importação deve incidir sobre o “valor aduaneiro”. A Lei ampliou de modo inconstitucional o âmbito de incidência desses tributos para abranger o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, a título de contraprestação por serviço.

II) O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 559.937/RS, reconheceu que o texto original do inc. I, do art. 7º, da Lei 10.865/2004 violou o disposto no art. 149, § 2º, III, “a”, da CRFB/88, que prescreve que as contribuições sociais e as CIDEs com alíquotas ad valorem devem utilizar o valor aduaneiro como base de cálculo, no caso de importações. O texto original da Lei 10.865/2004 determinava o acréscimo do ICMS e das próprias contribuições na base de cálculo do PIS/Cofins-importação, o que foi declarado inconstitucional, em razão da impossibilidade de se enquadrar o ICMS e as próprias contribuições no conceito de “valor aduaneiro”. Por analogia, o mesmo entendimento deve ser aplicado ao caso do PIS/Cofins-importação incidente sobre serviços, os quais não são abrangidos pelo conceito de “valor aduaneiro”.

III) O art. 7º, inc. II, in fine, da Lei 10.865/2004 pretende majorar a base de cálculo da Contribuição ao PIS/Pasep-importação e da Cofins-Importação, por meio da exigência do acréscimo na base de cálculo desses tributos do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e das próprias contribuições.

Quanto à inclusão do ISSQN na base do PIS/Cofins-importação, o CCBA já tratou desse assunto aqui e informou que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) incluiu o pleito de exclusão do ISSQN da base de cálculo dessas contribuições na lista de dispensa de contestação e recursos da PGFN (Parecer SEI 4891/2022/ME), reconhecendo que tal exigência não deve ser realizada. O fundamento da não inclusão do ISSQN na base das contribuições é a jurisprudência pacífica do STF quanto à inconstitucionalidade do inc. II do art. 7º da Lei 10.865/2004, que determinava o acréscimo do imposto à base de cálculo dessas contribuições sociais. Essa jurisprudência, inclusive, aponta em sentido favorável à inconstitucionalidade do PIS/Cofins-importação sobre serviços.

O Juízo da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro concedeu a segurança por entender que o legislador constituinte utilizou termo técnico inequívoco ao prever que as contribuições sociais (e CIDEs) terão como base de cálculo o “valor aduaneiro”. Tal determinação constitucional circunscreveu a respectiva competência tributária a esse signo presuntivo de riqueza determinado, o que não pode ser alterado pelo legislador ordinário, tal como ocorreu no art. 7º, inc. II, in fine, da Lei 10.865/2004. Nessa linha, o Juiz Federal da 17ª Vara aplicou ao caso, por analogia, o entendimento do STF no julgamento do RE 559.337, com repercussão geral reconhecida, como defendido pelo impetrante.

Contudo, um dos excertos da sentença contradiz os fundamentos mencionados anteriormente. O Juiz Federal Eugênio Rosa de Araújo ressaltou que o valor aduaneiro se relaciona com a base de cálculo do Imposto de Importação, que incide sobre bens, segundo dispõe o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1994), porém afirmou que isso não constitui óbice à aplicação do valor aduaneiro à importação de serviços. Tal posicionamento, contudo, é contraditório em relação aos argumentos acatados pelo próprio julgador, como bem demonstra o prof. Onofre Alves Batista logo abaixo .

A Vara Federal também reconheceu o direito à restituição dos valores pagos indevidamente mediante compensação.

Trata-se do primeiro precedente identificado sobre a inconstitucionalidade da Contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins sobre a importação de serviços (Processo nº 5009377-66.2022.4.02.5101/RJ)

Nosso sócio nominal, Onofre Alves Batista Júnior, expressa seu contentamento com o posicionamento da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, o qual, ressalta, constitui precedente importante para os contribuintes no âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Porém, em suas palavras, “apesar de corroborarmos com o posicionamento do Juízo da 17ª Vara Federal quanto à aplicação por analogia do entendimento do Excelso Pretório, que ensejou o deferimento da segurança, é imperativo discordarmos do trecho da sentença que entende pela possibilidade de aplicação do valor aduaneiro à “importação” de serviços”.

“O artigo VII do GATT-1947 define que “o valor para fins alfandegários das mercadorias importadas deverá ser estabelecido sobre o valor real mercadoria importada à qual se aplica o direito ou de uma mercadoria similar, e não sobre o valor do produto de origem nacional ou sobre valores arbitrários ou fictícios”. A definição do “valor aduaneiro”, propriamente, veio expressa no art. 1.1 do Acordo de Valoração Aduaneira, sendo este o preço pago ou a pagar pelas mercadorias transacionadas no comércio exterior. Desse modo, o valor aduaneiro corresponde ao valor de transação de mercadorias, não de serviços”.

“O art. 110 do Código Tributário Nacional demarca o Direito Tributário como um ramo de superposição, pois estabelece que a lei tributária não pode alterar definição, conteúdo ou alcance de conceitos para estabelecer competências tributárias. Por essa razão, o conceito de “valor aduaneiro” não pode ser escachado para abranger a importação de serviços. Se isso fosse juridicamente válido, deturpar-se-ia qualquer segurança jurídica, em benefício somente do exasperar arrecadatório do Fisco. Por isso, compreender e considerar o conceito de “valor aduaneiro” como definido pelos tratados é fundamental, não somente para a manutenção da higidez do sistema tributário, mas também para que se cumpra efetivamente com os compromissos internacionais firmados pelo Brasil no GATT e no AVA”.