Em 29/09/2023, foi sancionada a Lei n° 24.471/23, que reestabelece o adicional de 2% da alíquota do ICMS para o financiamento das ações sociais do Fundo de Erradicação da Miséria (FEM) e do Fundo Estadual de Assistência Social (Feas) em Minas Gerais. O adicional será exigido a partir do dia 01/01/2024 e terá vigência até o dia 31/12/2026, incidindo sobre o rol de produtos considerados supérfluos constante no art. 12-A da Lei 6.763/75, tais como cervejas, cigarros, armas e refrigerantes.

Os Fundos Estaduais de Combate à Pobreza e suas variações são uma previsão constitucional que advêm do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Este dispositivo dispõe que, para o financiamento de tais fundos, poderá ser instituído um adicional de até dois porcento (2%) na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre produtos e serviços considerados supérfluos.

Recorde-se que o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que os adicionais do ICMS instituídos pelos Estados e pelo Distrito Federal destinados aos Fundos de Combate à Pobreza estão de acordo com as diretrizes constitucionais. Tal entendimento se mostra em consonância com o art. 3º, inc. III, da Constituição Federal, que prevê o objetivo fundamental da República de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Em Minas Gerais, o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM) foi criado pela Lei n° 19.990/2011 com o objetivo de custear programas e ações sociais de erradicação da pobreza e da extrema pobreza. Os beneficiários do FEM incluem municípios, órgãos e entidades da administração pública estadual e municipal, que podem utilizar os recursos para implementar tais programas e ações sociais. O art. 2° dessa lei dispõe sobre a origem dos recursos do FEM e prevê, dentre outras fontes de arrecadação, aquela resultante do adicional de até 2% do ICMS prevista no  ADCT da Constituição Federal.

O adicional de 2% do ICMS previsto na Lei Estadual 6.763/75 tinha perdido sua vigência em 31/12/2023, por força do art. 2º do Decreto nº 46.927/2015, conforme consta no Comunicado da Superintendência da Tributação (Sutri) n° 01/23. Agora, por força da recente Lei 24.471/23, a vigência do adicional será reestabelecida a partir do dia 01/01/2024. A alíquota acrescida de 2% incidirá sobre as operações internas que tenham como destinatário consumidor final, contribuinte ou não do imposto, das seguintes mercadorias:

  • cervejas sem álcool e bebidas alcoólicas, exceto aguardentes de cana ou de melaço;
  • cigarros, exceto os embalados em maço, e produtos de tabacaria;
  • armas;
  • refrigerantes, bebidas isotônicas e bebidas energéticas;
  • perfumes, águas-de-colônia, cosméticos e produtos de toucador, exceto xampus, preparados antissolares, sabões de toucador de uso pessoal, preparações para higiene bucal ou dentária e fios dentais;
  • alimentos para atletas;
  • telefones celulares e smartphones;
  • câmeras fotográficas ou de filmagem e suas partes ou acessórios;
  • equipamentos para pesca esportiva, exceto os de segurança;
  • equipamentos de som ou de vídeo para uso automotivo, inclusive alto-falantes, amplificadores e transformadores.

A maior parte dos recursos arrecadados com o adicional de 2% será alocada para financiar o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM), com foco especial no financiamento do Piso Mineiro de Assistência Social. Além disso, uma parcela mínima de 15% dos recursos provenientes do adicional será direcionada ao Fundo Estadual de Assistência Social (Feas), podendo ser incrementada para 20%, em 2025, e para 25%, em 2026. O Feas, instituído pela Lei Estadual nº 12.227/1996 em Minas Gerais, tem como objetivo garantir e administrar os recursos financeiros destinados às ações de assistência social realizadas pelo Estado mineiro.

O  Projeto de Lei (PL) 1.295/23, de iniciativa do governador do Estado, foi aprovado pelo Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 28/09/2023. A proposta original incluía rações para animais domésticos e produtos de toucador utilizados para a higiene bucal na lista de supérfluos, mas essas mercadorias foram retiradas da lista antes da sanção.

Para o nosso sócio, Paulo Coimbra, “a EC 31/2000 introduziu alterações significativas ao criar fundos de erradicação da miséria financiados com a receita de impostos. Essa alteração impacta a natureza dos impostos, que passam a se assemelhar às contribuições especiais. Afinal, a principal diferença entre essas duas espécies tributárias reside na destinação da receita arrecadada. Enquanto a receita dos impostos, em regra, não pode ser vinculada a órgãos, fundos ou despesas específicas, as contribuições especiais são essencialmente finalísticas e sua receita deve ser alocada para propósitos definidos, tais como o financiamento da seguridade social. Paralelamente, a constante relativização dessas distinções entre impostos e contribuições pelo legislador e pelo Supremo Tribunal Federal tem gerado distorções no sistema constitucional tributário.

Além disso, o legislador constituinte agiu de maneira apropriada ao limitar o adicional do ICMS a 2% sobre produtos supérfluos, muitos dos quais prejudiciais à saúde dos consumidores. Nota-se, nesse aspecto, uma semelhança entre o adicional do ICMS reinstituído em Minas Gerais pela Lei Estadual 6.763/75 e o Imposto Seletivo Federal (IS), conhecido como “sin tax,” proposto na PEC 45/2019 da Reforma Tributária atualmente em discussão no Senado. O IS da Reforma, tal como o adicional do ICMS em MG, também incidirá sobre a comercialização de bebidas alcoólicas e cigarros. Nesse sentido, é louvável a atuação da ALMG que promoveu a exclusão dos produtos de higiene bucal e rações para animais domésticos da lista de produtos supérfluos sujeitos ao adicional”.