Mais parcimônia no uso da desconsideração da personalidade jurídica. Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nossa sócia Juliana Farah fala sobre a decisão da Corte Especial do STJ e seu impacto sobre os pedidos de IDPJ.

Confira no recorte abaixo:

 

Incidentes de Desconsideração de Personalidade Jurídica (IDPJ) devem ser medidas excepcionais, usadas em situações como o desvio de finalidade de uma empresa e a confusão patrimonial entre as pessoas jurídica e física. No entanto, muitos consideram que o instrumento vinha sendo utilizado sem o devido equilíbrio e que não raro os pedidos de IDPJ abarcavam situações não previstas em lei. Recente decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode mudar essa situação, desestimulando ações de IDPJ.

– Como você avalia o papel que os Incidentes de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) vêm desempenhando para que os credores possam recuperar créditos? Esse instrumento tem sido muito relevante e usado com muita frequência?

A limitação da responsabilidade dos sócios nas sociedades limitadas e anônimas configura um dos fundamentos essenciais para o estímulo ao desenvolvimento econômico, permitindo que empreendedores assumam riscos sem comprometer integralmente seu patrimônio pessoal. Tal prerrogativa decorre da autonomia patrimonial conferida pela personalidade jurídica, que transforma a sociedade em um centro autônomo de imputação de direitos e obrigações.

Contudo, em situações de abuso de personalidade jurídica, como o desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o Incidentes de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), regulamentado pelos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil e pelo artigo 50 do Código Civil, surge como instrumento adequado para inclusão dos sócios ou administradores no polo passivo da execução, de modo que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidas aos seus bens particulares.

Embora a desconsideração da personalidade jurídica seja um mecanismo legítimo e cada vez mais presente nos tribunais pátrios, sua concessão não se dá de forma automática, impondo ao credor o ônus de demonstrar, mediante prova concreta, a ocorrência do abuso. Trata-se, portanto, de medida excepcional, cujo deferimento exige a comprovação inequívoca dos requisitos legais, afastando a possibilidade de sua utilização como mero instrumento de coação contra empresários que atuam de boa-fé.

Não obstante, verifica-se com frequência a flexibilização indevida desse instituto, com decisões judiciais que desconsideram a personalidade jurídica sem a observância dos pressupostos legais, muitas vezes fundamentadas unicamente na inexistência de bens penhoráveis em nome da empresa executada. Tal postura compromete a segurança jurídica e impõe um risco patrimonial excessivo aos sócios, desvirtuando a finalidade originária da limitação de responsabilidade e desencorajando investimentos e a livre iniciativa.

Impõe-se, portanto, a necessidade de criteriosa análise por parte do Poder Judiciário quanto à aplicação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, garantindo que sua utilização ocorra de maneira excepcional e devidamente fundamentada. A preservação do equilíbrio entre a tutela dos credores e a manutenção da autonomia patrimonial das sociedades empresárias é essencial para a estabilidade das relações comerciais e para o fortalecimento do ambiente de negócios, evitando que empresários de boa-fé sejam indevidamente penalizados por débitos da pessoa jurídica.

– O que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou recentemente quanto aos honorários de sucumbência que devem ser pagos quando um Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica (IDPJ) for negado?

Recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que é cabível a fixação de honorários de sucumbência nos casos de desprovimento dos Incidentes de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ). O julgamento do Recurso Especial (REsp) 2.072.206/SP representa uma mudança na jurisprudência do tribunal, que anteriormente não admitia a fixação de honorários advocatícios nas decisões que resolviam o IDPJ, por serem consideradas decisões interlocutórias sem previsão expressa no artigo 85, §1º, do CPC.

O relator, ministro Villas Bôas Cueva, argumentou que o IDPJ possui natureza de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido definidos, o que justifica a aplicação dos honorários mesmo na ausência de previsão legal específica.

Com essa mudança, as partes que requerem a desconsideração da personalidade jurídica devem estar cientes de que, caso o pedido seja indeferido, poderão ser condenadas ao pagamento de honorários de sucumbência. Isso reforça a necessidade de um manejo responsável do IDPJ, evitando pedidos infundados que possam resultar em condenações adicionais.

Essa evolução jurisprudencial busca equilibrar os princípios da sucumbência e da causalidade, garantindo que os encargos sejam imputados a quem se utilizou indevidamente do instituto.

 

– Por que a Corte decidiu pelo pagamento de honorários mesmo quando houver a negativa do IDPJ? E de quanto serão esses honorários?

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu que, mesmo quando o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) é rejeitado, é possível a imposição de honorários de sucumbência à parte que invocou a medida indevidamente, fora das hipóteses estritamente previstas em lei.

O STJ não definiu um valor fixo para os honorários, deixando sua fixação a cargo do juiz responsável pelo caso, que deverá observar os critérios estabelecidos no artigo 85 do CPC. Entre esses critérios estão o grau de dedicação do advogado, o local da prestação do serviço, a relevância e complexidade da causa, o trabalho desenvolvido e o tempo despendido para sua execução.

A fixação dos honorários, portanto, será proporcional às particularidades de cada situação, cabendo ao magistrado analisar esses fatores para determinar um valor adequado.

 

– Em sua visão, a decisão tem potencial para impactar os pedidos de IDPJ daqui para a frente? Qual deve ser o impacto sobre credores e devedores?

A decisão possui implicações importantes no âmbito jurídico, afetando tanto credores quanto devedores, e gerando uma necessidade de maior prudência na formulação de pedidos de desconsideração da personalidade jurídica. Isso implica em uma abordagem mais cuidadosa ao recorrer a esse mecanismo processual.

Para os credores, a decisão exige uma análise mais detalhada antes de requerer a desconsideração da personalidade jurídica. O risco de arcar com honorários advocatícios caso o pedido seja negado faz com que seja necessário apresentar, de forma substancial, evidências de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Como resultado, espera-se uma diminuição nos pedidos infundados, já que advogados e credores precisarão reunir provas concretas antes de acionar o Judiciário.

Por sua vez, a decisão do STJ oferece uma proteção adicional para os devedores. Sócios e administradores, que muitas vezes eram incluídos no polo passivo sem uma justificativa clara, agora se beneficiam de uma barreira processual que desestimula pedidos genéricos de desconsideração da personalidade jurídica. Isso fortalece a segurança jurídica das empresas e previne abusos na tentativa de responsabilização pessoal dos sócios sem uma base adequada.

O impacto geral dessa decisão é o estabelecimento de um equilíbrio mais rigoroso no uso da desconsideração da personalidade jurídica. Embora esse mecanismo continue sendo fundamental para combater fraudes e responsabilizar sócios que utilizam a personalidade jurídica de forma indevida, sua aplicação será mais restrita e cuidadosa. A medida não impede a desconsideração, mas cria um filtro que assegura maior responsabilidade na sua utilização.

 

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