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Em 22 de março de 2023, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu que não há incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre adiantamento para futuro aumento de capital (AFAC). No caso concreto, os conselheiros entenderam que não há que se falar em fato gerador desse imposto, uma vez que foi comprovado que os recursos financeiros foram efetivamente revertidos no aumento de capital da pessoa jurídica. Trata-se do processo de nº 19515.720054/2019-31.

O AFAC é um instrumento comumente utilizado em operações societárias. O seu objetivo é antecipar recursos financeiros à pessoa jurídica, os quais serão utilizados futuramente para o aumento de capital. Apesar se tratar de um contrato atípico, o seu resultado é uma operação societária de aumento de capital, regulamentada pela Lei nº 6.404/1976 (arts. 167 e 168) e pelo  Código Civil (art. 1.081).

No presente caso, em que pese a pessoa jurídica ter classificado suas operações de aporte como AFAC, a Receita Federal do Brasil (RFB) entendeu que, na verdade, se tratava de operações de mútuo, sobre as quais deveria incidir o IOF. Para justificar a desconsideração dos negócios jurídicos realizados pela pessoa jurídica, a RFB sustentou que: (i) não havia instrumento formal com cláusula de irreversibilidade; (ii) as operações eram recorrentes; e que (iii) o prazo para o aumento de capital era bastante longo, superando mais de 120 dias contados do encerramento do período base da sociedade tomadora dos recursos.

O contribuinte, por sua vez, alegou que o AFAC não possui regramento próprio na legislação brasileira que exija a observância dos requisitos impostos pela RFB, sendo incorreto o enquadramento da operação como mútuo. Isso porque o mútuo é um contrato típico previsto no Código Civil, que envolve empréstimo de coisas fungíveis, devendo o mutuário restituir os bens ao mutuante em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Ademais, o contribuinte sustentou que para a comprovação de que a operação se trata de AFAC basta a realização do aumento de capital posterior, prescindindo, portanto, de outros requisitos formais exigidos pela RFB.

No entendimento da relatora, conselheira Semíramis de Oliveira Duro, o aporte de recursos oriundos da AFAC tem como destinação específica o aumento de capital. Não se trata, portanto, de operação de mútuo. Segundo a relatora, para que haja a incidência do IOF “importa verificar tão somente se estão presentes, no caso concreto, as características essenciais do mútuo, sendo irrelevantes aspectos formais mediante os quais a operação se materializa”. Ela concluiu que inexiste na legislação forma prescrita para a celebração do AFAC ou a imposição de prazo para a capitalização dos aportes financeiros e que tampouco a recorrência desses aportes é suficiente para caracterizar tais operações como se mútuo fossem. Além disso, no caso concreto, foi devidamente comprovado por meio dos registros contábeis que os recursos financeiros tiveram como destinação o aumento de capital.

Para a nossa sócia, Alice de Abreu Lima Jorge, “a decisão do colegiado foi acertada. Conforme previsto na legislação tributária, o IOF tem como hipótese de incidência, entre outras, as operações de crédito realizadas entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física. Trata-se de operações de mútuo, cujos recursos serão devolvidos posteriormente ao mutuante pelo mutuário. No AFAC, ao contrário, não há devolução desses recursos. A finalidade desse instrumento, bastante utilizado nas operações societárias, é a realização de um futuro aumento de capital. Nesse sentido, essa operação não está abrangida pela hipótese de incidência do IOF. Portanto, o entendimento da RFB sobre a incidência desse imposto sobre operações societárias envolvendo AFAC é flagrantemente equivocado e viola o princípio da legalidade estrita em matéria tributária. Além disso, não cabe à RFB criar requisitos não previstos em lei para caracterizar determinada operação como sendo mútuo ou AFAC.”