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O STF finalizou, no dia 11/11/2021, o julgamento virtual da ADI 4397 e do RE 677725leading case do Tema 554 de Repercussão Geral, casos em que apreciou a constitucionalidade do art. 10 da Lei 10.666/03. Essa lei instituiu mecanismo de modulação das alíquotas de contribuição por RAT: o Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Esse é um índice composto obtido a partir dos índices de gravidade, frequência e custo relacionados aos acidentes laborais. A sua regulamentação foi realizada pelo art. 202-A do Decreto 3.048/99, com redação mais recente dada pelo Decreto 6.957/09. 

A ação direta de inconstitucionalidade tem por objeto a compatibilidade do art. 10 da Lei 10.666/03 com a CRFB/88. Um dos principais argumentos alegados pela autora da ação foi a violação ao princípio da legalidade, uma vez que o dispositivo permitiu que a incidência de tributo seja determinada por ato do Poder Executivo, ao delegar-lhe a competência para estipular critérios que impactam a alíquota de contribuição por RAT.  

Sustentou, ainda, a ofensa ao princípio da razoabilidade pois a proteção do trabalhador e a prevenção de acidentes laborais poderia ser promovida por meio do poder fiscalizador do Estado. A criação de instituto que, na prática, gera aumento da carga tributária representa instrumento mais gravoso e menos eficaz, que viola a proporcionalidade. 

O relator, Min. Dias Toffoli, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, no que foi acompanhado pela unanimidade do Plenário. Em suas razões de decidir, o Ministro destacou que a orientação do Tribunal vem se firmando no sentido de que a legalidade tributária imposta pelo texto constitucional não é estrita ou fechada, mas uma legalidade suficiente. Ressaltou que, em seu entendimento, o art. 10 da Lei 10.666/03 não delega, tecnicamente, o poder de tributar ao Executivo.  

Para o relator, o artigo estabeleceu o diálogo entre a lei e o ato administrativo em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade da norma, com fundamento na otimização da função extrafiscal da contribuição por RAT. Essa delegação teria sido destinada ao tratamento de matérias ligadas a estatísticas e pesquisas empíricas, que possibilitam o cálculo do FAP a partir do desempenho dos empregadores na prevenção de acidentes, aferido por meio dos índices de frequência, gravidade e custo dos benefícios acidentários pagos ou devidos pela previdência social em decorrência dos acidentes. 

O ministro Roberto Barroso registrou o seu voto com algumas considerações. Aponta que o art. 10 da Lei nº 10.666/03 atribui ao Poder Executivo a competência para a fixação dos critérios para a gradação das alíquotas regulares da contribuição por RAT, observados certos limites quantitativos e qualitativos. Sob o aspecto quantitativo, estabelece que as alíquotas não podem variar a menos que a metade e a mais que o dobro. Sob o aspecto qualitativo, impõe a observância dos critérios da frequência e gravidade dos acidentes e doenças do trabalho, além dos custos dos benefícios pagos. A delegação ao Poder Executivo, dessa forma, foi exercida dentro dos parâmetros da legalidade. 

Ainda, argumentou que essa delegação não representa a criação de nova fonte de custeio da Previdência Social, não viola o princípio da irretroatividade tributária e o princípio da transparência. Por fim, propôs a fixação da seguinte tese: “É constitucional a delegação de competência ao Poder Executivo de competência para fixar os critérios de gradação das alíquotas da contribuição ao SAT/RAT por ato infralegal, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.666/2003” 

O Ministro Gilmar Mendes apontou que não há delegação ao Poder Executivo para a fixação de alíquotas, pois essas estão expressamente previstas no art. 22, II, da Lei 8.212/91. Argumenta que o art. 10 da Lei 10.666/91 veio apenas a permitir o balizamento das alíquotas pelo Poder Executivo a partir dos critérios determinados pelo Poder Legislativo (frequência, gravidade e custo). Ressaltou que o STF vem se posicionando no sentido de que não há violação à legalidade quando a delegação ao Poder Executivo ocorre para a definição de alíquotas dentro de faixas estritas, legalmente estabelecidas. 

Já o RE 677725 abordou questão similar à ADI 4397. O recorrente alegou ofensa à estrita legalidade tributária, pois há utilização de Resolução do Conselho Nacional de Previdência Social como via jurídica para a definição da alíquota relativa à contribuição por RAT – apesar de a CRFB/88 ter estipulado a exigência de lei específica para a regulamentação de tributos. 

Apontou também a ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária e da moralidade administrativa. Em relação ao primeiro princípio, a violação residiria na previsão, pelo Decreto 6.957/2009, de que o primeiro processamento do FAP teria como base os dados dos anos de 2007 e 2008, o que configuraria a retroação de seus efeitos. Já a violação à moralidade administrativa residiria na ausência de divulgação da base de dados utilizada para o cálculo do FAP. 

O Ministro Luiz Fux, relator do recurso, negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado por todos os demais ministros. E propôs a fixação da seguinte tese: “[o] Fator Acidentário de Prevenção (FAP), previsto no art. 10 da Lei nº 10.666/2003, nos moldes do regulamento promovido pelo Decreto 3.048/99 (RPS) atende ao princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CRFB/88)”, no que foi acompanhado pela maioria. 

Em seus principais fundamentos, o Ministro aponta que a Lei 10.666/03 realizou delegação legislativa imprópria, já que o texto utiliza conceitos indeterminados de natureza técnica. A função do regulamento é desempenhar um juízo técnico e objetivo, desprovido de discricionariedade. O Ministro ainda entende que o FAP não integra o conceito de alíquota, pois consiste em multiplicador aplicável à alíquota da contribuição por RAT, de forma que seria um elemento externo à relação jurídica tributária.  

Por fim, argumenta que inexiste violação ao princípio da irretroatividade tributária, pois o Decreto nº 3.048/99 somente fixou as balizas para o primeiro processamento do FAP, com vigência a partir de janeiro de 2010, utilizados os dados concernentes aos anos de 2007 e 2008. Tais informações seriam apenas elementos identificadores dos parâmetros de controle das variáveis consideradas para a aplicação da fórmula matemática instituída pela nova sistemática.  

Nossa sócia, Marianne Baker, lamenta que o STF tenha flexibilizado o princípio da legalidade estrita nesse caso. “É um fato que os parâmetros de cálculo do FAP modificam consideravelmente o ônus tributário ao qual os contribuintes estão sujeitos. As Resoluções do Conselho Nacional de Previdência Social, que instituíram a metodologia de cálculo de maneira mais detalhada do que o Decreto 3.048/99, não apenas complementam a matéria prevista em lei, mas realmente inovam.” 

E continua: “A ausência de transparência na divulgação da integralidade dos dados do FAP também é problemática. Esse elemento dificulta inclusive as impugnações ao cálculo anual do índice, pois inviabiliza a verificação comparativa do correto enquadramento de cada estabelecimento em relação aos demais que exercem a mesma econômica.” 

 

A equipe do Coimbra & Chaves encontra-se à disposição para esclarecer quaisquer questionamentos remanescentes.