No dia 02/01, foi publicado mais um acórdão do CARF reconhecendo a não aplicação da prescrição intercorrente aos processos administrativos que tratam de multas aduaneiras. O acórdão foi proferido pela 3ª Turma Extraordinária da 3ª Seção de Julgamento, que, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso voluntário da empresa.

A controvérsia examinada pelos conselheiros se originou com a lavratura de um auto de infração, que aplicou multa regulamentar no valor de 5 mil reais à uma empresa que realiza serviços de agenciamento marítimo. A justificativa para a sanção foi a omissão da empresa na prestação de informações aduaneiras. No relatório do auto de infração consta que a empresa apresentou intempestivamente, no Siscomex, as informações relativas à desconsolidação de carga, descumprindo, assim, o prazo de 48 horas anteriores à chegada da embarcação no porto de destino. Essa multa está prevista no art. 107, inc. IV, “e”, do Decreto-Lei 37/1966 e o referido prazo, no inc. III do art. 22 da Instrução Normativa RFB 800/2007.

A empresa de agenciamento apresentou impugnação administrativa ao auto de infração, porém, a 4ª Turma da Delegacia Regional de Julgamento do Rio de Janeiro julgou-a improcedente. Por conseguinte, a empresa levou a controvérsia ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, por intermédio de um recurso voluntário, no qual alegou i) a sua ilegitimidade passiva; ii) a atipicidade da sua conduta; e iii) a incidência da prescrição intercorrente no processo administrativo, o que é objeto desta notícia.

A prescrição intercorrente está prevista no art. 1ª, §1º da Lei 9.873/1999 e implica a extinção da exigibilidade do crédito quando houver paralização do processo por mais de três anos, em decorrência da inércia da autoridade competente para julgá-lo. Nos termos legais, se não houver julgamento propriamente ou despacho no processo administrativo por mais de três anos, incide a prescrição. A problemática exsurge por causa do art. 5º da da Lei 9.873/1999, que estabelece que as mencionadas normas prescricionais não se aplicam “aos processos e procedimentos de natureza tributária”. Com base nesta disposição, foi editada a Súmula CARF nº 11, firmando “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”.

Muitos conselheiros têm utilizado os fundamentos do parágrafo anterior para afastar a incidência da prescrição intercorrente inclusive nos processos administrativos que discutem matéria de natureza distinta da tributária, destacadamente matérias de sanções aduaneiras. É o que se extrai dos fundamentos do Acórdão 3003-002.208 proferido pelo relator Müller Nonato Cavalcanti Silva, sendo acompanhado pelos conselheiros Marcos Antônio Borges, Lara Moura Franco Eduardo e Ricardo Piza Di Giovanni da 3ª Turma Extraordinária da 3ª Seção de Julgamento do CARF.

Nosso sócio sênior, Filipe Piazzi, afirma que esse posicionamento do CARF não pode continuar prosperando, inclusive pela impossibilidade jurídica de aplicação da Súmula nº 11 aos processos que discutem matéria aduaneira. Em suas palavras, “os fundamentos materiais e jurídicos que justificaram a edição dessa súmula não têm qualquer relação com infrações e sanções aduaneiras, de modo que aplicá-la a esses casos configura flagrante vício de motivação. Isso se depreende da própria natureza jurídica das sanções aduaneiras em comparação às sanções tributárias. As primeiras pressupõem infrações a deveres aduaneiros e são regidas pelo regime estabelecido na legislação aduaneira, cujo marco legal é, dentre outros, o DL 37/1966, não o Código Tributário Nacional.

“A única aproximação entre as sanções aduaneiras e as tributárias reside na competência administrativa, que é da RFB, e na regência pelo processo administrativo instituído pelo Decreto 70.235/72. Em tudo mais, há distinção.

“Por fim, vale destacar que eu e o professor Paulo Coimbra discutimos essa temática com destacada profundidade no capítulo “A Prescrição Intercorrente e as Multas Aduaneiras” do livro “Desafios, Ameaças e Oportunidades na Gestão Jurídica”, coordenado por ele e pela Dra. Fernanda Dixo, no âmbito da Aliança de Advocacia Empresarial (ALAE). Como destacamos na oportunidade, o tema é urgente e a mudança no posicionamento do CARF é necessária, em favor do princípio constitucional da eficiência e da limitação das potestades punitivas outorgadas à Administração Pública Federal.”