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Em fevereiro deste ano, o STF julgou o Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.294.969/SP, no qual foi fixado o Tema 1124 da Repercussão Geral, “o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”. Dessa forma, operações imobiliárias não estão sujeitas ao pagamento do imposto até ocorra o registro do imóvel. Ainda assim, consoante noticia o jornal Valor Econômico, diversos Municípios permanecem cobrando o tributo indevidamente, antes da ocorrência temporal do fato gerador, levando em conta a celebração dos contratos e não a transferência formal da propriedade. Em contrapartida, é relatado que decisões recentes demonstram que os Tribunais vêm aplicando o entendimento fixado pelo STF, em detrimento das cobranças abusivas dos Fiscos municipais. 

O ITBI está previsto no art. 156 da Constituição, em seu inciso II. É de competência municipal e representa uma importante fonte de arrecadação. Dessa forma, as regras para a sua apuração variam substancialmente entre as municipalidades, e os contribuintes devem estar atentos às peculiaridades de cada regimento. A sua alíquota costuma variar entre 2% e 5% – as prefeituras de Belo Horizonte (MG) e de São Paulo (RJ), por exemplo, a fixam em 3%. Trata-se de um tributo extremamente relevante para o mercado imobiliário, pois incide em todas as operações de compra e venda de imóveis.  

No caso que ensejou o Recurso Extraordinário paradigmático movido pela Prefeitura de São Paulo, as partes haviam estabelecido compromisso de compra e venda e houve, posteriormente, a cessão de direitos em nova operação que introduziu um terceiro adquirente. Para o Município, a mera operação econômica ensejaria a cobrança desse tributo em dois momentos. Em outro viés, os contribuintes argumentavam que o tributo só seria devido se registrado no cartório de registro de imóveis, formalizando a transferência da titularidade do bem. 

Em fevereiro, com voto do Min. Luiz Fux, foi prolatado entendimento favorável ao contribuinte, com fixação de Tema de Repercussão Geral no STF. A decisão, calcada em julgados anteriores do próprio Supremo, reconheceu que o fato gerador do ITBI ocorre quando há a efetiva transferência jurídica do imóvel, a qual se formaliza somente com o registro e em obediência às demais normas cartorárias e civis.  

Cumpre salientar que o sentido dessa decisão é muito maior do que a circunstância fática que ensejou o recurso no controle difuso de constitucionalidade do STF. Pelo entendimento da Corte, pouco importa o número de operações econômicas anteriores que tenham como objeto um certo imóvel, tampouco o momento em que essas transações ocorreram. Os Municípios apenas poderão cobrar o tributo quando houver a transferência da titularidade do imóvel, mediante registro. O Estado de São Paulo exigia, a saber, por meio do art. 12 da Lei Municipal nº 11.154/91, juros e multa pelo tempo que o contribuinte esperasse entre a celebração do contrato e o efetivo cumprimento da obrigação tributária, desconsiderando o registro como critério temporal objetivo da incidência. 

A decisão, como não poderia deixar de ser, possui substancial impacto nos erários municipais, particularmente nas grandes cidades, onde o volume de operações e o valor dos bens tende a ser maior. Nesse viés, alguns Municípios permanecem inertes em alterar suas legislações ou interromper as cobranças indevidas do ITBI. A notícia relata que um ponto alegado, por exemplo, pelo Município de São Paulo, é que ainda não houve nem o julgamento, nem o respectivo trânsito em julgado, dos Embargos de Declaração à decisão proferida pelo STF. 

Em contrapartida, no Poder Judiciário, as instâncias inferiores vêm se alinhando ao decidido em sede de controle de constitucionalidade pelo STF. Conforme noticiado, já existe uma série de decisões em que os Tribunais das Justiças Estaduais reconhecem o direito dos contribuintes. Em pesquisa realizada na plataforma do TJ-SP, há, desde fevereiro, pelo menos 147 decisões que discutem o Tema 1124 até o fechamento da edição do Jornal Valor Econômico, com as mais recentes datando do dia 13/10. Além disso, foi possível identificar ao menos uma Ação de Reclamação perante o STF (Rcl 47.368). 

Para José Henrique Guaracy, sócio do CCA, o “posicionamento do Judiciário demonstra compromisso com a segurança jurídica e com a higidez constitucional”. O advogado salienta que “as decisões do STF, mesmo aquelas proferidas em controle difuso de constitucionalidade, sobretudo quando fixam teses, vinculam tanto a Administração quanto os julgadores. Assim, as decisões dos Tribunais Estaduais decorrem da autoridade do Supremo e ultrapassam a questão da uniformização jurisprudencial, já que não há mais possibilidade de entendimento diverso sobre o caso”. Ademais, para Guaracy,  “o saldo é positivo para a economia, na medida em que reduz a onerosidade dos negócios imobiliários e estimula a atividade do setor, já que afasta a incidência reiterada de tributos em operações sucessivas de cessão de direitos em incorporações”.