Em 23/08/2023, foi sancionada a Lei n° 14.651/2023, que dispõe sobre a aplicação e o julgamento da pena de perdimento de mercadoria, veículo e/ou moeda. A nova lei resulta de um alinhamento aos critérios do Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC), realizado pela Organização Mundial de Comércio (OMC), e às diretrizes internacionais do duplo grau de recursal estabelecidas na Convenção de Quioto Revisada (CQR) realizada pela Organização Mundial de Aduanas (OMA). Em seguida, no dia 29/08/2023, foi publicada a Portaria 1.005/2023 pelo Ministério da Fazenda regulamentando o novo rito administrativo criado pela lei e as competências para a aplicação da pena de perdimento.

A pena de perdimento é uma sanção prevista no artigo 689 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), que envolve a apreensão e a perda definitiva de mercadorias, veículos e/ou moedas importadas ou exportadas de forma irregular, como exemplo o contrabando, a falsificação, e demais ilícitos. A justificativa para a apreensão e a perda do bem tem como fundamento o dano causado ao erário, existindo mais de 40 condutas puníveis com o perdimento.

A Lei nº 14.651/2023 estabelece o julgamento com dupla instância recursal, em substituição ao antigo julgamento em instância única, sendo uma aproximação aos tratados internacionais, especialmente à convenção CQR/OMA. Recorde-se, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário 794.149, entendeu ser constitucional a previsão da instância única no contencioso administrativo, visto que a Constituição Federal estabelece o duplo grau de jurisdição apenas para os processos que tramitam no sistema judiciário. Desta forma, a instância única era aplicada nos regulamentos internos de órgãos administrativos, como era o caso de processos aduaneiros com a aplicação da pena de perdimento.

Com a nova tramitação, em que é possível uma análise em segunda instância dos processos em que se discute a aplicação da pena de perdimento, o contribuinte poderá ter a sua mercadoria liberada do recinto alfandegário, caso o julgamento em primeira instância seja favorável. Nos casos desfavoráveis, será possível apresentar impugnação dentro do prazo de 20 dias, nos termos do art. 11 da Portaria 1.005/2023.

Os julgamentos das impugnações e dos recursos aduaneiros com pena de perdimento serão julgados pelo Centro de Julgamentos de Penalidades Aduaneiras (CEJUL). O órgão, instituído pela Portaria 1.005/2023, será composto por auditores da Receita Federal do Brasil (RFB), organizados em uma Equipe Nacional de Julgamento (ENAJ), que jugará os processos em primeira instância; Câmaras Recursais, a quem competirá o julgamento de segunda instância; e o Serviço de Controle de Julgamento de Processos de Penalidades Aduaneiros (SEJUP). As Câmaras Recursais, de segunda instância, terão de 3 a 5 julgadores e será dirigida por um Presidente, designado pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil.

Destaca-se, ainda, que a Lei nº 14.651/2023, ao incluir o art. 27-C no Decreto-Lei nº 1.455/76, estabeleceu que a destinação da mercadoria poderá ocorrer a partir da decisão administrativa desfavorável em primeira instância ou após a declaração de revelia, ou seja, quando o contribuinte não apresentar defesa. Contudo, nos casos em que se tratar de (i) semoventes, perecíveis, inflamáveis, explosivos ou outras mercadorias que exijam condições especiais de armazenamento; (ii) mercadorias deterioradas, danificadas, estragadas, com data de validade vencida, que não atendam exigências sanitárias ou agropecuárias ou que estejam em desacordo com regulamentos ou normas técnicas e que devam ser destruídas; ou (iii) cigarros e outros derivados do tabaco poderá ocorrer a destinação da mercadoria logo após a apreensão da mercadoria.

Outro ponto relevante é que os novos critérios estabelecidos pela Lei nº 14.651/2023 e pela Portaria nº 1.005/2023 não se aplicarão aos processos referentes a autos de infração formalizados antes de 23/08/2023, data da publicação da lei. Assim, processos pretéritos à tal data serão apreciados na sistemática anterior, em única instância.

Para o nosso sócio nominal, Onofre Alves Batista Júnior, “a composição de uma segunda instância apenas com servidores fazendários não possibilita o devido arejamento e nem se constitui em verdadeira segunda instância de julgamento. Isso porque a opinião de servidores sujeitos à hierarquia administrativa dá ensejo a decisões homogêneas e que tendem a reproduzir o pensamento alinhado e uníssono do Fisco. Em homenagem à proteção da confiança do administrado na Administração dever-se-ia ter um órgão paritário, similar ao CARF. Contudo, é necessário reconhecer que a previsão de uma segunda instância é melhor do que deixar o administrado à mercê do entendimento de um agente isolado. A pena de perdimento é uma penalidade aduaneira, prevista no âmbito do Direito Aduaneiro Sancionador. Nada tem a ver com o Direito Tributário Sancionador. Assim, em que pese se deva aplicar o princípio da proporcionalidade no caso em tela, não faz sentido pretender aplicar o princípio do não confisco, previsto no art. 150, IV, da CRFB/1988. Em outras palavras, a aplicação da pena de perdimento do Direito Aduaneiro não é obstada pelo princípio (tributário) do não confisco, embora possa ser afastada em situações concretas nas quais se revele desproporcional. Por outro giro, não faz o menor sentido pretender aplicar a pena (aduaneira) de perdimento para sancionar, por exemplo, o pagamento a menor de tributo porque, nesse caso, a penalidade a ser aplicada deve ter índole tributária, e não aduaneira. Apesar das críticas cabíveis que se deve fazer a essa espécie de ‘segunda instância pouco neutra’, entendemos que a Lei n° 14.651/2023 representa uma conquista para os contribuintes, em prestígio aos princípios do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal.”