Palavras-chave: , , , ,

A Procuradoria da Fazenda Nacional publicou Parecer SEI nº 14.483 de 2021, em que analisa os efeitos do Recurso Extraordinário 574.706/PR, também conhecido como a “tese do século” e traz o posicionamento da Fazenda acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O elemento que mais chama atenção no texto diz respeito à apuração de créditos no modelo da não cumulatividade das contribuições. Recentemente, conforme noticiado, a Receita Federal se pronunciou no sentido de que um efeito reflexo da decisão do STF seria a exclusão do ICMS do custo de aquisição de insumos. Caso o posicionamento prosperasse, o valor que os contribuintes poderiam descontar em razão do regime não cumulativo no momento do pagamento das contribuições seria reduzido. Entretanto, a PGFN confirmou, em posição contrária ao Fisco, no parecer em questão que, efetivamente, o ICMS integra o custo de aquisição de insumos na apuração de créditos dos regimes não cumulativos do PIS e da Cofins. 

O Parecer PGFN SEI nº 14.488/2021, assinado no dia 24 de setembro e publicado no Diário Oficial da União no dia 28 do mesmo mês, se prestou a analisar o Tema nº 69 da Repercussão Geral fixado pelo Supremo Tribunal Federal em 15 de março de 2017. Naquela oportunidade, o STF entendeu que o ICMS não integrava a base de cálculo do PIS e da Cofins, uma vez que não poderia ser abarcado pelo conceito constitucional de faturamento. A União posteriormente proporia Embargos de Declaração, cujo julgamento só ocorreria no 13 de março de 2021, cerca de 4 anos depois, onde seriam modulados os efeitos da seu julgamento, bem como seria confirmado que o ICMS a ser excluído é o efetivamente pago e não o destacado na nota. 

Em seu Parecer, a PGFN trouxe suas principais observações sobre os impactos desse julgamento no direito tributário nacional e as teses que ela sustentará em relação ao fixado pelo Supremo Tribunal Federal. O documento foi elaborado pela Divisão de Consultoria em Matéria Jurídico-Processual da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Sua função é traçar as diretrizes gerais para harmonizar e racionalizar as interpretações e teses da Fazenda Nacional acerca de questões controvertidas. Cabe destacar que os Pareceres da PGFN têm força vinculante para o Fisco na medida em que fixam os posicionamentos a serem adotados pela autoridade administrativa, conforme os arts. 19 e 19-A da Lei nº 10.522 de 2022. 

Nesse sentido, chama atenção nesse Parecer o fato de ele confirmar que o ICMS não deve ser retirado da base de cálculo da apuração de créditos por insumos na sistemática não cumulativa do PIS da Cofins. Como dito, a Receita Federal vinha se manifestando no sentido de que um efeito reflexo do Tema 69 seria o de que o ICMS também deveria ser retirado do custo de aquisição das mercadorias creditáveis. O principal paradigma nesse sentido seria o Parecer Interno COSIT nº 10/2021, em que a Receita Federal detalhou a sua visão sobre os efeitos do julgamento. Além disso, com a edição da Instrução Normativa RFB nº 1.911/2019 já havia deixado de constar o ICMS como parte da base de cálculo dos créditos, revogando expressamente o que constava do art. 8º, §3º da IN 404/2004 

Segundo a Procuradoria, não haveria como, a partir da simples interpretação da decisão do STF, inferir que o ICMS não deveria integrar o custo de aquisição das mercadorias. Nos termos do Parecer, o julgado ser prestou a analisar apenas se o ICMS poderia compor o conceito constitucional de faturamento, o que imporia a conclusão de que o imposto estadual não poderia compor a base de cálculo do PIS e da Cofins. Dessa forma, não haveria fundamento para afirmar que esse entendimento implicaria em impactos no sistema de créditos da não cumulatividade das contribuições sociais, normatizado pelos art. 2º e 3º das Leis nº 10.637 de 2002 e 10.833 de 2003. O posicionamento, ademais, acompanha a decisão do TRF3, recentemente comentada, favorável aos contribuintes com relação à composição do custo de aquisição.   

Finalmente, o Parecer esboçou considerações sobre os impactos da modulação de efeitos no Tema 69. Nos termos da decisão dos Embargos de Declaração (EDs), o julgamento de mérito apenas passaria a produzir efeitos a partir de 15/03/2017, data de julgamento do RE 576.704/PR. Por isso, a exclusão do ICMS só pode ser realizada retroativamente por aqueles contribuintes que tenham ajuizado ações até e inclusive no dia 15/03/2017. Os demais permanecem sujeitos ao pagamento integral das contribuições com o ICMS na base de cálculo até a referida data.  

Argumentou, ainda, que o entendimento se estende para aqueles contribuintes que tiveram decisão desfavorável, contrária ao posicionamento posteriormente adotado pelo STF, transitada em julgado, ou para os que tenham desistido das suas ações. Ou seja, para todos esses não seria possível excluir o ICMS com relação a período anterior ao do julgamento do Recurso Extraordinário. 

Para Marina Marinho, sócia do CCA, o posicionamento da PGFN evita a judicialização desnecessária de uma questão que não foi, como reconhecido no Parecer, objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal. “Em razão de a não cumulatividade do PIS/Cofins não é do tipo ‘tributo x tributo’, a decisão envolvendo a base de cálculo das contribuições não impacta o creditamento. Como muito bem explicado pelo Ministro Gilmar Mendes na decisão sobre o RE 607.109 (Tema 304 da RG), a não cumulatividade das contribuições sociais ocasiona a diminuição do impacto financeiro da tributação em cascata para o consumidor final, não havendo, porque impossível, a neutralização do tributo pago na etapa anterior.” Além disso, nossa sócia chama atenção para o fato de a PGFN recomendar a edição de normativo para determinar o que compõe o custo de aquisição das mercadorias creditáveis. “No nosso entendimento, uma vez que a discussão a respeito do custo de aquisição das mercadorias, para fins de creditamento, não guardar qualquer relação com a base de cálculo das contribuições, a única forma de excluir o ICMS desse montante seria realmente com a edição de lei formal. Ainda assim, haveria discussão, por exemplo, com relação ao ICMS não recuperável, que não foi resguardado pela IN 1.919/2019, ao contrário do IPI.”