Há alguns dias, a equipe econômica do Governo Federal sugeriu uma mudança no “come-cotas” – técnica de tributação da renda na fonte dos cotistas de fundos de investimento abertos. Com a mudança, a cobrança passaria de duas para uma vez por ano. Medida facilitaria arrecadação e aumentaria atratividade dos produtos. Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nosso sócio Paulo Coimbra comenta sobre o assunto. Leia no recorte abaixo:

 

De acordo com publicação do jornal Valor Econômico, a equipe econômica estaria planejando instituir o come-cotas anual para os fundos de investimento. Se a mudança for de fato implementada, os cotistas dos fundos elegíveis à tributação pelo imposto de renda deixariam de pagar em duas “parcelas” durante o ano, em maio e novembro, como acontece hoje. Nesses meses, pela sistemática atual, os investidores veem diminuída a quantidade de cotas que detém, proporcionalmente à alíquota devida do imposto.

“É importante frisar que o imposto incidirá sobre o rendimento auferido, ou seja, o ganho de capital, e não sobre o valor da cota inicialmente investida. Não é possível a cobrança do imposto se houver prejuízo do fundo no período de apuração”, ressalta Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados.

A intenção do governo seria otimizar a cobrança — uma data única, desse ponto de vista, facilitaria os trâmites da Receita Federal — e melhorar a atratividade desse tipo de investimento, já que eventualmente a ideia de um pagamento único aumentaria a atratividade desses produtos.

A seguir, Coimbra detalha outros aspectos do come-cotas e da tributação de fundos de investimento.

 

Em que consiste o mecanismo de come-cotas na indústria de fundos de investimento? Como funciona hoje?

O come-cotas consiste numa técnica de tributação da renda na fonte dos cotistas de fundos de investimento abertos cujas carteiras de títulos sejam de curto prazo (resgate em período igual ou inferior a 365 dias) ou de longo prazo (resgate em período igual ou maior a 365 dias). Em geral, enquadram-se nessa tributação fundos de investimento em renda fixa, fundos cambiais e fundos multimercados. Por outro lado, são excluídos dessa modalidade de tributação outros fundos que comumente atraem investidores, como os fundos de investimento imobiliário (FIIs), os fundos de previdência privada (FPPs), os fundos de investimento fechados, os fundos de debêntures incentivadas (FDIs ou DIs), os fundos de investimento em participações (FIPs) os fundos de investimento em ações (FIAs), dentre outros.

Conforme a legislação em vigor, nos últimos dias úteis dos meses de maio e de novembro de cada ano (portanto, semestralmente), incide imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre os rendimentos auferidos pelo beneficiário das aplicações, à alíquota de 20% nos fundos de investimento a curto prazo e 15% nos fundos de longo prazo. Para fundos com prazo de carência de até 90 dias, a data de retenção será a do dia de vencimento da carência.

Em outras palavras, há uma antecipação do imposto de renda que seria devido quando do resgate da cota valorizada. Na prática, quando o fundo é superavitário, como há um acréscimo proporcional do valor de todas as cotas adquiridas, o imposto é cobrado por meio desse valor — por isso o nome eufônico (melódico) “come-cotas”.

É importante frisar que o imposto incidirá sobre o rendimento auferido, ou seja, o ganho de capital, e não sobre o valor da cota inicialmente investida. Não é possível a cobrança do imposto se houver prejuízo do fundo no período de apuração. Ademais, por ocasião do resgate, incidirá uma alíquota complementar do imposto de renda, que será de 7,5% para fundos em aplicações com prazos de vencimento em até 180 dias, 5% para os que têm prazos de 181 a 360 dias.

 

A mudança da periodicidade ajudaria a arrecadação? Em que sentido?

Em termos operacionais, a mudança da periodicidade da retenção do imposto de renda, que passaria de semestral para anual, traria pouco ou quase nenhum efeito para os trabalhos de arrecadação. Como as informações financeiras das aplicações de fundos de investimento são todas informatizadas e de fácil conferência, não haveria maiores ganhos de produtividade dos analistas e auditores da Receita Federal do Brasil na verificação da documentação fiscal, na homologação das declarações transmitidas e, se fosse o caso, na aplicação de penalidades.

No entanto, sob um olhar negocial, a expectativa é de que uma mudança na periodicidade tornaria mais atrativos os aportes aos fundos de investimento. Sem contar numa alteração significativa no fluxo de caixa financeiro da União — que receberia os recursos anualmente —, os fundos, com o recolhimento anual, poderiam destacar maior numerário financeiro durante o ano para investimento, podendo gerar melhor performance para os fundos. Nesse sentido, numa visão mais ampla, poderia se vislumbrar um aumento na arrecadação.

 

Para os gestores de fundos, a mudança seria positiva? Por quê?

Para os gestores de fundos, a mudança seria positiva na medida em que um numerário maior ficaria à disposição do gestor durante o ano para investimento, o que, em tese, poderia ensejar maior rentabilidade para o fundo e tornaria essa modalidade de fundos mais atrativa para investidores, trazendo consigo uma maior captação líquida. Sem falar na diminuição dos trabalhos burocráticos de preenchimento das obrigações acessórias referentes à retenção e ao recolhimento do imposto.

 

Na sua opinião, os tributos incidentes sobre fundos de investimento, considerando os produtos de varejo de uma maneira geral, prejudicam de alguma forma a atratividade dessa indústria?

Entendo que pouco prejudica. A partir dos dados extraídos do último boletim divulgado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), publicado mensalmente, os fundos de investimento que operam no Brasil ostentam um patrimônio líquido de cerca de 6,52 trilhões de reais, sendo os fundos de renda fixa os mais representativos do setor (2,331 trilhões de reais), seguidos pelos fundos multimercados (1,538 trilhão de reais), de previdência (1,016 trilhão de reais) e de ações (687 bilhões de reais). Nesse sentido, é possível observar que, apesar de a sistemática do come-cotas consistir em um desincentivo à atratividade dessa indústria, não constitui o principal fator na alocação de recursos pelos atores econômicos, que se pauta sobretudo em sua rentabilidade líquida (após pagos os tributos) e volatilidade dos investimentos.

Não obstante, cabe observar que há um relativo consenso na literatura econômica sobre a importância que os fundos de investimento desempenham para o impulso econômico de um país, sobretudo em períodos pós-crise, como o que ora vivenciamos com a pandemia de covid-19. Nesse sentido, modificações na legislação tributária serão sempre bem-vindas aos contribuintes e à economia em geral acaso diminuam a burocracia no cumprimento de obrigações acessórias (diminuição do custo-Brasil) ou reduzam o montante do valor principal a se pagar.

É importante também frisar que, para além da anualização, a equipe econômica do governo federal estuda a redução da alíquota do come-cotas para os fundos de investimento de curto prazo, igualando-a aos fundos de longo prazo (15%). Isso provocaria um impacto considerável no planejamento dos agentes econômicos, haja vista que os fundos de curto prazo apresentam, em regra, menor risco, mas sobre cujos rendimentos auferidos incidem nas maiores faixas percentuais a título de imposto de renda (22,5 ou 20%). Considerando que cerca de 85% da população brasileira ainda investe a maior parte de seus recursos em cadernetas de poupança — que rendem, regularmente, valores menores do que as taxa de juros e de inflação — e que a poupança apresentou ao final do ano de 2020 um estoque de cerca de 1 trilhão de reais, é possível ter expectativas sobre o deslocamento de fatia desse estoque para o mercado dos fundos de investimento, o que geraria efeitos benéficos para a economia como um todo.

 

 

Fonte: Legislação & Mercados