No último mês de abrilcompletou um ano da publicação da Lei 13.988/20, que extinguiu o voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nosso sócio fundador Paulo Coimbra comenta sobre o assunto. Leia no recorte abaixo: 

Desde a edição da Lei 13.988, no caso de empate nos julgamentos, a causa é resolvida a favor do contribuinte 

Foi a partir de abril de 2020, com a edição da Lei 13.988, que os contribuintes puderam passar a conviver com disputas no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sem a possibilidade de, em situação de empate, o caso ser resolvido em favor da Fazenda Nacional. A lei acabou com o chamado voto de qualidade, antiga regra de desempate prevista no §9º do art. 25 do Decreto nº 70.235/72. 

Paulo Coimbra destaca a edição de normas infralegais relacionadas à lei. “Foram expedidas normas infralegais buscando restringir a abrangência dos efeitos da Lei 13.988/20 no que se refere ao voto duplo do fisco. De acordo com essas normas, a extinção do voto duplo se daria exclusivamente nos processos que tenham por objeto a cobrança de crédito tributário”, afirma. “Essas restrições são exageradas e devem recrudescer a beligerância que já é bastante alta na relação entre fisco e contribuintes”, acrescenta. 

A seguir, Paulo Coimbra comenta outros aspectos do voto de qualidade e as repercussões de sua extinção. 

 

Redação: No último mês de abril completou um ano a Lei 13.988/20, que extinguiu o voto de qualidade no Carf. Como funcionava o sistema de julgamento antes da lei e como ficou após sua edição? 

Antes da Lei 13.988/20, existia, na verdade, não um voto de qualidade, mas sim um voto duplo da presidência da Câmara, sempre que o resultado do julgamento indicasse empate entre os conselheiros. Na prática, como a presidência das câmaras, nos termos das normas aplicáveis, é sempre ocupada por um representante do fisco, nas hipóteses de empate um representante do fisco votava duas vezes. 

 

Redação: Qual o balanço desses primeiros 12 meses do fim do voto de qualidade na prática? O dispositivo tem funcionado de maneira adequada, na sua opinião? 

Em linhas gerais, na nova sistemática observa-se um maior equilíbrio entre as decisões favoráveis ao fisco e aos contribuintes, bem como um maior respeito à representação efetivamente paritária, atribuindo-se maior relevância às decisões dos conselheiros indicados pelos contribuintes. 

 

Redação: Houve algum caso julgado no Carf que tenha colocado em xeque o que ficou estabelecido na lei? 

Foram expedidas normas infralegais buscando restringir a abrangência dos efeitos da Lei 13.988/20 no que se refere ao voto duplo do fisco. De acordo com essas normas, a extinção do voto duplo se daria exclusivamente nos processos que tenham por objeto a cobrança de crédito tributário. Tais restrições, a nosso ver, são exageradas e devem recrudescer a beligerância que já é bastante alta na relação entre fisco e contribuintes. Busca-se, numa interpretação literal e obtusa, evitar a extinção no voto duplo nos processos que tenham por objeto julgamento de indeferimento a pedidos de restituição e de compensação. Ora, se um pedido de compensação for indeferido, inexoravelmente haverá crédito tributário devido (principal e consectários), não merecendo prosperar, nesse particular, a interpretação restritiva construída pelas autoridades fiscais, aparentemente fruto de sua irresignação com a escolha feita pelo legislador e positivada na lei. 

 

Redação: Na sua avaliação, seriam necessários aprimoramentos nesse mecanismo? Quais? 

Uma distorção extrema, que acreditamos ter sido importante mote da extinção do voto duplo, decorre da possibilidade, presente na sistemática anterior, de se impor multas qualificadas ou agravadas em julgamentos que tiveram empate entre conselheiros. Se houve empate, isso quer dizer que, na visão de três ou quatro conselheiros (a depender se o julgamento tiver ocorrido na Câmara baixa ou alta) não haveria qualquer ilicitude na conduta do contribuinte. Nesse quadro de evidente dúvida objetiva, é de todo inadequado possibilitar a prevalência de penalidades, sobretudo agravadas ou qualificadas, com seus indesejáveis reflexos criminais. 

Assim, entendemos que em casos de empate, não poderia jamais prevalecer qualquer penalidade, prestigiando o adágio do in dubio pro infrator, não devendo se admitir a imposição de qualquer penalidade e, muito menos, abertura de persecução criminal. Esse expediente pode chegar a desafiar a aplicação da lei de abuso de autoridade. 

Fonte: Legislação & Mercados.