Logo à partida, assinalamos que é fato que a simples menção do termo “Poder de Polícia”, em especial em países que sofreram com regimes de força e opressão, desperta, em uma primeira corrida de vistas, um certo sentimento de repulsa e até, por que não, de medo.

Em verdade, entretanto, a mera observação da atual realidade das democracias ocidentais nos alerta que, embora despertando queixas e críticas, o ser humano, em sua necessária vida em comunidade, não foi capaz, se é que isto é possível, de apresentar uma solução que transpusesse a representada pela existência do Estado.

Assim, a menos que desconsideremos qualquer possibilidade de existência de conflitos de interesse, ou mesmo que aceitemos um padrão de altruísmo, solidariedade e educação humana, de nível tão elevado e perfeito, e mais, sem indivíduos que representem exceções, não poderemos abolir do mundo a existência de um “sistema estatal” com algum “poder de coerção”.

Desta forma, aceitando e partindo da necessária existência do Estado, somos conduzidos a acreditar que, para que se possa assegurar o próprio exercício de direitos por parte dos indivíduos, torna-se necessário uma atuação, que podemos dizer – “agressiva”, por parte desse mesmo Estado.

Tomemos, porém, Poder de Polícia, com um conteúdo diverso daquele de outrora: como um “poder” traçado e configurado pelo moderno Estado Democrático de Direito; lastreado e fundamentado na Constituição; com amarras bem definidas, e vinculado absoluta ou tendencialmente por normas trazidas da própria comunidade; estritamente afinado com a busca do bem comum.

Neste contexto, dentro desta linha de idéias, não podemos nos esquecer que o atual Estado Social de Direito, nas modernas democracias, optou por ser um Estado Tributário, ou seja, um Estado não patrimonial, não proprietário dos meios de produção, e desta forma, dentro desse traçado que conjuga tons liberais e cores sociais, torna-se necessário “tributar”.

Esta é a opção mais acertada de um Estado Social Tributário de Direito, que não é o senhor dos bens, que obtêm receitas derivadas e não originárias. É a alternativa plausível para uma democracia, como a brasileira, que privilegia e adota como valores e fundamentos constitucionais, a livre iniciativa, a iniciativa privada, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, mas que crava, ainda, como objetivos fundamentais da República, a edificação de uma sociedade livre, justa e solidária, e, sobretudo, que almeja erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Nessa traçado, que identifica o plano constituinte de estabelecer um Estado Social Tributário de Direito, a Carta Federal vigente estrutura um Sistema Tributário pormenorizado e desenha uma Ordem Social, que tem como primado, o trabalho e, como objetivo, o bem-estar e a justiça social.

Nesse feixe de valores e de objetivos, em que sobressai a liberdade e a justiça social, firma-se a necessidade de um poder limitador, devidamente delineado, cuidadosamente delimitado.

Esse binômio liberdade-igualdade, para ser assegurado, sobretudo após o impacto da “Globalização”, passou a exigir uma eficaz atuação do Estado, em especial diante do porte e dimensão dos mega agentes econômicos, e de seu potencial poder agressor aos interesses da sociedade, quer através da eliminação da concorrência, quer no cometimento de abusos, quer afinal, na própria modelagem da maneira de viver no planeta.

A Globalização, em que pese os seus incontestáveis benefícios, trás sensíveis riscos, com a crescente “mundialização”, através de empresas transnacionais e multinacionais, de caráter universal, que acabam por exigir do Estado uma potencialidade de atuação mais ativa.

Nessa direção já se manifestou IVES GANDRA, que afirma que a globalização trouxe benefícios ao mercado internacional, entretanto, vem, a reboque, trazendo uma subversão, com a reintrodução do capitalismo selvagem sob a forma de investimentos de caráter puramente especulativo.

O que assentamos é o fato de que, neste contexto, que deve manter aceso o desiderato de assegurar a dignidade da pessoa humana e a Justiça Social, aumenta a responsabilidade dos Estados, que se transformam, assim, na única entidade maior capaz de fazer frente a possíveis abusos e ameaças, e a única em condições de se colocar ao lado do bem comum, em contraposição a possíveis interesses econômicos mais egoístas dos mais novos poderosos.

Antes de mais nada, cumpre ressaltar, com toda a serenidade, que é necessário reconhecer que seria por demais ingênuo acreditar que o “automático equilíbrio dos egoísmos”, deixando o complexo e agressivo jogo econômico inteiramente entregue aos dados de mercado, pudesse zelar pelo mito da felicidade humana e do bem estar social. Mais do que isso, nos insurgirmos em afirmar que este complexo jogo, ao contrário, poderia sim, fazer utópica a fundamental necessidade de se assegurar a dignidade da pessoa humana.

Nesse momento, é fundamental destacarmos que não se pode confundir a “dignidade da pessoa humana”, ou mesmo a “liberdade individual”, fundamentos maiores de nosso sistema jurídico, com a “garantia de lucros abusivos”, ou “liberdade de exploração capitalista desmedida”. Não se confunde a “dignidade da pessoa humana” ou a “liberdade individual”, com a necessidade de neutralidade e passividade do Estado, mas ao contrário, a garantia da “dignidade da pessoa humana“ passa pela necessária garantia de saúde, educação, emprego, cultura, lazer, que devem ser promovidas, garantidas, ou mesmo prestadas, se for o caso, pelo Estado.

