A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em uma série de decisões recentes, consolidou sua jurisprudência no sentido de que a revogação antecipada da alíquota zero de PIS e Cofins prevista no art. 28 da Lei n.º 11.196/2005 (conhecida como Lei do Bem) viola o art. 178 do Código Tributário Nacional. O argumento acolhido por este órgão foi de que o impedimento à revogação de isenções condicionadas e com prazo certo, previsto neste dispositivo do CTN, também se aplica aos casos em que a lei prevê alíquota zero. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) calcula que, com a consolidação deste posicionamento, os contribuintes podem ter direito à devolução de até R$ 20,1 bilhões indevidamente arrecadados.
Este entendimento foi adotado pela 1ª Turma do STJ, especializada em direito público, em decisões como a do Recurso Especial n.º 1.988.364/RN, de 19/04/2022, bem como no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial n.º 1.731.073/SP, de março deste ano. Além destas, ao longo do ano de 2021, este mesmo órgão já havia decidido por diversas vezes nesse sentido, a exemplo do exposto, dentre outros, nos autos dos Recursos Especiais n.º 1.854.392, n.º 1.833.502, n.º 1.928.635, todos do estado de São Paulo.
No mesmo ano, a 1ª Turma também julgou, em sessão de 08/06/2021, os Recursos Especiais n.º 1.725.452, do Rio Grande do Sul; n.º 1.849.819, de Pernambuco; e n.º 1.845.082, de São Paulo, os quais passaram, desde então, a ser citados com frequência pela 1ª Turma, como precedentes sobre esta questão.
A 2ª Turma, por outro lado, apresenta jurisprudência extremamente esparsa sobre o tema, tendo se posicionado apenas uma vez, por ocasião do Agravo Interno ao Recurso Especial n.º 1.898.991, do Ceará. Nesta decisão, contudo, a 2ª Turma apresentou entendimento desfavorável ao contribuinte. Desta forma, caso este posicionamento continue sendo adotado pela 2ª Turma, a matéria poderá ser levada à apreciação da 1ª Seção do STJ, em sede de Embargos de Divergência.
A controvérsia tem por referência normativa a Lei n.º 11.196/2005, popularmente conhecida como a “Lei do Bem”, que instituiu uma série de benefícios e estímulos às empresas do setor de tecnologia e inovação. Ao longo dos anos 2000, os investimentos em P&D aumentavam exponencialmente e havia um interesse do poder público em aproximar a legislação brasileira a parâmetros internacionais de estímulos à inovação.
Um dos principais benefícios criados pela Lei do Bem foi o “Programa de Inclusão Digital”, que zerou as alíquotas da contribuição ao PIS e à Cofins incidentes sobre as receitas de empresas varejistas auferidas na venda de produtos eletrônicos especificados na lei. Esse benefício, que inicialmente estava previsto para durar até 2009, foi prorrogado em duas oportunidades. Na primeira vez, pela Medida Provisória n.º 472/2009 (convertida na Lei n.º 12.249/2010), que o estendeu até 2014 e, posteriormente, pela MP n.º 656/2014 (convertida na Lei n.º 13.097/2015), que fixava sua duração até o dia 31/12/2018.
Entretanto, em agosto de 2015, a MP n.º 690/2015 (convertida na Lei n.º 13.241/2015), suspendeu o benefício para as empresas varejistas. Assim, a redução de alíquotas – que deveria durar por mais três exercícios – foi subitamente interrompida, causando perdas às empresas que tinham se adequado às exigências legais para fazer jus ao benefício. Rapidamente, as empresas do setor apontaram que a revogação antecipada do benefício em questão viola o art. 178 do CTN. Isto pois a previsão constante desta norma é de que as isenções fiscais não podem ser livremente modificadas ou revogadas por lei caso tenham sido concedidas de forma onerosa e com prazo certo.
Nesse cenário, o Poder Judiciário foi acionado pelos contribuintes, sendo questionada a interrupção repentina do benefício. O argumento das empresas foi o de que a redução de alíquota fora concedida de forma onerosa, vez que o usufruto do benefício estava condicionado à adequação aos termos e condições estabelecidos em regulamento, nos termos do art. 28, § 1º, da lei em comento. Esta regulamentação veio através do Decreto n.º 5.602/2005, o qual impôs, dentre outras obrigações, limitações ao valor de venda. Desta forma, as empresas precisaram adaptar seus modelos de negócios, cumprindo com contrapartidas exigidas pela lei que reduziam sua liberdade numa economia de mercado.
