No dia 01/08, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, pela constitucionalidade das leis dos Estados de Minas Gerais, Pará e Amapá que instituíram a taxa de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários (TFRM). A decisão foi prolatada no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 4785/MG, 4786/PA e 4787/AP.
O novo julgamento das ADIs em questão foi iniciado na sessão do dia 30/06, anteriormente ao recesso forense. Na oportunidade, foram expostas as manifestações da Confederação Nacional da Indústria (CNI), autora das ações que impugnam a Lei nº 19.976/2011 de Minas Gerais, a Lei nº 7.591/2011 do Pará, e a Lei nº 1.613/2011 do Amapá. A análise do tema já havia sido iniciada em 2020, com pedido de destaque de um dos ministros que motivou o reinício do julgamento.
O principal argumento da CNI é a ausência da razoável e necessária equivalência entre o valor da TFRM e o custo da atividade estatal no exercício do Poder de Polícia, a qual atribuiria efeitos confiscatórios à taxa. Além disso, a CNI defendia que apenas a União tem competência para legislar sobre recursos minerais, de modo que os Estados não teriam competência legislativa para instituir taxas relativas a esses bens. Ainda, a CNI sustentava que a TRFM possuiria características de imposto e não de taxa, tendo em vista que não seria específica e divisível entre os contribuintes.
Em seguida, os representantes dos três Estados proferiram sustentações orais pela constitucionalidade das taxas, destacando que haveria proporcionalidade entre o valor arrecadado com a TFRM e os custos fiscalizatórios. Porém, o julgamento foi suspenso, conforme noticiamos em nosso site.
No final de 2020, o STF chegou a apreciar a ADI nº 4785/MG, em que se discute a lei mineira. Na ocasião, prevalecia o voto do Ministro Relator Edson Fachin, no sentido de conhecer parcialmente a ação, negando provimento à parte conhecida. Para o relator, o Estado teria competência administrativa fiscalizatória sobre os recursos hídricos e minerais, com atuação subsidiária. Por essa razão, poderia exigir a taxa para remunerar a atividade fiscalizatória sobre tais recursos. Além disso, entendia que a base de cálculo da TRFM não violaria ao princípio da proporcionalidade, por traduzir relação razoável entre a quantidade de minério extraído e o dispêndio de recursos públicos com a fiscalização. Todavia, o Ministro Luiz Fux pediu destaque do julgamento da ADI, em 19/10/2020, reiniciando a contagem de votos.
No segundo semestre de 2021, as ADIs haviam sido pautadas para julgamento conjunto na sessão do Plenário Físico do dia 08/09, porém não foram chamadas para julgamento, como noticiado.
Agora o julgamento foi retomado com a manifestação do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que defendeu a constitucionalidade das normas estaduais. A maioria dos ministros mantiveram o posicionamento que prevalecia quando do julgamento da ação mineira. Nesse sentido, a Corte julgou, por maioria, improcedentes os pedidos formulados nas ADIs, nos termos dos votos dos relatores de cada ação.
Desse modo, ficou decidido que os Estados têm competência para instituir taxas de fiscalização sobre os recursos minerários e que a base de cálculo fixada atende ao princípio constitucional da proporcionalidade. Isso porque a maioria dos ministros considerou possível que a taxa seja baseada na presunção do custo da fiscalização, uma vez que o ônus tributário do contribuinte está graduado de acordo com o faturamento do seu estabelecimento, com o grau de poluição potencial ou com a utilização de recursos naturais.
Nessa perspectiva, o Ministro Presidente Luiz Fux, relator da ação contra a lei amapaense, argumentou que as taxas possibilitam que os Estados exerçam o poder de polícia sobre atividades em que há competência constitucional comum com a União, conforme a jurisprudência da própria Corte. Ademais, o Ministro Presidente salientou que o valor das taxas não viola o princípio da proporcionalidade em razão da maior complexidade da fiscalização das mineradoras, especialmente considerando os expressivos lucros dessas empresas, “o que afasta por completo a alegação de confisco”.
Outrossim, o ministro Edson Fachin, relator da ADI mineira, argumentou que a TFRM tem natureza extrafiscal, tendo em vista que desincentiva atividades degradantes e permite que o Estado se planeje para evitar desastres ambientais.
Ficaram vencidos os Ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e André Mendonça, os quais entenderam que, embora os Estados tenham competência formal para a instituição de taxas com essa finalidade, os valores cobrados são manifestamente desproporcionais ao custo das atividades fiscalizatórias. O Ministro André Mendonça argumentou, ainda, que há bitributação, haja vista que diversas normas federais estabelecem taxas de fiscalização ambiental, inclusive sobre a atividade mineradora.
Por fim, também restou vencido o ex-ministro Marco Aurélio, aposentado, em relação à ADI 4785/MG, cujo voto foi mantido, mesmo com o pedido de destaque, por força da Resolução nº 642/2019 do STF.
O sócio do CCBA, José Henrique Guaracy, avalia a decisão em comento: “A respeitável decisão do STF pela constitucionalidade da TFRM é passível de críticas. A começar, não ficou demonstrada a razoável e necessária equivalência entre o valor cobrado a título de taxa e o custo da atividade estatal no exercício do Poder de Polícia, havendo patente violação ao princípio constitucional da proporcionalidade e ao requisito de referibilidade entre a atividade estatal e o sujeito passivo tributário. Nesse sentido, a decisão diverge do entendimento produzido pela própria Corte, como no julgamento da Taxa de Fiscalização dos Recursos Hídricos do Estado do Pará (ADI 5374) e da Taxa de Fiscalização de Petróleo e Gás do Estado do Rio de Janeiro (ADI 5480).”
“A CNI colacionou aos autos diversas provas da desproporcionalidade do valor cobrado a título de TFRM ao longo dos anos. Não se pode olvidar que a CRFB/1988 é clara em deliminar as espécies tributárias e os elementos que as identificam, independentemente da denominação que lhes é atribuída. Desconsiderar os elementos que individualizam cada espécie tributária é um equívoco, que viabiliza a multiplicação de impostos travestidos de taxas”, acrescenta José Guaracy.
“Como muito bem observado pelo Ministro Luis Barroso, o lucro se tributa com imposto, não com taxa. A análise da proporcionalidade das taxas deveria ter sido realizada em contraposição ao custo da fiscalização, e não tendo-se em mira a receita ou faturamento do contribuinte. Assim, o entendimento majoritário no sentido de que não haveria violação ao princípio da proporcionalidade, ao se considerar os expressivos lucros das empresas mineradoras revela-se desvinculado de qualquer fundamento jurídico e incoerente com anteriores julgamentos do STF”.