Alice de Abreu e Paulo Coimbra, sócios do CCBA e embaixadores certificados do Instituto Capitalismo Consciente Brasil – ICCB (filial BH), produziram um texto em que exploram o “O Plano Consciente da Constituição Cidadã” abordando a compreensão do Direito como um necessário e sofisticado mecanismo de planejamento social e reconhecendo a Constituição brasileira como capitalista e consciente.

Leia abaixo:

 

O planejamento é característica própria e inerente ao ser humano. Faz parte da racionalidade humana a necessidade de planejar suas atividades, com a melhor previsibilidade possível, construindo expectativas baseadas em escolhas. As escolhas, num contexto de recursos limitados, são indesviáveis. E assim caminha a humanidade, com passos determinados pela qualidade e fidelidade aos seus ideais, também baseados em escolhas.

Muito além de uma atividade individual, o planejamento deve ser uma atividade coletiva. A vida em sociedade impõe a necessidade de opções em torno de profundas e numerosas questões de cunho moral que, não raro, exigem soluções complexas e estruturadas que não podem ser providas por meio do improviso, combinados espontâneos, alinhamentos eventuais ou consensos momentâneos. É necessário algo maior, institucional, estável e previsível, apto a viabilizar e organizar a convivência social.

A compreensão do Direito como um necessário e sofisticado mecanismo de planejamento social, extraída da obra de Scott J. Shapiro (Legality, 2011), professor de Direito e Filosofia na Universidade de Yale, proporciona uma visão diferente, interessante e útil do ordenamento jurídico. Partindo de um master plan, onde são definidas as bases (escolhas) para a gestão e capitalização da confiança outorgada aos diferentes atores públicos e privados, é construída a teoria da economia da confiança, na qual cada stakeholder tem liberdade para atuar, desde que o faça de acordo e com coerência às escolhas institucionalmente feitas. As escolhas institucionais e compulsórias, nos regimes democráticos, são estabelecidas pela Constituição ou na forma e nos termos por ela estabelecidos.

A Constituição de 1988 não se omitiu na definição das bases fundantes de nossa sociedade. Pelo contrário, fez as escolhas necessárias estabelecendo ideais a serem perseguidos, não se descurando da instrumentalização para sua busca. Alguns aspectos desse importante planejamento constitucional merecem atenção.

Por mais polêmico que possa soar, não se pode negar que a Constituição brasileira, além de cidadã, é uma Constituição capitalista. Em nosso master plan foi feita a escolha por um sistema de produção lastreado na propriedade privada, na liberdade de iniciativa e na livre concorrência, admitindo-se a regulação estatal e sua atuação em hipóteses restritas. Com efeito, o direito de propriedade – embora não absoluto – foi reconhecido como direito fundamental, a liberdade de iniciativa foi esculpida como fundamento de nossa República e da ordem econômica nacional, a propriedade privada e a livre concorrência estabelecidas como princípios da economia. A geração de riquezas, mediante livre iniciativa, emprego do capital, do trabalho e associação de ambos é confiada aos particulares, sendo admitida a exploração de atividades econômicas pelo Estado apenas quando necessárias para segurança nacional ou relevante interesse coletivo.

Mas tão ou mais importante do que reconhecer tratar-se de uma Constituição capitalista, é reconhecê-la como uma Constituição consciente: não foi adotado um modelo liberal de capitalismo predatório, mas sim uma versão mais evoluída e lapidada, consciente e humanista, que não se coaduna e nem admite a exploração de trabalhadores ou de consumidores, incremento de desigualdades, busca exclusiva do lucro, propriedades improdutivas, danos ambientais e demais externalidades negativas dos negócios. Pelo contrário! Na Constituição encontramos um plano consciente, estruturalmente fundado na dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho, na valorização do trabalho humano e na justiça social com a definição de direitos sociais, que tem por objetivos claros a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, a redução de desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos. De forma bastante consciente e coerente, o legislador constituinte condiciona o direito de propriedade ao cumprimento de sua função social, definindo como princípios basilares da economia nacional a defesa do consumidor, a proteção do meio ambiente e a busca do pleno emprego.

Em diversas de suas escolhas, podemos nos orgulhar de uma Constituição cidadã, consciente e pioneira, porquanto esteve na vanguarda: diversos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que, décadas mais tarde, viriam direcionar a pauta da humanidade e definir a agenda de agentes públicos e privados em todo o planeta, já constavam de seu texto original. E para atingi-los, nossa Constituição traçou um plano consciente, optando pela conciliação entre capitalismo e justiça social. O direito de propriedade deve ser exercido com responsabilidade social, os recursos naturais, humanos e financeiros devem ser utilizados de forma consciente, com atenção a todos os stakeholders envolvidos, gerando benefícios coletivos com a observância das leis vigentes. Esse é o plano constitucionalmente posto: a construção de uma sociedade mais justa e solidária, através de um capitalismo consciente e humanista. Cabe a todos nós, em cada ato e ação, concretizá-lo.

Fonte: www.diariodocomercio.com.br