Foi iniciado em 15/10/2021, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2446 pelo Plenário do STF. Por meio dessa ADI foi questionada a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN, também conhecida como “norma geral antielisiva”. A ação foi movida pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que argumentou que a inclusão do referido parágrafo no art. 116 viola a Constituição por permitir que o Fisco desconsidere atos de acordo com o seu próprio entendimento, em detrimento do direito de livre planejamento e organização econômica dos contribuintes.  

Até o fechamento dessa edição, em 20/10, prevalece o entendimento da Min. Cármen Lúcia, pela constitucionalidade do dispositivo. 

Em 2001, foi aprovada pelo Congresso a Lei Complementar nº 104, que promoveu mudanças no sistema tributário nacional. Uma das principais medidas, conforme se aduz do Projeto de Lei Complementar nº 77 do Ministério da Fazenda, era a criação de um mecanismo de combate à elisão fiscal. A solução adotada foi a criação de uma norma de caráter geral que autorizasse os entes tributantes a legislarem sobre os procedimentos pelos quais as autoridades administrativas poderiam “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”. 

Nenhuma norma em caráter federal foi consolidada a partir do art. 116, parágrafo único do CTN. Embora esse tema tenha sido tratado pelas Medidas Provisórias nº 66/2002 e nº 685/2015, os dispositivos foram retirados quando da conversão dessas MPs nas Leis nº 10.637/2002 e 13.202/2015, respectivamente. A questão permaneceu em aberto por vários anos e gerou uma situação de desconfiança entre Fisco e os contribuintes. Por um lado, a norma era favorável às autoridades, pois lhes dava fundamento para desconsiderar atos que julgassem como fraudulentos ou calcados em simulação ou dissimulação. Todavia, no entendimento dos contribuintes, o art. 166, parágrafo único, do CTN dá poderes extremamente amplos ao Fisco para compelir os contribuintes ao pagamento máximo de tributo e coagi-los a não realizar qualquer tipo de planejamento tributário. 

No caso que está sendo julgado pelo STF, a CNC alegou que a norma viola os princípios da legalidade, da tipicidade e da separação de poderes. Argumentou que esse dispositivo permitiria à autoridade fiscal tributar “fato gerador não ocorrido e previsto em lei”, além de introduzir a “interpretação econômica” no direito tributário brasileiro “ensejando tributação por analogia”. 

Na visão da ministra Cármen Lúcia, que assumiu a relatoria após a aposentadoria da ministra Ellen Gracie, a norma é constitucional, pois seu fim é o combate à evasão e não à elisão. Em seu voto, ponderou que não seria inconstitucional a delegação de poder à autoridade administrativa para desconsiderar atos dissimulatórios. Isso porque a obrigação de pagar tributo decorre da previsão em lei e da ocorrência de fato gerador. Portanto, no entendimento da ministra, o reconhecimento da prática de atos ilícitos pelos contribuintes, para se esquivar do cumprimento da obrigação tributária, não representa arbítrio do Fisco, mas tão somente reconhecimento do tributo devido. Por isso, não viola os princípios da legalidade, da tipicidade e da separação de poderes. 

Apesar disso, a ministra Cármen Lúcia reconheceu que a plena eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimentos a serem seguidos. Afirmou, ainda, que “a norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada”. 

O ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, proferiu voto pela inconstitucionalidade do art. 116, parágrafo único, do CTN. Entendeu que a desconsideração dos atos praticados pelos contribuintes é “uma medida extrema e de gravosas consequências”. Por essa razão, afirma somente o Poder Judiciário tem competência para tanto, nos termos do art. 168 do Código Civil, que considera como simulados os negócios jurídicos que (i) aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; (ii) contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; e (iii) os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós datados. 

O ministro justificou o seu voto na compreensão segundo a qual os direitos fundamentais (entre os quais está incluída a propriedade) precisam ser preservados ao máximo, reservando-se ao Judiciário a competência de limitar ou obstar a sua fruição, especialmente em caráter definitivo. 

Até o momento, os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luiz Fux acompanharam a relatora pela constitucionalidade do dispositivo. O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o ministro Ricardo Lewandowski na divergência.  

Para Paulo David Ferreira, sócio do CCA, esclarece que “Diferentemente da evasão, que importa em ato ilícito para evitar o pagamento de tributos, a elisão é lícita. De fato, trata-se de um conceito aberto que se refere às alternativas de organização das atividades dos contribuintes que podem resultar em não ocorrência de fatos geradores ou em ocorrência de fatos geradores aos quais a lei determine incidência tributária menos gravosa. Em outras palavras, o planejamento tributário lícito envolve a modelagem de negócios, com a observância de todos os parâmetros legais, de forma que seja enquadrada nas hipóteses menos onerosas de tributação.” 

Avalia que “os votos proferidos pelos ministros do STF no julgamento da ADI 2446, até o momento, são bem fundamentados. Mesmo a ministra Cármen Lúcia, que reconhece a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN, afirma que a sua aplicação depende da edição de lei para a regulamentação do procedimento de desconsideração de atos praticados pelos contribuintes. Se esse for o entendimento que prevalecer ao final do julgamento, a tendência é de reforço da segurança jurídica, pois as autoridades fazendárias não terão respaldo para agir tão somente com base na previsão do CTN. Esperamos que as leis que vierem a ser editadas sobre o assunto sejam rigorosas quanto à garantia de contraditório e ampla defesa antes da imposição de consequências mais graves.”