O trabalho se propõe a investigar o planejamento da atividade fiscal (pelo Estado) e do custo fiscal das atividades econômicas (pelos contribuintes), à luz da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann e da teoria do Direito como plano de Scott Shapiro. Parte-se da premissa de que o sistema jurídico é operacionalmente fechado, mas cognitivamente aberto. É estabelecida, ainda, a correlação entre a concepção do Direito como plano e o direito individual de se planejar a sua ação e a sua vida, desde que em conformidade com o plano social compartilhado. Ao final, procede-se ao estudo de precedentes selecionados para se tentar identificar o tratamento que vem sendo conferido à matéria pelos Tribunais brasileiros.

 

Com grande prazer abraçamos o privilégio de prefaciar a obra intitulada “Planejamento no Direito Tributário”, de autoria de Alice de Abreu Lima Jorge, resultado de sua alentada e acalentada pesquisa acadêmica, com a qual logrou, com sobras de méritos, o título de Mestra em Direito outorgado pela vetusta Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nosso prazer decorre, primus, pelo enriquecimento da bibliografia nacional sobre o tema Planejamento Tributário que, apesar de já ser antigo e macerado pelas duas correntes que em torno dele se firmaram, remanesce extremamente atual e relevante; secundus, pelo momento de sua publicação, que se mostra por demais oportuno, quando se percebe notória e preocupante tendência ao recrudescimento das pretensões de requalificação de negócios jurídicos e das correlatas potestades punitivas exercidas pelas Administrações Fazendárias; e tertius, em especial, por sua autora, alvo de nosso mais elevado respeito e apreço profissional.

A mestra Alice de Abreu Lima Jorge tem galgado conquistas, nos âmbitos pessoal, acadêmico e profissional que, justificadamente, envaidece seus familiares, amigos e colegas. Tendo a distinção de integrar os dois últimos grupos, compartilhamos o sentimento de orgulho por mais uma marcante realização, com a qual Alice inaugura sua promissora participação no seleto rol da melhor doutrina pátria em torno do tema, e consolida o debute de sua promissora carreira acadêmica e profissional.

Na convivência diuturna com Alice, incontáveis as oportunidades nas quais podemos constatar sua genuína curiosidade investigativa, sua admirável capacidade de análise crítica e de construção de elucubrações lógicas próprias das mentes mais privilegiadas, e exclusivas às mais empenhadas. Com efeito, o manifesto talento da Autora, que os leitores poderão constatar na leitura do presente ensaio, é forjado em seu esmero cotidiano, lapidado no zelo com sua postura ética irreprochável e regado por seu profundo senso de responsabilidade. Tais propriedades marcantes na personalidade de Alice acarretam uma situação por demais inusitada: mesmo sem conhecer os seus pais, é inevitável serem eles alvo de nossa admiração. A eles, nosso louvor e congratulações pela educação provida à Alice, de cujos valores firmemente cunhados, que a prepararam para uma vida referta de escolhas sábias, refulgem a abnegada dedicação, amor e zelo, sem os quais não se forma um caráter tão sólido.

Foi com seu habitual afinco que a Autora se debruçou sobre o controverso tema do planejamento na gestão dos aspectos tributários da vida dos cidadãos e das empresas, brindando-nos com o resultado de sua consistente pesquisa acadêmica, ora trazida a lume pela operosa editora D’Plácido.

Poucos temas comportam uma controvérsia tão resiliente quanto o planejamento tributário. Estudiosos do assunto podem identificar, sem grande esforço, duas correntes contrapostas que se formaram em torno do tema e se entrincheiraram por detrás de barricadas ideológicas quase intransponíveis. Nesse contexto, com notável rigor metodológico, a presente obra traz uma nova perspectiva sobre o tema, propondo interessante reflexão sobre os fundamentos da legitimidade do planejamento da atividade fiscal do estado e dos particulares. Com firmes âncoras nas teorias (i) dos sistemas, de Niklas Luhmann, (ii) do direito como plano e (iii) da economia da confiança, as duas últimas de Scott Shapiro, o livro que se lança provoca instigante inflexão do pensamento a respeito dos graus de discricionariedade outorgada aos aplicadores da lei tributária no reconhecimento da incidência da norma tributária, buscando preservar o gerenciamento da confiança albergada pela Constituição brasileira.

