Palavras-chave: , , ,

STF encerrou, depois de 5 anos, o julgamento sobre a incidência do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins.  Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nosso sócio fundador Paulo Coimbra comenta sobre a decisão e seus impactos. Leia no recorte abaixo: 

 

Modulação temporal no caso do ICMS na base de PIS/Cofins ajuda a perpetuar insegurança jurídica

Depois de cinco anos de expectativa, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfim encerrou o julgamento da questão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. O julgamento do mérito — pela inconstitucionalidade da inserção — já havia sido concluído em março de 2017, mas a apresentação de embargos de declaração pela Fazenda Nacional mais uma vez colocou suspense no ar. O fisco reivindicou a determinação de qual ICMS seria desconsiderado da base de cálculo: aquele constante da nota fiscal ou o efetivamente recolhido (no fim, prevaleceu o da nota fiscal).

O atual julgamento também resultou em modulação de efeitos quanto aos prazos para devolução de valores pagos a mais pelos contribuintes. Se o STF decidisse pela devolução de anos anteriores sem modulação o governo estimava ter de desembolsar cerca de 250 bilhões de reais.

A conclusão do julgamento, no entanto, não significa necessariamente diminuição da insegurança jurídica relacionada a tributos no Brasil. “Estima-se que a maior parte das empresas, sobretudo pequenas e médias, não tenham ajuizado suas ações anteriormente e representam o maior número de contribuintes afetados com a modulação dos efeitos da recente decisão do STF, acabando por terem que suportar, ao menos em período pretérito, uma incidência inconstitucional”, observa Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados.

A seguir, Coimbra comenta em detalhes outros aspectos do julgamento da chamada “tese do século” na área de tributação.

 

O STF finalizou recentemente o julgamento que tratava do alcance temporal do ressarcimento dos valores pagos a mais com o ICMS considerado na base de cálculo do PIS e da Cofins. Qual a sua avaliação sobre o resultado do julgamento?

Entendemos que o resultado final do julgamento, guardadas as devidas proporções, foi positivo para os contribuintes e deu contornos mais firmes para todas as partes envolvidas. A clareza resultante ao final pôs uma pá de cal a uma discussão daí advinda, arquitetada pela Receita Federal e manifestada na Solução de Consulta Interna da Receita Federal do Brasil (SCI/COSIT nº 13/2018), que tinha uma interpretação restritiva da decisão até então proferida pelo STF.

Contudo, o universo de contribuintes favorecidos reduziu-se, na medida em que somente aqueles que protocolaram ações judiciais e administrativas até a data da sessão em que proferido o julgamento do STF acerca do mérito da decisão — qual seja, 15 de março de 2017 — poderão compensar créditos pretéritos (cinco anos anteriores à data de protocolamento da ação).

Em exemplificação emblemática, um contribuinte que tiver incluído o ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins e tiver ajuizada a ação em 16 de março de 2017, um dia depois da sessão, somente poderá reaver o crédito referente ao dia anterior. Caso tivesse ajuizada a ação no dia 14 de março de 2017, ou seja, um dia antes da sessão, poderia reaver créditos desde cinco anos anteriores, ou seja, desde 14 de março de 2012. Nesse sentido, a modulação trará distorções evidentes, sobretudo para empresas que foram mais lentas no ajuizamento de sua demanda. Estima-se que a maior parte das empresas, sobretudo pequenas e médias, não tenham ajuizado suas ações anteriormente e representam o maior número de contribuintes afetados com a modulação dos efeitos da recente decisão do STF, acabando por terem que suportar, ao menos em período pretérito, uma incidência inconstitucional (lamente-se).

 

Na sua opinião, a decisão dos ministros afeta os contribuintes? De que maneira?

