No dia 29 de dezembro de 2022 foi publicada, no Diário Oficial da União (DOU), a Medida Provisória (MP) n. 1.152/2022, que reforma a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com alterações nas regras de preços de transferência. A eficácia da MP é condicionada à sua conversão em lei no prazo de 60 dias, prorrogáveis uma vez por igual período, nos termos do art. 62, §3º, da CRFB/88.

Entre as novidades, a MP estabelece que o princípio Arm’s Length deverá ser observado na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil que realizem transações controladas com partes relacionadas no exterior. Dessa maneira, de acordo com o seu art. 2º, “[…] os termos e as condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis”.

Segundo o art. 3º da MP, a transação controlada compreende toda a relação comercial ou financeira entre duas ou mais partes relacionadas. Desse modo, as novas regras serão aplicáveis a todas e quaisquer relações comerciais e financeiras entre partes relacionadas, que, para esse fim, serão consideradas vinculadas quando pelo menos uma delas estiver sujeita à influência por outra parte, seja direta ou indiretamente, e que possa, consequentemente, influir nos preços das operações praticadas.

Ademais, cabe destacar que, nos termos do art. 5º da referida MP, são consideradas transações comparáveis aquelas realizadas por partes não relacionadas quando: i) não houver diferenças que possam afetar materialmente os indicadores financeiros examinados pelo método mais apropriado de que trata o art. 11; ou ii) puderem ser efetuados ajustes para eliminar os efeitos materiais das diferenças, caso existentes.

Para fins de verificar se os termos e condições estabelecidos na transação controlada estão de acordo com o princípio Arm’s Length, a MP determina que deve ser realizado o delineamento da transação controlada e a análise de sua comparabilidade.

Assim, o art. 7º estabelece que o delineamento será realizado com fundamento na análise dos fatos e das circunstâncias da transação, bem como das evidências da conduta efetiva das partes, devendo ser considerados os termos contratuais, as funções desempenhadas pelas partes, os ativos utilizados, os riscos economicamente assumidos, as características dos bens, direitos ou serviços objetos da transação, as circunstâncias econômicas das partes e do mercado em que operam, bem como as estratégias de negócios, sem prejuízo de outras características economicamente relevantes. Outro fator relevante é que a transação controlada poderá ser desconsiderada ou substituída por uma alternativa, quando se concluir que as partes não relacionadas não a teriam realizado, conforme delineado.

Por sua vez, a análise de comparabilidade (art. 9º) tem como objetivo comparar os termos e as condições da transação controlada com os termos e condições que seriam acordados com partes não relacionadas. Para tanto, também deverão ser consideradas as características economicamente relevantes das transações, a data em que foram realizadas, a disponibilidade de informações das transações entre partes não relacionadas, o método mais apropriado, as incertezas na precificação ou na avaliação no momento da transação controlada, assim como a relevância dos efeitos de sinergia de grupo.

Em geral, a MP estabelece a aplicação do princípio do Arm’s Length, especialmente aos serviços intragrupo (art. 24), aos contratos de compartilhamento de custos (art. 26), reestruturação de negócios (art. 27) e operações financeiras (art. 28). A baliza a ser aplicada é de que, nas operações entre partes relacionadas, as condições sejam firmadas como se fossem entre partes não relacionadas. A título exemplificativo, no caso dos serviços intragrupo, que envolva prestação de serviços entre partes relacionadas que resultem em benefícios, o benefício é identificado quando “proporcionar expectativa razoável de valor econômico ou comercial”, conforme previsto no art. 24, §2º. Ademais, nesse particular, deve configurar uma situação em que “partes não relacionadas em circunstâncias comparáveis estariam dispostas a pagar pela atividade ou realizá-la por conta própria”, com o fito de manter ou melhorar sua posição comercial.

Outrossim, vale destacar que, no caso dos contratos de compartilhamento de custos, são considerados participantes aqueles que exercem controle sobre os riscos economicamente significativos e, ao mesmo tempo, detém capacidade financeira para assumi-los, razão pela qual possuem a razoável expectativa de serem beneficiados. Tais contratos são entendidos como aqueles em que partes relacionadas dividem os ônus “relativos à aquisição, à produção ou ao desenvolvimento conjunto de serviços, intangíveis ou de ativos tangíveis com base na proporção dos benefícios que cada parte espera obter no contrato”.

No que tange às operações financeiras, a MP prevê que, para definição se a transação será delimitada como operação de capital ou de dívida, serão consideradas as circunstâncias fáticas possíveis, as características da transação dotadas de relevância econômica, bem como as expectativas das partes. No caso de despesas e juros relativos à operação de capital, não será possível a dedução do lucro real, para fins de cálculo do IRPJ e da CSLL.

As novas regras estabelecidas pela MP serão obrigatórias a partir de 2024. Além de serem destinadas às operações praticadas entre partes relacionadas, as regras aplicam-se também às transações efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil com qualquer entidade residente ou domiciliada no exterior que seja beneficiária de regime fiscal privilegiado, inclusive na hipótese de parte não relacionada. É considerado como regime fiscal privilegiado aquele que, dentre outras características, contar com alíquota máxima inferior a 17% para tributação da renda.

Quanto aos valores despendidos com royalties, o art. 47 da MP revogou, a partir de 2024, o art. 74 da Lei nº 3.470/1958, que prevê o limite de 5% para a dedução de tais valores. Caso o contribuinte escolha pela aplicação das normas em 2023, não poderá aplicar a dedução no referido ano, em razão da vedação prevista no art. 45.

A nova MP admite cinco principais métodos de determinação de indicadores financeiros, que incluem preços, margens de lucro, índices, divisão de lucros entre as partes ou outros dados considerados relevantes. São estes os métodos especificados pelo art. 11: I – Preço Independente Comparável – PIC; II – Preço de Revenda menos Lucro – PRL; III – Custo mais Lucro – MCL; IV – Margem Líquida da Transação – MLT; V – Divisão do Lucro – MDL; e VI – outros métodos, desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas. O método mais apropriado é considerado como aquele que fornece a determinação mais confiável dos termos e das condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação comparável.

Em relação às transações envolvendo commodities, a nova MP indica que, em regra, deverá ser aplicado o método PIC, em substituição aos antigos métodos PCI e PECEX previstos pela legislação pregressa.

Nosso sócio nominal, Onofre Alves Batista Júnior, afirma que “as alterações introduzidas pela MP n. 1.152/2022 alinham-se aos padrões internacionais estabelecidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), prestigiando, sobretudo, o princípio da plena concorrência”. Ele observa, ainda, que “as novas regras poderão ser aplicadas já em 2023, a partir do dia 1º de janeiro, porém deverão ser consideradas com cautela pelo contribuinte, visto que essa opção é irretratável. Ademais, alguns dispositivos serão objeto de regulamentação por Instrução Normativa da Receita Federal, o que não descarta a insurgência de eventuais conflitos e disputas judiciais entre Fisco e contribuinte, tais como os que noticiamos no ano de 2022”.

Por fim, Onofre ressalta que “o art. 8º da nova MP autoriza a desconsideração de transações entre partes relacionadas quando estas não forem praticadas em condições de mercado comparáveis e de maneira comercialmente racional. Contudo, o parágrafo único do mesmo dispositivo ressalva que não poderá haver desconsideração exclusivamente em virtude de não terem sido identificadas transações comparáveis realizadas entre partes relacionadas. Em qualquer caso, a nossa visão é de que não se deve admitir a presunção de fraude ou simulação por parte dos contribuintes.”

O Coimbra, Chaves & Batista encontra-se à disposição para esclarecimentos e assessoria.