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Transita na Alesp o PL 367/20 que determina que o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), em seus julgamentos, deve observar decisões já proferidas pelo Poder Judiciário. Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nosso sócio Paulo Coimbra comenta sobre o assunto. Veja no recorte abaixo:

Está em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) um projeto de lei que prevê a vinculação do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) — órgão estadual análogo ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — a decisões já proferidas pelo Poder Judiciário. O PL 367/20 determina que o TIT, em seus julgamentos, deve observar precedentes judiciais estabelecidos, por exemplo, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O PL está em fase inicial de tramitação na Alesp.

“Atualmente, o afastamento da aplicação de uma lei pelos membros do TIT só pode ser justificado em duas hipóteses, previstas no artigo 28 da Lei estadual 13.457/09: em decisão proclamada em sede de ação direta de inconstitucionalidade e por decisão definitiva do STF, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo”, detalha Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados.

Embora o PL tenha o condão de melhorar as condições para os recursos tributários administrativos, à medida que amplia a segurança jurídica e diminui a possibilidade de judicialização de casos que poderiam ser resolvidos na esfera administrativa, a Fazenda Paulista vê inconstitucionalidade no PL pelo fato de o texto prever que a administração pública possa deixar de aplicar normas vigentes.

A seguir, Coimbra detalha aspectos importantes do PL 367/20 e do funcionamento do TIT.

 

Está em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) um projeto de lei para vinculação do que determina o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) a decisões já proferidas no Judiciário. De maneira sucinta, o que é e como funciona o TIT?

É o órgão análogo, em âmbito estadual paulista, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em âmbito federal. Está vinculado à estrutura da administração tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e desempenha relevante papel no processo administrativo tributário estadual, sendo o órgão julgador em segunda instância administrativa dos litígios fiscais envolvendo o fisco e os contribuintes. É responsável pelo controle interno de legalidade dos atos administrativos de cobrança de tributos (dito lançamento), devendo validar ou cancelar as autuações fiscais, sempre que provocado pelos contribuintes.

Em linhas gerais, o que estabelece esse PL?

O PL altera a Lei estadual 13.457, de 18 de março de 2009. Essa lei dispõe sobre o processo administrativo tributário, e, dentre outras prescrições, acrescenta novas hipóteses em que os membros do TIT deverão, obrigatoriamente, seguir a jurisprudência consolidada no Judiciário, adequando o processo administrativo tributário estadual à realidade implementada pelo Código de Processo Civil, promulgado em 2015, o qual fortaleceu o sistema de precedentes e a necessidade de coerência entre decisões.

Atualmente, o afastamento da aplicação de uma lei pelos membros do TIT só pode ser justificado em duas hipóteses, previstas no artigo 28 da Lei estadual 13.457/09: em decisão proclamada em sede de ação direta de inconstitucionalidade; por decisão definitiva do STF, em via incidental, desde que o Senado Federal tenha suspendido a execução do ato normativo.

Extrai-se da íntegra do PL e de sua justificativa que a essas hipóteses se somarão outras quatro que os membros do TIT não poderão contrariar, quais sejam: enunciado de súmula do STF em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em matéria infraconstitucional; orientação do plenário ou do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP); acórdão do TJ-SP em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas; e acórdão proferido pelo STF e pelo STJ em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.

Há, no entanto, um grave problema de redação no PL: o legislador paulista está acrescentando novas hipóteses sem alterar a cabeça (no jargão jurídico, “caput”) do artigo, o que poderá gerar margens a interpretações dúbias e contraditórias, ou mesmo restringir a aplicação das novas hipóteses. Isso porque o caput desse citado artigo 28 da Lei estadual 13.457/09 trata de hipóteses de afastamento da aplicação da lei por proclamação de inconstitucionalidade, quando as novas hipóteses também disciplinam, de forma expressa, sobre decisões judiciais em matérias infraconstitucionais. Ora, se no caput se estabelece que: “no julgamento, é vedado afastar a aplicação de lei sob alegação de inconstitucionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a inconstitucionalidade tenha sido proclamada: (…)”, o acréscimo de um inciso que trata de “enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional” traria uma nítida contradição entre o caput e esse inciso. Sem falar que restringiria sobremaneira a obediência às orientações do órgão especial do TJ-SP àquelas que dispusessem sobre matérias infraconstitucionais. Espera-se que os técnicos legislativos e legisladores paulistas se atentem para esse grave defeito de redação legislativa e façam sua correção, afastando o evidente risco de interpretações mesquinhas, restritivas e equivocadas.

Quais os potenciais efeitos desse projeto sobre os contribuintes paulistas?

Os contribuintes poderão encerrar longos e morosos litígios já em sede administrativa tributária com julgamentos favoráveis a seus pleitos alicerçados em teses já consolidadas no âmbito do Judiciário. Isso fortalecerá a segurança jurídica, a confiança e a calculabilidade das relações jurídicas, diminuirá os custos dispendidos com as disputas judiciais, favorecerá o fisco, que não se verá diante do risco de ver revertido sua vitória parcial em sede administrativa, com pagamento de honorários sucumbenciais. Isso sem falar do desafogamento do Judiciário, em vista da diminuição de execuções fiscais infrutíferas.

Em que ponto está a tramitação do PL na Alesp? O projeto tem chances de aprovação?

O PL foi distribuído para sete das comissões da Alesp e receberá sua análise por cada uma delas. Na Comissão de Constituição e Justiça e Redação (CCJR), o PL teve voto favorável do relator, pela sua aprovação. Mas resta ainda a ser analisado e votado pelo pleno desta comissão, como também pelas demais comissões.

Ademais, já se entrevê uma grande resistência do Poder Executivo na aprovação do PL, haja vista que, em nota, a Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo, órgão ao qual o TIT está vinculado, aduziu que o PL seria inconstitucional.

Feitas as devidas adequações e sob o espírito republicano dos mandatários dos Poderes Legislativo e Executivo, espera-se que o projeto seja aprovado, o que configuraria uma grande vitória para todos, fisco e contribuintes.

Existe alguma questão envolvendo a constitucionalidade do que prevê o PL?

A aprovação do PL, ao contrário do que a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo alega, reafirmaria a constitucionalidade do processo administrativo tributário paulista ao reforçar os direitos fundamentais dos contribuintes, a segurança jurídica, a coerência das decisões e a razoável duração dos processos. Além disso, o tornaria referência para os órgãos congêneres de outros estados, que seguem a mesma sistemática do TIT.

Nesse sentido, não se vê nenhum vício de inconstitucionalidade, ao revés, uma admirável virtude de reverência à Constituição, um impulso à eficiência administrativa e um reforço à segurança jurídica. Numa visão menos obtusa, todos saem ganhando.

 

Fonte: Legislação & Mercados