Os contribuintes poderão utilizar do valor de ICMS destacado nas notas fiscais para fins de compensação tributária, o que representa um volume de recursos muito maior do que se fosse acolhida a pretensão fazendária de que o valor de ICMS a ser utilizado para tal fim seria o efetivamente recolhido. Isso ocorre pois como o ICMS é um tributo não-cumulativo, os créditos adquiridos nas etapas anteriores da cadeia de produção são utilizados para fins de cálculo do imposto, o que representa, para grande parte dos setores econômicos, um valor quase sempre menor do que o do destacado na nota fiscal da venda a consumidor intermediário ou final. Para o caso do Estado de São Paulo, por exemplo, em uma média geral, desconsiderando-se as peculiaridades de cada setor, o valor do ICMS destacado nas notas fiscais equivale a duas vezes o valor efetivamente arrecadado, o que, em termos absolutos, significa valores vultosos.

Ademais, estabeleceu-se um corte temporal para os contribuintes que ajuizaram ações posteriormente a 15 de março 2017. O julgado sedimentou a posição de que aqueles que porventura tenham erroneamente incluído o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS posteriormente à sessão do STF que afastou a inclusão ou que tenham utilizado o valor de ICMS efetivamente recolhido em vez daquele destacado da nota poderão ter seus créditos reavidos contados da data da sessão e conforme a orientação emanada da decisão.

É de se frisar que a Receita Federal já reconhecia a possibilidade da compensação administrativamente a partir de 15 de março de 2017, posição vincada pela SCI/COSIT nº 13/2018, sem a necessidade de propositura de ação, discordando apenas em relação ao valor de ICMS a ser utilizado como referência no pedido de restituição — se o destacado da nota fiscal ou o efetivamente recolhido, tendo o fisco entendido por esta última opção. Esse entendimento restritivo ficou superado pela decisão do final do STF que, em nossa avaliação, foi correta. Afinal, o que foi acrescido na base do PIS e da Cofins não foi o valor do ICMS efetivamente pago, mas sim o ICMS destacado nas notas de vendas emitidas.

Apesar de algumas certezas, ainda se vislumbra a possibilidade de novos desdobramentos decorrentes da decisão do STF, recrudescendo o já conflituoso relacionamento entre fisco e contribuintes. Há em alguns receio de que o fisco busque expurgar dos créditos de PIS e Cofins o valor do ICMS incidente nas operações de entrada. Possivelmente essa novela ainda renderá longos capítulos.

 

Quais contribuintes podem se beneficiar do resultado do julgamento?

No geral, todos os contribuintes serão beneficiados, podendo se vislumbrar dois grandes cenários. Os contribuintes que protocolaram ações judiciais e administrativas até a data da sessão em que proferido o julgamento do STF — recorde-se, 15 de março de 2017 — poderão realizar a compensação tributária desde os cinco anos anteriores à data da propositura da ação. Assim, um contribuinte que tenha ajuizada uma ação em 2005, poderá reaver 21 anos de créditos a serem compensados (desde 2000 até o presente ano, de 2021).

Por outro lado, os contribuintes que não ajuizaram ações até 15 de março de 2017 e que incluíram o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS ou que utilizaram como valor de referência o valor de ICMS recolhido poderão pleitear administrativamente a recuperação dos créditos alusivos.

Deve-se entrever que alguns setores serão mais beneficiados do que outros, sobretudo aqueles em que o ICMS destacado na nota tem valor bem superior ao do efetivamente recolhido — como é o caso dos setores farmacêutico, químico e da indústria em geral, que nos últimos tempos foram contemplados com regimes especiais de ICMS nas mais diversas unidades federativas.

 

O que a conclusão do julgamento representa em termos de segurança jurídica?

O julgado representou uma pá de cal em questionamentos que poderiam aumentar a litigiosidade — por exemplo, se o valor de referência a ser utilizado para fins de compensação seria o do ICMS destacado na nota ou o efetivamente recolhido. Ademais, pavimentou caminho para que a perniciosa sistemática de inclusão de tributos no cálculo da base de outros seja, enfim, afastada, a exemplo do que ocorre, também, na inclusão do imposto sobre serviços (ISS) na base de cálculo do PIS/COFINS ou no caso da inclusão do imposto de renda (IR) na base de cálculo da contribuição para o desenvolvimento econômico sobre remessas ao exterior (CIDE-royalties).

Quando um tributo incide sobre outro há um efeito em cascata em progressão geométrica, que tende a comprometer seriamente a capacidade contributiva.

 

Fonte: Legislação & Mercados