Segurança jurídica e justiça tributária inspiram e tutelam o direito dos particulares ao planejamento de suas atividades individuais, desde que não se desviem da necessária conformidade com o master plan social compartilhado, construído e imposto pelo ordenamento jurídico. No mesmo diapasão, idênticos fundamentos, a um só tempo, asseguram e demandam do Estado o planejamento de suas atividades financeiras, especialmente aquelas voltadas à arrecadação de suas receitas, de forma a reduzir azo ao arbítrio, ao improviso e à insegurança dos particulares.

Nesse sentido, os critérios de inspiração econômica importados do direito alienígena e empregados no juízo de legitimidade do planejamento tributário, a exemplo do business purpose test e da substance over form, no Brasil, revelam-se úteis enquanto ferramentas para a identificação da ausência de simulação, mas jamais como critérios suficientes que legitimam a exigência do tributo e, ainda pior, de seus consectários legais punitivos, sobre fatos não contidos nas hipóteses adrede e previamente previstas em lei. A presença do propósito negocial pode, assim, afastar as suspeitas de planejamento abusivo, mas não poderá, per se, ensejar a tributação de fato não previsto na hipótese de incidência da norma tributária sem a convergência de provas, ainda que indiciárias, desde que suficientes e robustas para atestar a discrepância entre a realidade e os atos formalizados e declarados.

A atividade de planejamento tributário há de se fazer com o respeito à realidade. Planejamento tributário não é, e nem pode ser fraude. Sempre que a realidade for, de alguma forma maquiada, alterada ou ocultada, com o propósito de suprimir, reduzir ou postergar o recolhimento de tributo, não estaremos diante de um planejamento tributário, mas sim de uma genuína simulação, à qual se atribuem diferentes nomes, tais como fraude, abuso de direito, abuso de formas, sonegação, etc. Seja qual for a alcunha adotada, para a desqualificação de um ato jurídico pela fiscalização, se faz imprescindível a prova de simulação, não sendo suficiente, para tanto, a busca de economia tributária. Sem sombra de dúvidas, o primado da solidariedade, invocado por alguns como fundamento à flexibilização do primado da legalidade na incidência tributária, há que se conciliar com as raias balizadoras
impostas pela segurança jurídica.

Merece, pois, reverberar, a convidativa reflexão da autora de que o Estado, no contexto de seu complexo planejamento orçamentário, deve planejar suas receitas tributárias, de forma a, primus, se evitar o improviso e imaginação criativa no desempenho da atividade, recorde-se, plenamente vinculada, de cobrança dos tributos; e secundus, viabilizar o respeito ao direito dos particulares de também planejarem as suas atividades, dentro dos limites impostos, a ambos, Estado e particulares, pelo plano social compartilhado e requeridos por uma economia pautada na confiança.

Em sua parte final, o presente livro traz interessantes estudos de casos, focado na análise de precedentes, administrativos e judiciais, que revelam o casuísmo com que a matéria tem sido tratada. Sem sombra de dúvidas, se faz imprescindível a analise do caso concreto, para a identificação da eventual presença de dissimulação do fato  gerador. Contudo, ainda se ressente da ausência de critérios mais rígidos e coerentes para pautar o mister da fiscalização, evitando-se a prevalência de decisões em sentido contrário que culminam por infirmar a previsibilidade dos efeitos tributários e sancionadores de determinadas condutas, comprometendo a eficácia dos primados da segurança jurídica e da isonomia.

Por seus muitos méritos e valor, especialmente por sua abordagem original e inovadora, podemos antever e asseverar que o texto doravante se firmará como de consulta obrigatória para todos que se interessem pelo estudo das palpitantes, ricas e resilientes polêmicas que gravitam em torno do Planejamento no Direito Tributário.