A 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do CARF decidiu de modo favorável ao contribuinte, ao corroborar a classificação das centrais multimídia de automóveis como equipamentos de radionavegação (GPS), e não como aparelhos de radiofusão, afastando, por conseguinte, a alíquota de 20% do Imposto de Importação (II) incidente sobre a operação de aquisição do exterior dessas mercadorias. Esse foi o entendimento da relatora, no que foi acompanhada pela maioria dos conselheiros.

Entre março de 2011 e julho de 2014, uma empresa importou diversas mercadorias descritas como “conjunto de unidade de radionavegação de veículos automóveis”, classificando-as como “aparelhos de radionavegação”, sob o código numérico 8526.91.00 da NCM/SH. A alíquota do II para esta nomenclatura era de 0%.

Diante disso, a Fiscalização lavrou auto de infração, em procedimento de revisão aduaneira, para exigir o crédito tributário no valor de mais de 40 milhões de reais a título de Imposto de Importação, PIS/Pasep-importação e Cofins-importação, além de outras multas, dentre as quais a multa decorrente do erro na classificação aduaneira da mercadoria. A RFB classificou a mercadoria em questão como “outros”, sob o código numérico 8527.21.90 da NCM/SH. A alíquota do II para esta nomenclatura, por outro lado, era de 20%, não mais 0%.

Em síntese, a classificação aduaneira de mercadorias é realizada de acordo com uma série de instrumentos legais, dentre os quais se destacam as seis Regras Gerais de Interpretação neste caso. A RGI nº 3 é aplicada na hipótese de a mercadoria aparentemente pode ser classificada em duas ou mais posições da NCM/SH. Nessas situações, a alínea “b” da RGI nº 3 privilegia a essencialidade da mercadoria, ao passo que a alínea “c” privilegia a posição maior, isto é, a maior descrição dentre as NCM possíveis.

Vale ressaltar que os aparelhos importados são multifuncionais, pois operam como navegador GPS, rádio FM/AM, leitor de CD, receptor de dispositivo USB, reprodutor de áudio via Bluetooth e visor da câmera de ré dos automóveis. Todas essas funções podem ser classificadas individualmente, segundo a NCM/SH. Sendo assim, o contribuinte aplicou a RGI nº 3, “b”, pois considerou que seria possível identificar a navegação como a função essencial (ou principal) do “conjunto de unidade de navegação”. Diversamente, a Fiscalização aplicou a RGI nº 3, “c”, por entender que o aparelho importado não teria uma função primordial.

Para dirimir esta controvérsia, o órgão colegiado do CARF realizou a confrontação entre Laudos Periciais e Pareceres Técnicos que buscavam identificar a função principal da mercadoria importada. O primeiro Laudo Pericial apresentado apontou que a central multimídia não teria função principal; laudo este que foi confrontado por um Parecer Técnico que considerou a navegação como a função principal da mercadoria. Diante disso, em diligência requisitada pelos conselheiros, novo Laudo Pericial foi realizado, o qual demonstrou que o aparelho de GPS (licença GPS), que integra o equipamento, é determinante na agregação de valor de todo o conjunto multimídia.

O CARF reconheceu como característica essencial da mercadoria importada a radionavegação (NCM), não a radiofusão (Posição 8526 da NCM), pois o item VIII da Nota Explicativa da RGI nº 3, “b”, determina que a característica essencial da mercadoria pode ser determinada pelo valor que cada parte que lhe agrega. Como demonstrado no último laudo pericial, o aparelho de GPS é determinante para a agregação de valor da mercadoria. Por isso, foi mantida a classificação realizada pelo contribuinte, à qual corresponde a alíquota de 0% do II, não mais de 20%.

Esse foi o entendimento proferido pela relatora, Conselheira Cynthia Elena de Campos, no que foi acompanhada pela maioria dos membros do colegiado, restando vencidos os Conselheiros Pedro Sousa Bispo e Maria Aparecida Martins de Paula. O caso foi julgado em sessão do dia 27/09.

Para nosso sócio nominal, Onofre Batista, este caso denota a complexidade da classificação aduaneira e o lugar fundamental que esta ocupa na intersecção entre o Direito Aduaneiro e o Direito Tributário. Em suas palavras, “a classificação aduaneira de mercadorias é uma operação jurídica, posto que demanda do ordenamento jurídico os instrumentos necessários à sua realização. Ao mesmo tempo, a classificação aduaneira se alimenta do mundo fático, a partir do qual se realiza a “regra zero” da classificação, qual seja, o necessário processo de conhecimento da mercadoria que se pretende classificar. A compreensão dessas duas esferas (fática e jurídica) é inarredável para que a individualização da mercadoria a partir da NCM/SH se realize e viabilize as políticas governamentais que dependem da classificação. Isto é perceptível no caso em análise, afinal, a imposição da alíquota de 20% a um dado tipo de mercadorias, ao passo que se zera a alíquota incidente sobre outro tipo, representa a busca pela consecução de determinadas políticas, que se realizam a partir da escorreita classificação aduaneira de mercadorias”.