Em artigo publicado pela Revista Mercado Comum, esta semana, os sócios do CCBA, Onofre Alves Batista e Paulo Roberto Coimbra, comentam sobre o retorno ao trabalho presencial de gestantes afastadas em função da pandemia e levantam o questionamento sobre a responsabilidade do custeio da remuneração devida: poder público ou empregador.

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A Lei nº 14.311/2022, publicada no dia 10/03, que regulamenta o retorno ao trabalho presencial de gestantes afastadas em função da pandemia, já chega trazendo polêmicas. Segundo dispõe a nova lei, estas trabalhadoras poderão voltar ao seu local de trabalho após sua vacinação completa contra o novo coronavírus ou mediante a assinatura de um termo de responsabilidade, para aquelas que decidirem não se vacinar. O texto publicado pela Presidência, porém, contou com vetos relevantes ao projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, no que diz respeito ao custeio da remuneração das gestantes afastadas. Afinal, quem pagará essa conta?

Aprovado pelo plenário da Câmara, o texto do projeto foi encaminhado ao Senado Federal com emendas, e foi remetido de volta à Câmara para análise das alterações. Em sequência, a Câmara rejeitou as revisões do Senado, no dia 16/02/2022, encaminhando, para a Presidência da República, o texto aprovado em outubro de 2021. Por fim, a sanção presidencial ocorreu – com vetos a alguns dispositivos – no dia 09/03/2022, com a lei entrando em vigor no dia seguinte, 10/03/2022, data de sua publicação.

Na verdade, a Lei nº 14.311/22 altera a Lei nº 14.151/2021, que já disciplinava o trabalho a distância de empregadas gestantes. Antes da entrada em vigor da nova lei, a norma estabelecia que as empregadas gestantes deveriam permanecer afastadas do trabalho presencial durante a pandemia, devendo, contudo, ficar disponíveis para, se possível, seguir desempenhando suas funções via trabalho a distância.

A Lei nº 14.151/2021 determinava que a remuneração devida à gestante não poderia ser suprimida durante o período de afastamento, sem definir a quem caberia a responsabilidade pelo pagamento nos casos de impossibilidade do exercício da atividade laboral a distância. O TRF-4 e o TRF-3 já haviam decidido favoravelmente à possibilidade de “compensação”, como salário-maternidade, dos valores pagos às trabalhadoras gestantes afastadas, sob o entendimento de que estas verbas deveriam ser suportadas pelo Poder Público, e não pelo empregador, tendo em vista que têm natureza de benefício previdenciário.

Em 2021, o entendimento adotado em algumas manifestações do Judiciário foi o de que os benefícios instituídos pela Lei nº 14.151/2021 têm verdadeira natureza de salário-maternidade antecipado, ônus a ser suportado pela coletividade por força do princípio da solidariedade social. No julgamento da ADI nº 5938, que tratava da constitucionalidade de se condicionar o afastamento de gestantes de atividades insalubres à existência de atestado médico recomendando tal afastamento (art. 394-A, CLT), o STF reconheceu, com acerto, que o salário-maternidade antecipado é ônus do INSS e não do empregador. De forma similar, a Receita Federal também se posicionou, por meio da Solução de Consulta nº 287 de 2019, a respeito do direito do contribuinte de compensar integralmente o salário-maternidade nos casos de afastamento por insalubridade do ambiente de trabalho, por configurar gravidez de risco.

Nesse contexto, o PL nº 2058/2021, que deu origem à lei publicada no dia 09/03/2022, também previa expressamente a substituição do pagamento de remuneração, que ocorreria às custas do empregador, pela concessão de salário-maternidade, custeado pelo Poder Público, nos casos em que for impossível o exercício da atividade laboral a distância. A adoção expressa do salário-maternidade como ferramenta para o custeio dos pagamentos às gestantes afastadas garantiria o direito social de proteção à maternidade, de forma a evitar que se acentue a desigualdade de gênero nos postos de trabalho.

Contudo, os trechos do projeto de lei que diziam respeito a essa substituição foram objeto de veto pelo Presidente da República. Expondo as razões dos vetos, a Presidência afirmou que a proposição contraria o interesse público, ao supostamente aplicar de maneira indevida o auxílio-maternidade. Além disso, o Executivo também argumentou que haveria risco de aumentar sobremaneira as despesas vinculadas à seguridade social, colocando em risco a sustentabilidade da Previdência e violando, entre outros dispositivos constitucionais, a regra que veda o aumento de despesas sem identificação da fonte de custeio. O veto presencial sofre de fortes equívocos em sua fundamentação. O Poder Judiciário já havia proferido decisões, ao longo do último ano, em que se reconhecia que a concessão do salário-maternidade às gestantes afastadas é inarredável direito social destas trabalhadoras. Com isso, caem por terra os dois pilares de sustentação do veto presidencial: por um lado, não se pode falar de modo algum em aplicação indevida do salário-maternidade, pois a concessão deste representa justamente a efetivação de um direito das trabalhadoras gestantes. De outra margem, não ocorre criação ou ampliação de benefício, mas apenas sua concessão a quem, na legislação já em vigor, tem direito a esta ferramenta de proteção da maternidade.

Por isso, parece acertado que as empresas que realizaram os pagamentos busquem  compensar, como salário-maternidade, os valores pagos a estas trabalhadoras, porque a verba prevista na  Lei nº 14.151/2021 tem natureza de benefício previdenciário e, como tal, pode ser objeto de compensação pela empresa. A possibilidade de compensação destes valores como salário-maternidade decorre da própria Constituição. Como reconhecido pelo STF na ADI nº 5938, em uma sociedade calcada em princípios constitucionais como o da solidariedade social, os custos da concretização de direitos sociais como o da proteção à maternidade devem recair não sobre o empregador, mas sim sobre toda a coletividade. Em nosso ordenamento jurídico, financiar a Seguridade Social, direta ou indiretamente, é um dever coletivo.

 

Fonte: www.mercadocomum.com