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A Receita Federal recentemente tomou uma decisão que permite aos contribuintes obter descontos em multas de ofício nos casos em que houve julgamento desfavorável no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Essa multa corresponde a 75% do valor que o contribuinte não pagou e o percentual dobra se for identificada fraude. A decisão está na Cosit nº 1, editada no dia 3 de fevereiro de 2021.

Conforme estabelece a Solução de Consulta Interna (Cosit) nº 1/21, os contribuintes terão desconto de 30% no valor da multa se o pagamento for feito à vista e de 20% no caso de a opção ser o parcelamento. O prazo máximo é de 30 dias após a decisão administrativa. A adesão só é válida se o contribuinte não levou a questão para o Judiciário.

Como explica Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados, a Solução de Consulta Interna (SCI) é um expediente administrativo utilizado no âmbito da Receita Federal que serve à resolução de dúvidas dos próprios agentes do fisco quanto à interpretação e consequente aplicação da lei tributária, aduaneira ou correlata. “Uma vez publicada a SCI, esta vincula a ação dos agentes do fisco”, destaca.

A seguir, Coimbra comenta sobre outros aspectos da Cosit nº 1/21 e de detalhes do funcionamento desse expediente.

 

Em linhas gerais, o que diz a Solução de Consulta Interna (Cosit) nº 1, de 3 de fevereiro de 2021?

Primeiramente, é necessário entender o que é uma Solução de Consulta Interna (SCI). Esse expediente administrativo utilizado no âmbito da Receita Federal serve à resolução de dúvidas dos próprios agentes do fisco quanto à interpretação e consequente aplicação da lei tributária, aduaneira ou correlata. Uma vez publicada a SCI, esta vincula a ação dos agentes do fisco.

A Cosit nº 1, de 3 de fevereiro de 2021, trata da divergência quanto à interpretação da norma extraída do artigo 6º da Lei 8.218/91, que prevê a redução do valor das multas tributárias se o contribuinte paga, compensa ou parcela os valores devidos dentro de um determinado prazo.

Nas hipóteses em que o contribuinte deixa de pagar um tributo devido, ou mesmo o paga com atraso, tem-se como consequente a incidência de uma multa, que pode chegar a até o valor de 150% do valor do tributo que era devido. O que o dispositivo do artigo 6º diz é o seguinte: se o contribuinte é notificado do lançamento de um tributo e da multa, e adimple ou parcelas esses valores em até 30 dias, haverá uma redução do valor da multa (não do valor total da obrigação tributária). Se ele paga ou compensa o valor, a redução é de 50%. Se ele parcela o valor, a redução é de 40%.

Ocorre que o contribuinte pode discordar do lançamento e impugná-lo administrativamente, dando-se início ao processo tributário administrativo. Se a autoridade administrativa fazendária, no caso, a Delegacia de Receita Federal de Julgamento (DRJ), órgão colegiado composto por 5 a 7 membros, entender que o tributo e a multa são devidos, abre-se ainda a possibilidade para que o contribuinte, notificado da decisão, pague, compense ou parcele, em até 30 dias, os valores mencionados com desconto no valor da multa, mas em faixas percentuais menores. Nessa hipótese, ele terá um desconto de 30% do valor caso pague ou compense, ou de 20%, caso parcele.

Não obstante, a DRJ pode considerar que não seja devido, total ou parcialmente, o valor do tributo e o da multa. Caso esse valor somado (tributos e multas reduzidos) supere, atualmente, 2,5 milhões de reais (conforme Portaria MF nº 63/17), obrigatoriamente o presidente da turma de julgamento da DRJ deverá recorrer dessa decisão (recurso de ofício), subindo-se o processo às turmas do Carf, órgão administrativo fazendário de julgamento de segunda instância. Se esse recurso interposto pelo presidente da DRJ for provido pela turma julgadora do Carf, abre-se a possibilidade ao contribuinte, em até 30 dias, contados da data de sua notificação, pagar, compensar ou parcelar o valor do encargo financeiro com a mesma redução prevista no valor da multa descrita no parágrafo anterior (30% no caso de pagamento ou compensação, ou 20% no caso de parcelamento).

A Cosit nº 1/21 trata de uma questão ligeiramente distinta. Se o recurso de ofício for desprovido pela turma julgadora do Carf, com a manutenção da redução dos tributária e dos encargos de multa, é possível ao procurador da Fazenda Nacional interpor um outro recurso contra essa decisão (o recurso especial de divergência), que será julgado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), órgão também da estrutura do Carf. Se uma das turmas ou o pleno do CSRF der provimento a esse recurso especial de divergência, havia uma dúvida dos agentes fiscais se se manteriam aplicáveis os descontos relativos ao valor da multa caso os encargos fossem pagos, compensados ou parcelados em até 30 dias da notificação dessa decisão.

