Em 09/10/2023, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 590.186, leading case do Tema de Repercussão Geral nº 104. O recurso do contribuinte discute a constitucionalidade da incidência do IOF sobre as operações de crédito originadas de contrato de mútuo financeiro celebrado entre pessoas físicas e/ou jurídicas não pertencentes ao sistema financeiro nacional. O Tribunal, por unanimidade, fixou a tese de que é constitucional a incidência do IOF sobre operações de mútuo sem participação de instituições financeiras.

O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) encontra previsão no art. 153, inc. V, da Constituição da República de 1988. O dispositivo constitucional estabelece que compete à União Federal instituir impostos sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários. A norma de incidência do IOF está prevista nos arts. 63 a 67 do Código Tributário Nacional.

A controvérsia enfrentada pelo STF no Tema nº 104 decorre de recurso extraordinário interposto pelo contribuinte contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que entendera que a participação de instituição financeira no contrato de mútuo celebrado é irrelevante para a incidência do IOF sobre a operação. No caso concreto, os contratos de mútuo tinham sido firmados entre empresas do mesmo grupo econômico, sem qualquer participação de instituições financeiras.

Por isso, o STF examinou a constitucionalidade do art. 13 da Lei 9.779/99, que, segundo o contribuinte, ampliou a incidência do IOF para abarcar operações de crédito decorrente de contrato de mútuo de recursos financeiros celebrado entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, “segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras”. O IOF estaria incidindo sobre operações estranhas ao sistema financeiro nacional e, por conseguinte, alheias às delimitações constitucionais do tributo.

No recurso extraordinário, o contribuinte sustentou que a Lei 9.779/99, em seu art. 13, ampliou o aspecto subjetivo da norma de incidência do IOF. Por força desse dispositivo, o IOF estaria recaindo sobre transações efetuadas por pessoas jurídicas não pertencentes ao sistema financeiro, o que afrontaria a Constituição. Além disso, o contribuinte argumentou que o contrato de mútuo entre particulares não se confunde com a concessão de crédito. O mútuo, de acordo com os arts. 586 a 592 do Código Civil, é o empréstimo de coisa fungível em que o mutuário deve restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa da mesma espécie. Este contrato não se caracterizaria como operação de crédito sujeita ao IOF.

A Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT), na condição de amicus curiae, defendeu que o IOF é um instrumento de competência da União para o exercício da competência privativa de dispor sobre a política cambial e monetária, conforme o art. 22, incs. VI e VII, da Constituição. Desta forma, o alargamento da incidência sobre operações financeiras entre pessoas não caracterizadas como instituições financeiras extrapolaria a função regulatória do IOF, sendo inconstitucional.

No entanto, o Ministro Relator Cristiano Zanin, em seu voto, afirmou que no julgamento da ADI 1.763 a Suprema Corte já entendera que o âmbito constitucional de incidência do IOF seriam as operações de crédito, que não se restringem àquelas praticadas por instituições financeiras. Ademais, apesar de reconhecer a função regulatória do IOF, o Ministro entendeu que esta não é a função exclusiva do tributo. Nesse sentido, entendeu que o mútuo de recursos financeiros, mesmo quando realizado entre particulares, se enquadra no conceito de operação de crédito previsto no inc. V do art. 153 da Constituição.

Por tais razões, o Relator votou pela constitucionalidade da incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras, no que foi acompanhado pelos demais Ministros. A Ministra Rosa Weber não votou. A tese foi fixada nos seguintes termos: “é constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”.

Para o nosso sócio, Onofre Batista, “esta decisão do STF amplia demasiadamente o âmbito de incidência do IOF, vulnerabilizando a especificidade conceitual do inc. V do art. 153 da Constituição. A intepretação sistemática da Lei Maior demonstra que o IOF possui natureza eminentemente extrafiscal, o que se depreende da mitigação ao princípio da tipicidade prevista no art. 153, §1º e da exceção à anterioridade disposta no art. 150, §1º, todos da Constituição. Isto posto, ainda que todo tributo logicamente possua uma dimensão arrecadatória, há aqueles, como o IOF, que se justificam pelo carácter regulatório, extrafiscal. Portanto, é inconstitucional a incidência desse imposto sobre quaisquer operações não relacionadas às políticas de crédito, câmbio e seguro próprias à regulação do sistema financeiro nacional. Os contratos de mútuo celebrados entre pessoas jurídicas não financeiras não podem sofrer a incidência do imposto, pois não têm relação com essas políticas e não são abrangidos pela dimensão regulatória irrenunciável do IOF. O art. 13 da Lei 9.779/99, nesse sentido, fere o sentido do conceito de “operações de crédito” do art. 153, inc. V, da Constituição, o qual se refere àquelas realizadas por instituições integrantes do sistema financeiro nacional.”