Divisão injusta anula doação. Planejamento sucessório requer cuidados; doação que desrespeitar a legítima pode ser anulada pelo Judiciário. Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nosss sócios Francisco Côrtes e Luiz Filipe abordam os cuidados que devem ser tomados no planejamento sucessório.

Confira no recorte abaixo:

– Recentemente, a 3ª Turma do STJ reconheceu que uma doação inoficiosa feita por escritura pública de partilha em vida era nula. No que consiste esse tipo de doação?

No Brasil, existem limites legais para que uma pessoa possa doar seu patrimônio. Em linhas gerais, 50% do patrimônio pode ser transferido livremente pelo seu titular, e os outros 50% estariam reservados, de forma a preservar os direitos dos herdeiros necessários daquele titular. Os herdeiros necessários são aqueles que, por lei, são os beneficiários da futura herança daquele titular do patrimônio. Exemplos dos herdeiros necessários são os filhos e o cônjuge.

Assim, a doação inoficiosa é aquela que ultrapassa a parte do patrimônio que o doador poderia livremente dispor, prejudicando a legítima dos herdeiros necessários, isto é, 50% do patrimônio do doador.

Embora a legislação reconheça a validade da antecipação da partilha em vida pelo titular do patrimônio, por meio de doação pelo ascendente aos descendentes, a doação inoficiosa é considerada nula de pleno direito, nos termos do artigo 549 do Código Civil.

– Por que a Corte decidiu pela nulidade da doação, nesse caso?

No caso em questão, foi comprovado que houve a realização de partilha em vida, por meio de doação realizada pelos pais para seus filhos. No entanto, a filha do casal recebeu bens no valor total de R$ 39.000,00, enquanto o seu irmão recebeu bens no valor total de R$ 711.486,00, sendo reconhecido que o patrimônio total do casal na data da doação era de R$ 750.486,00.

Ou seja, a doação realizada ao filho ultrapassou a parte do patrimônio que o casal poderia dispor livremente, sem prejudicar o direito da outra filha e herdeira necessária, razão pela qual o STJ reconheceu se tratar de doação inoficiosa, ensejando, portanto, a sua nulidade.

– Quando ocorre a doação em vida, deve-se respeitar a legítima mesmo que os herdeiros concordem com uma distribuição desigual, que não obedeça à legítima?

A recomendação é nesse sentido, de que a legítima seja respeitada na partilha em vida, já que o Judiciário, em geral, vem confirmando o entendimento de que não é válida a doação que ultrapasse a parte disponível, mesmo que o herdeiro prejudicado formalmente concorde com o ato no momento da liberalidade. Isso porque o direito à legítima é considerado inalienável.

Essa questão já foi decidida, inclusive, pelo STF no Recurso Extraordinário 94512/SP, julgado em 20/04/1982, no qual decidiu-se que “não importa, ainda, que a agravada tenha aceitado a doação da forma como a realizou. A norma, que impõe a observância às legítimas dos herdeiros necessários é de caráter cogente. E, uma vez desrespeitada, cabe colação.”

– Quais cuidados devem ser tomados na hora do planejamento sucessório, se este envolver doação? Quais bens e direitos podem ser doados, e como calcular o valor daqueles menos líquidos, de forma a respeitar a legítima?

Em qualquer planejamento sucessório é essencial, primeiramente, entender quais são os objetivos do titular do patrimônio, bem como qual a sua estrutura familiar, quais são seus herdeiros, regime de casamento, dentre outros aspectos.

De forma geral, alguns dos cuidados essenciais na doação do patrimônio envolvem (1) certificar-se que as doações não superem 50% do patrimônio total do doador, de forma a não prejudicar a legítima e os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e/ou cônjuge), salvo no caso em que esses, na proporção dos seus direitos hereditários, sejam os donatários beneficiários; (2) garantir que o doador, em qualquer caso, preserve bens suficientes em seu nome para a sua sobrevivência (é vedada a doação universal); e (3) avaliar o regime de casamento do doador, caso este seja casado, e a forma de aquisição de cada um dos bens do casal, de modo a ter uma separação clara do que seria patrimônio particular do doador, e o que seria patrimônio comum do casal.

Observados os cuidados acima, além de outros necessários, quaisquer bens e direitos podem ser doados, inclusive imóveis urbanos e rurais, participações societárias (quotas, ações, etc.), automóveis, direitos creditórios, investimentos e dinheiro. A recomendação, nesses casos, é certificar-se que os bens estão livres de garantias, ou outros ônus que impeçam sua transferência.

Voltando à legítima, o limite de 50% do patrimônio que pode ser doado deve ser apurado no momento do ato de liberalidade (ou seja, da doação), mesmo que a situação patrimonial do doador se altere entre a data de doação e o seu falecimento.

Além disso, para cálculo da parte disponível do patrimônio (parte que pode ser doada), é recomendável que os bens e direitos que compõem o patrimônio sejam avaliados a valor justo.

Em se tratando de patrimônio com baixa liquidez e que não possua um valor de mercado evidente ou facilmente determinável para determinados bens – como imóveis (em especial aqueles localizados em zona rural) e participações societárias em sociedades não listadas em bolsa –, é recomendável a contratação de empresas especializadas na avaliação de tais bens e direitos, para que seja possível atribuir-lhes um valor justo.

Adicionalmente, conforme precedentes do STJ, para que a doação a algum herdeiro gere efeitos jurídicos, é imprescindível que haja expressa concordância dos demais herdeiros, e que o doador manifeste expressamente que dispensa a colação do patrimônio doado quando da abertura da sucessão hereditária (ou seja, dispensa a apuração dos valores doados em vida, quando do seu falecimento).

 

 

Leia na íntegra: www.legislacaoemercados.capitalaberto.com.br

 

 

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