Analisando os argumentos em confronto nesta lide, Paulo Coimbra, sócio fundador do CCBA, afirma que a tese do Fisco se funda sobre um formalismo exacerbado. “A única razão pela qual a revogação antecipada da alíquota zero estabelecida pela Lei do Bem supostamente não violaria o art. 178 do CTN seria que este dispositivo se aplicaria exclusivamente a isenções fiscais, e não à alíquota zero, por serem estes institutos distintos. Esta distinção, contudo, subsiste apenas em um plano estritamente formal, descolado da realidade. Na prática, os efeitos da fixação da alíquota de um tributo em zero e da concessão de uma isenção são os mesmos, em absoluto, independentemente de qual rubrica o legislador possa lhe dar”, afirma Paulo Coimbra.
Em contraposição ao excessivo formalismo adotado pelo Fisco nesta questão, o name-partner do CBBA expõe ainda que “se formalmente se distingue, materialmente a alíquota zero e a isenção se equivalem. É interessante notar que na maioria avassaladora das autuações relativas a planejamento tributário (algumas vezes, abusivo, por envolverem simulação, n’outras vezes genuína economia fiscal) o Fisco busca fazer prevalecer sua pretensão sustentando a primazia da substância sobre a forma: “substance over form”. Em outros casos, quando lhe convém, apega-se a filigranas formais, adotando o argumento (oposto) de conveniência “not substance but form”.
O ponto central da controvérsia, explica nosso sócio fundador, é o debate acerca de a alíquota zero poder ser equipara a isenção. Paulo expõe que “é pacífico, como assenta a Súmula 544 do STF, que a extinção prematura da isenção condicionada viola direito adquirido do contribuinte, e afigura-se como patente ofensa ao princípio constitucional da segurança jurídica, um dos pilares do sistema tributário desenhado por nossa Lex Mater. Assim, a equiparação da alíquota zero a isenção fiscal é solução apta a encerrar a porfia em comento, e é está a leitura mais adequada dos institutos em questão. Veja-se: a alíquota zero impede que surja para o contribuinte a obrigação tributária principal, não havendo fundamento para negar que esta seja, portanto, verdadeira isenção. Esta corrente, à qual me filio, é compartilhada por outros renomados jurisconsultos”.
Aprofundando-se em sua lição acerca da equivalência entre a alíquota zero e isenção fiscal, Paulo Coimbra se vale do conceito de tributo adotado pelo Código Tributário Nacional: “O conceito legal de tributo, constante do art. 3º do Digesto Tributário, pressupõe a existência de um dever pecuniário e compulsório, o qual inexiste nos casos de alíquota zero. Nessa hipótese, o Fisco simplesmente não faz jus a nenhuma prestação do destinatário da norma tributária: a título de exemplo, é evidentemente impossível, pela lógica, que o contribuinte incorra em inadimplemento ou mora, pois nada deve à autoridade fiscal. Portanto, nos casos de alíquota zero, inexiste dever tributário, sendo negada pois, a tributabilidade do feito, o que corresponde, em absoluto, à concessão de isenção”.
“Desta forma”, prossegue nosso name-partner, “a exclusão dos casos de alíquota zero da proteção concedida pelo art. 178 do CTN seria pretensamente possível caso este dispositivo seja lido de forma ingenuamente literal, desvinculada da realidade prática e restritiva ao ponto do absurdo. Por sua vez, uma interpretação mais alinhada ao basilar princípio constitucional da segurança jurídica veda a revogação arbitrária de benefícios fiscais como o que previa a Lei do Bem. Naturalmente, o princípio da segurança jurídica alberga a ideia de manutenção da confiança do particular na durabilidade das normas exaradas pelo poder público, bem como visa a estabilidade da relação entre o cidadão e o Estado. É justamente em nome de tais ideais que a identificação da alíquota zero com a isenção se faz especialmente imperativa para fins de aplicação do art. 178, o qual protege o particular que, de boa-fé, se submeteu a certas condições em troca de contrapartidas fiscais”.
“Nesse sentido, a 1ª Turma do STJ acerta ao julgar incabível a revogação antecipada do benefício fiscal em questão. Feliz desfecho para os contribuintes, que poderão pleitear a justa devolução de até R$ 20,1 bilhões pelo tributo indevidamente cobrado. O valor aquilatado pela Procuradoria demonstra a magnitude do prejuízo imposto ao setor tecnológico brasileiro nos anos em que lhe foi negado o acesso à alíquota zero da contribuição ao PIS e à Cofins, perdas que agora poderão ser ao menos mitigadas com a restituição deste montante. A equipe do Coimbra, Chaves & Batista está à disposição para auxiliar em eventuais dúvidas que surjam nesse processo”, conclui Paulo Coimbra.