Em 03/08, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.576, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, entendeu pela inconstitucionalidade da incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador (softwares). O relator do caso foi o ministro Luís Roberto Barroso.
A ADI 5.576 foi ajuizada pela Confederação Nacional de Serviços (CNS) com pedido de medida cautelar, pleiteando a declaração da inconstitucionalidade da cobrança de ICMS, pelo Estado de São Paulo, sobre operações com programas de computador. A CNS também questionou se tal incidência configuraria bitributação.
O conjunto normativo questionado abrange: (i) a Lei estadual nº 8.198/1992, que submeteu as sociedades prestadoras de serviços de processamento de dados e de informática à cobrança do ICMS sobre operações de licenciamento ou cessão de direito de softwares; (ii) o Decreto nº 61.522/2015 que revogou o cálculo específico da base de cálculo do ICMS nessas operações e submeteu as referidas sociedades à tributação desconsiderando o modo de aquisição do bem (mídia física ou por meio eletrônico); e (iii) o Decreto nº 61.791/2016, que alterou a alíquota para 5%.
A CNS também defendeu que as operações com programas de computador não deveriam ser tributadas pelo ICMS, pois já estariam abrangidas pelo campo de incidência do ISS, de acordo com os itens 1.01, 1.02, 1.04, 1.05, 1.07 e 1.08 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Além disso, alegou que o licenciamento ou cessão do direito de uso de software não configura compra e venda ou prestação de serviço, e que o software, propriamente, não é considerado mercadoria para fins de incidência do ICMS.
Em 24/02/2021, o Plenário do STF já havia enfrentado a questão da tributação de softwares pelo ICMS, quando apreciou as ADIs 1.945 e 5.659. Naquela oportunidade, a Corte decidiu que as operações de licenciamento ou cessão de softwares, padronizados ou elaborados por encomenda, deveriam sofrer incidência do ISS, não do ICMS.
Agora, no julgamento da ADI 5.576, o relator reafirmou o entendimento do STF no sentido do afastamento da cobrança do ICMS nos casos de licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. Para o ministro não há que se distinguir os softwares em função de sua customização, pois “essas operações são mistas ou complexas, já que envolvem um dar e um fazer humano na concepção, desenvolvimento e manutenção dos programas”, sobressaindo a obrigação de fazer. Além disso, para Barroso, “o legislador complementar buscou dirimir o conflito de competência tributária (art. 146, I, da CF), no subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS anexa à Lei Complementar nº 116/2003, prevendo o ‘licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação’”. A maioria dos ministros acompanhou o Relator e decidiu pela fixação da seguinte tese: “é inconstitucional a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador”.
Além disso, o ministro Relator, no que foi acompanhado pela maioria da Corte, propôs modulação dos efeitos, conferindo à decisão eficácia ex nunc, a contar de 03/03/2021. Essa é a data de publicação da ata de julgamento das ADIs 1.945 e 5.659, que consagraram a alteração do entendimento da Corte. Entretanto, foram feitas três exceções à modulação: (i) as ações judiciais já ajuizadas e ainda em curso em 02/03/2021; (ii) as hipóteses de bitributação relativas a fatos geradores ocorridos até 02/03/2021, nas quais será devida a restituição do ICMS recolhido, respeitado o prazo prescricional, independentemente da propositura de ação judicial até aquela data; e (iii) as hipóteses relativas a fatos geradores ocorridos até 02/03/2021 em que não houve o recolhimento do ISS ou do ICMS, nas quais será devido o pagamento do imposto municipal.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o Relator com ressalvas. Em seu voto vogal defendeu que deveriam ser aplicados os critérios da personalização ou da padronização, conforme os quais o ISS deveria incidir sobre softwares desenvolvidos de forma personalizada, enquanto o ICMS deveria recair sobre softwares padronizados, ou seja, produzidos de forma massificada e comercializados em escala industrial.
Por outro lado, o ministro Marco Aurélio apresentou divergência em relação à modulação dos efeitos. Para ele, não cabe a atribuição de eficácia prospectiva da decisão quando determinado a ato normativo recebe intepretação conforme à Constituição, sob pena de violação a ela própria, como se até então não estivesse em vigor.
Para o sócio do CCA, José Henrique Guaracy, a decisão foi acertada. “O STF foi bastante técnico ao concluir que, apesar do conceito de mercadoria abranger bens incorpóreos (imateriais), não há transferência de propriedade do bem (circulação jurídica) nos contratos de licença de software”.
Guaracy lembra que a circulação jurídica da mercadoria (com a efetiva transferência de propriedade) é o que caracteriza o fato gerador do ICMS: “[n]ão havendo transferência de propriedade não se pode falar em incidência do tributo estadual. O STF bem delimitou essa questão nas ADIs 1.945 e 5.659 e agora manteve a coerência no julgamento da ADI 5.576”.