Os sócios Paulo Coimbra e Onofre Batista comentam em artigo publicação no Jota, nesta quinta-feira, sobre a tributação da assistência médica pelas contribuições previdenciárias. Eles esclareceram que a não incidência sobre todo o valor do benefício (tanto a parte arcada pelo empregador quanto a parte descontada do empregado) privilegia o direito fundamental à saúde. Confira abaixo, no trecho recortado do artigo, suas considerações acerca do tema:

 

O absurdo de se tributar assistência médica e a Súmula 646 do STJ

Não-incidência sobre o valor total da verba de saúde privilegia e realiza o direito fundamental à saúde

Recentemente, uma questão tormentosa vem sendo enfrentada aos montes pelos tribunais do país, gerando grave insegurança jurídica. Trata-se da tentativa da Receita Federal do Brasil (RFB) de fazer incidir Contribuições Previdenciárias Patronais (CPP) e Contribuições de Terceiros (Contribuições Sociais do “Sistema S”) sobre despesas custeadas pelas empresas com a assistência à saúde e odontológica dos trabalhadores e que são descontadas da remuneração do empregado.

Os tribunais vinham atendendo ao mandamento expresso da lei até que a questão foi desvirtuada pela RFB por meio de soluções de consulta. Como ressabido, muitas vezes, as soluções de consulta, ao invés de solucionar as dúvidas dos contribuintes e consolidar um entendimento mais consentâneo com os mandamentos de legalidade e de justiça, acabam passando a servir aos interesses meramente arrecadatórios do Erário, funcionando como uma espécie de mecanismo indutor da jurisprudência administrativa e judicial. Foi assim que a jurisprudência que ia se pacificando em uma direção, começou a vacilar.

A Súmula 646 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovada no dia 12 de março de 2021, trata de tema similar e que lança luzes sobre a análise da questão, devendo ajudar a se colocar uma pedra por sobre essas discussões, como se pretende mostrar.

A questão diz respeito ao debate acerca da não incidência das CPP e das Contribuições de Terceiros por sobre DESCONTOS destinados ao custeio de assistência médica e odontológica do trabalhador brasileiro.

O imbróglio se formou, sobretudo, com a Solução de Consulta COSIT nº 04/2019, segundo a qual “o valor descontado do trabalhador fez parte de sua remuneração e não pode ser excluído da base de cálculo das CP”.

Em outras palavras, o Fisco argumenta que a assistência médica/odontológica custeada por meio de desconto (de coparticipação) é efetuado no próprio salário do trabalhador, portanto, está sujeito à incidência dos tributos referidos.

Como consabido, diversos brasileiros buscam se filiar diariamente a planos de saúde para obter uma assistência de melhor qualidade para sua família. Foi buscando harmonizar as relações entre capital e trabalho que o Direito Tributário Previdenciário pátrio, em boa hora, passou a incentivar as empresas a disponibilizarem para seus empregados assistência médica e odontológica custeada em regime de coparticipação, de forma que parte da despesa é assumida pelo empregador, e parte dela custeada pelo empregado, por meio de dedução em sua folha de pagamento.

O Direito Tributário, assim, cumprindo sua finalidade extrafiscal, passou a favorecer a tributação das empresas (no caso CPP e Contribuição de Terceiros) para que elas passassem a custear a assistência à saúde do trabalhador.

Por outro giro, cabe registrar que o benefício tributário alivia o próprio Poder Público do cumprimento de seu dever constitucional de garantir saúde para os cidadãos, como determina o art. 196 da CRFB/1988.

Como se sabe, as CPP e as contribuições de terceiros, nos termos do art. 195, I, “a”, da CRFB/1988, recaem sobre a “folha de salários” e sobre os “rendimentos pagos ou creditados” ao trabalhador.

Nesse sentido, o tributo incide apenas sobre a verba paga para o empregado como “contraprestação pelo trabalho”. Ficam, assim, afastadas da possibilidade de incidência da CPP as verbas de cunho não-remuneratório (seja por expressa determinação de lei, seja por se tratar de valores dispendidos “para o trabalho”).

A Lei 8.212/91 definiu, em seu art. 22, I, que a CPP deve incidir sobre o total das remunerações pagas aos segurados destinadas a retribuir o trabalho. O § 2º do art. 22 determina expressamente que “não integram a remuneração” as parcelas de que trata o § 9º do art. 28.

O art. 28, § 9º, “q”,  determina que “não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente, o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares.”

Conclui-se, assim, a toda evidência, que a base de cálculo da CPP é composta pelas verbas remuneratórias e as parcelas de que trata o § 9º do art. 28, independentemente de sua natureza, não são consideradas remuneração (para fins tributários) em razão de previsão expressa de lei.

Seja porque esses valores dizem respeito a verba não-remuneratória por natureza, seja porque cumprem função extrafiscal relevante, o art. 28, § 9º, “q”, exclui expressamente essas parcelas da remuneração.

Portanto, elas não fazem parte da base de cálculo das CPP nem das Contribuições de Terceiros. A base de cálculo, assim, vem expressamente determinada pela lei, deixando de fora essas parcelas.

Nessa mesma sintonia, o art. 458, § 2º, da CLT determina que, para seus efeitos, “não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:  […]; IV – Assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde; […].”

O § 5o arremata a questão firmando que “o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio ou não, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares, mesmo quando concedido em diferentes modalidades de planos e coberturas, não integram o salário do empregado para qualquer efeito nem o salário de contribuição, para efeitos do previsto na alínea q do § 9º do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.”

As leis tributárias e trabalhistas são muito claras!

É como se o direito pátrio firmasse que, de jeito nenhum, as importâncias pagas a título de assistência à saúde do trabalhador podem integrar a remuneração para fins tributários!

Essas verbas não constituem base de incidência de qualquer encargo previdenciário.

A não-incidência por sobre as verbas de saúde está consonante com o direito social garantido pelo art. 6º da CRFB/1988, uma vez que a SAÚDE é direito fundamental de índole constitucional e seu provimento exsurge como dever de Estado, que tem a incumbência de promovê-lo e garanti-lo.

Enfim, não incide tributo sobre as VERBAS DE SAÚDE porque a saúde é DEVER DO ESTADO e quem a promove favorece o atendimento a um DIREITO FUNDAMENTAL SUBJETIVO PÚBLICO DO CIDADÃO.

 

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