Em verdade, os mais festivos rótulos liberais que pretendem afastar qualquer controle ou intervenção estatal, dão azo apenas à garantia de interesses egoístas, que se escondem na proposta liberal, com promessas nunca factíveis de assegurar o bem comum através do bem do capital, em um “engodo” que se revela, no dia a dia, uma farsa.

Não podemos nos esquecer, por outra volta, que o próprio Poder de Polícia já foi o instrumento de dominação e opressão usado pelos príncipes, em uma outra antiga “farsa” de opressão, sem precedentes, que apenas tinha por traz, outros personagens.

Entretanto, com o devido cuidado, cientes da evolução que o termo experimentou, em especial no século XX, retornamos a colocar em seu âmbito, com barreiras e limites muito mais densos e delineados, a questão tributário-fiscal, em sintonia com a mais moderna doutrina administrativista, e passamos a avaliar o fenômeno da Tributação, bem como as necessárias atividades de Fiscalização, dentro dessa ótica, mais adequada ao moderno desenho de Estado Democrático de Direito.

É forçoso ver e rever que, embora combatida pelos mais altos interesses transnacionais do poder econômico, é através da tributação justa e equânime que pode o Governo atuar em prol do bem comum. Exatamente nesse contexto, de exacerbada globalização, onde ressuscitam alguns antigos ideais liberais, é que a atuação do Poder de Polícia Fiscal se faz necessária, tanto como mecanismo de garantia da Justiça Social, como contraface da prestação do bem comum.

Nas breves linhas do presente estudo, alertamos que escapa às nossa pretensões delimitar ou aprofundar os estudos acerca dos limites do Poder de Polícia, em seus vários casos ou situações, o que deixamos para outra oportunidade.

Como poderemos verificar, o estudo do Poder de Polícia no Direito Fiscal, dentre outras dificuldades, esbarra em dois grandes grupos de desafios: um primeiro que seria o da caracterização desse Poder e um segundo que seria o necessário e conveniente estudo de seus limites.

 

O presente trabalho focou suas atenções nesse primeiro grupo de desafios, necessário para que bem se possa estudar o segundo, sem qualquer pretensão de esgotá-lo, mas com o intuito de dar uma contribuição para sua compreensão.

Em outra nota, cumpre assentar que, se em nações mais desenvolvidas, o traçado de suas estratégias e sistemas se dá através da análise de suas próprias experiências, no Brasil, jovem e em desenvolvimento, é comum se buscar os ensinamentos das escolas estrangeiras.

Entretanto, é importante se ter em conta o alerta de REALE 4, que reproduzimos: “Parece, em suma, que somente nos consideramos cultos na medida em que somos eruditos, ou, por melhor dizer, na medida em que provamos nossos conhecimentos a respeito das idéias dominantes nos grandes centros culturais de nossa predileção”.

É verdade. É necessário afastarmos a medição de qualquer trabalho, iniciativa ou idéia, pelo grau com que esta se aproxima do pensamento desenvolvido no grande centro X ou Y. É fundamental o abandono das avaliações que desprezam qualquer iniciativa, se esta não se amparou firmemente em doutrinas tidas como mais evoluídas. É preciso fugir do “provincianismo” que assola o Brasil.

Nesse compasso, com o devido equilíbrio, tentamos vencer o desafio de tratar o tema, centrado na realidade brasileira, mas com vistas postas nos trabalhos e desenvolvimentos estrangeiros, mas com o cuidado e o respeito que o sistema jurídico e a doutrina brasileira conquistaram, bem como prestando a devida atenção às peculiaridades de nossa realidade.

É claro que o erro não é o único caminho que conduz ao acerto. A avaliação crítica da experiência e da doutrina estrangeira pode nos levar a economizar enganos, encurtando o caminho rumo ao acerto. Não é necessário a queda brutal e repleta de percalços e danos, para que se aprenda a caminhar, mas ao contrário, o amparo nos trabalhos de sábios doutrinadores, como os que temos em quantidade em diversos países, pode nos possibilitar uma avaliação mais isenta, mais imune aos nossos próprios limites e inclinações, mais ampla e aberta.

Assim, acreditamos firmemente que o aprendizado e a análise, acompanhada e orientada pelos mais dignos e notáveis doutrinadores lusos, possam nos levar à fuga de certos modelos ou caminhos viciados, possibilitando o arejamento do estudo, com novas possibilidades, experiências e realidades.

Isto posto, podemos identificar no presente trabalho duas partes distintas e complementares: uma primeira que analisa o próprio “Poder de Polícia”, caracterizando-o, verificando suas amarras e contornos, apurando a sua evolução; e uma segunda, onde o Poder de Polícia é identificado na seara tributária e fiscal – Poder de Polícia no Direito Fiscal, e, à luz da moderna doutrina administrativista, nacional e estrangeira, analisa os seus aspectos, formas, meios, manifestações, etc..

 

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