De forma justa (poder-se-ia dizer até mesmo preclara e óbvia), entendeu a Coordenação-Geral de Tributação afirmativamente, no sentido de que, sim, os descontos são aplicáveis. O raciocínio desenvolvido foi o seguinte: a lógica estabelecida na lei é que, uma vez que o contribuinte, quando do resultado do recurso de ofício, não teve a oportunidade de exercer seu direito à redução, tendo em vista que o crédito tributário se encontrava exonerado, terá essa oportunidade após o restabelecimento do crédito tributário. De modo equivalente, quando do resultado do recurso especial do procurador da Fazenda Nacional, restabelecendo o crédito tributário, o contribuinte deverá ter o direito à redução. Frise-se que o recurso especial do procurador, da mesma forma que o recurso de ofício, não é apresentado inicialmente pelo contribuinte, ou seja, tem o mesmo efeito prático, haja vista que a continuidade do litígio partiu do próprio fisco.

 

Em que medida a nova orientação pode favorecer os contribuintes? Haveria muitos beneficiários do desconto?

A nova orientação oportunizará a alguns dos contribuintes que têm resultados desfavoráveis nos julgamentos da CSRF que provêm recursos de divergência pagarem, compensarem ou parcelarem os valores com desconto no valor relativo à multa (30% no caso de pagamento ou compensação, 20% no caso de parcelamento, as três hipóteses em até 30 dias da notificação da decisão).

Ocorre que o universo de contribuintes beneficiários da interpretação consolidada pela SCI nº 1/21 é notadamente restrito. Isso porque somente se trata de casos em que, em primeira instância, o fisco exonerou o contribuinte (total ou parcialmente) dos encargos financeiros, mas que, por força de lei, é obrigado a recorrer de sua própria decisão, que é mantida em segunda instância por uma das turmas julgadoras do Carf, mas que é ulteriormente reformada pela CSRF ao apreciar o recurso especial de divergência interposto pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Trata-se de um roteiro processual restrito e, estima-se, não tão frequente.

Cabe observar que se extrai dos dados abertos do Carf que o estoque de processos no órgão era, em janeiro de 2021, de 101.600. Menos de mil tratavam de recursos especiais de divergência na CSRF, ou seja, menos de 1% dos casos. E, pela prática forense vivenciada, certamente a minoria desses 1% segue esse roteiro processual.

Haja vista que as causas em julgamento no Carf envolvem valores milionários, podendo se chegar à casa das dezenas ou até mesmo centenas de bilhões de reais, em números absolutos, os descontos nas multas podem ser significativos para alguns dos contribuintes afetados. Todavia, não se deve esquecer que também se abre a possibilidade de a obrigação tributária e a multa serem discutidas no âmbito do Poder Judiciário. O contribuinte, assessorado pelo seu patrono, deverá ponderar, sopesar, sobre se a redução no valor da multa compensaria o não ingresso no judiciário em defesa de seus direitos.

 

Do que trata o caso concreto que motivou a Cosit nº 1/21?

A consulta foi formulada pela extinta Coordenação-Geral de Arrecadação e Cobrança (Codac), órgão que gerenciava as atividades relativas à gestão e à cobrança do crédito tributário — atribuições hoje absorvidas pela Coordenação-Geral de Administração do Crédito Tributário (Corat) — acerca da interpretação e da aplicação do artigo 6º da Lei 8.218/91. Foi feita uma consulta em que o contribuinte havia sido exonerado do pagamento do tributo e encargos de multa em primeira instância, mantida essa decisão em uma das turmas do Carf, sendo reformado esse entendimento na CSRF.

Entendemos correta a decisão consignada na resposta, porquanto, deve-se recordar, a exigência de multas se sujeita à equidade e à analogia, recursos valiosos previstos no Código Tributário Nacional (CTN) e raramente aplicados em favor dos contribuintes. No mais das vezes, especialmente a equidade, é olvidada pelas autoridades fiscais.

 

São comuns medidas como essas por parte da Receita Federal? Ou se trata de situações excepcionais?

Trata-se de casos excepcionalíssimos, que, como dito, abrangem a minoria de 1% dos casos levados a julgamento na CSRF do Carf.

E, desafortunadamente, incomuns são as decisões da Cosit que sejam favoráveis aos contribuintes (que na realidade deveria se tratar de direitos destes), permitindo descontos nas multas de ofício, ou que não sejam utilizados argumentos, como na maior parte das vezes, in dubio pro fiscum ou que inflacionem artificialmente o valor da dívida ativa, não raras vezes revertidos no Judiciário.

 

Fonte: Legislação & Mercados