Em novembro de 2024, um recurso especial em que se discute o momento da tributação do indébito tributário federal foi remetido para a Comissão Gestora de Precedentes e Ações Coletivas do Superior Tribunal de Justiça para ser julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos. O STJ pode “definir o momento no qual é verificada a disponibilidade jurídica de renda em repetição de indébito tributário ou em reconhecimento do direito à compensação julgado procedente e já transitado em julgado, para a caracterização do fato gerador do IRPJ e da CSLL, na hipótese de créditos ilíquidos”.

O Min. Teodoro Silva Santos, da Segunda Turma do STJ, ao proferir despacho de remessa dos autos à Comissão Gestora de Precedentes, se manifestou no sentido de que a controvérsia jurídica seria multitudinária, com expressivo impacto na compensação tributária e ainda não submetida ao rito dos recursos repetitivos. No recurso, ao contrário do que se decidiu no tribunal de origem, a Fazenda Nacional sustenta que, no caso das sentenças ilíquidas – nas quais o valor objeto de compensação não é fixado -, a tributação deve ocorrer quando da escrituração contábil do crédito.

O fundamento apresentado é o de que o ato da escrituração contábil indicaria que o contribuinte já liquidou seu crédito e apurou o valor integral que entende devido, momento em que estaria verificada a disponibilidade da renda, que não poderia ser confundida com a disponibilidade financeira que apenas ocorreria no momento da efetivação da compensação. A Fazenda defende, ainda, que admitir que a tributação seja postergada para o momento da disponibilidade financeira permitiria que o aspecto temporal do fato gerador fosse livremente manipulado pelo contribuinte, o que poderia retardar o recolhimento dos tributos em até uma década.

Recorda-se que se trata de posicionamento já manifestado pela Receita Federal do Brasil (RFB) em oportunidades anteriores. Na Solução de SC COSIT n. 183/2021, o posicionamento institucional da RFB foi no sentido de que, nos casos em que o Poder Judiciário não fixar os valores a serem restituídos, as receitas decorrentes de indébito tributário devem ser reconhecidas no momento do envio da declaração de compensação na qual se declara, sob condição resolutória, o valor integral a ser compensado. Posteriormente, na SC COSIT n. 308/2023, a RFB consignou a interpretação ainda mais restritiva de que se deve reconhecer a receita na (i) entrega da primeira Declaração de Compensação ou (ii) no momento da escrituração contábil de tais valores, o que acontecer primeiro.

Em contrarrazões ao recurso especial, os contribuintes sustentam que o simples reconhecimento de um valor na contabilidade não implica ocorrência do fato gerador dos tributos, em razão de não constituir efetiva aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica de renda, nem auferimento de receita. Desse modo, se posicionam no sentido de que a tributação pelo IRPJ e pela CSLL apenas pode ocorrer no momento da homologação da compensação ou, alternativamente, quando da apresentação das respectivas declarações de compensação, na medida em que se verifique efetivo acréscimo patrimonial.

Destaca-se que, a despeito da interpretação adotada pela RFB, o entendimento de que a caracterização da disponibilidade jurídica ou econômica da renda como fato gerador ocorre no momento da homologação da compensação pelo fisco vem sendo reconhecido pela jurisprudência dominante do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). Agora, com o encaminhamento do recurso para a Comissão Gestora de Precedentes, a discussão potencialmente será analisada pelo STJ, no rito dos recursos repetitivos, o que poderá implicar em decisão vinculante sobre a matéria.

Trata-se do REsp n. 2.172.434/SP.

De acordo com Alice Jorge, sócia do CCBA, no momento da contabilização do crédito ainda não há a aquisição da disponibilidade da renda, elemento essencial para caracterização do fato gerador do IRPJ e da CSLL. O imposto de renda não incide sobre a expectativa de direito, mas sim sobre a efetiva aquisição de disponibilidade, sobre efetivo acréscimo patrimonial disponível. O registro contábil do crédito pode ser útil para fins de informação aos usuários da contabilidade. No entanto, a certeza, liquidez e exigibilidade são elementos fundamentais para aquisição de disponibilidade do direito de crédito. Nos casos em que a decisão transitada em julgado reconhece apenas o direito à compensação dos créditos, não há como sequer se cogitar a existência de disponibilidade jurídica da renda antes de se fazerem presentes todos os requisitos necessários para a operacionalização desta compensação (a saber, a existência não  apenas do crédito, mas também de débitos em montante suficiente a serem compensados, além da ausência de óbices ou limitações temporais ou operacionais impostos pela legislação tributária). Espera-se que essa seja a decisão a ser tomada pelo Superior Tribunal de Justiça sob a sistemática dos repetitivos.

O Coimbra, Chaves & Batista encontra-se à disposição para esclarecimentos e assessoria.