Em 16/04, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 49, em que se discutiu a constitucionalidade da incidência de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, inclusive no caso desses estabelecimentos se localizarem em estados distintos. Por unanimidade, a Corte entendeu serem inconstitucionais os dispositivos da Lei Complementar nº 86/96, conhecida como Kandir, que determinam a incidência do imposto nessas circunstâncias e consideram autônomos os estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Nos termos do voto proferido pelo Ministro Edson Fachin, relator da ação, a expressão “circulação de mercadorias”, utilizada na redação do artigo 146 da Constituição, refere-se à circulação em seu sentido jurídico, qual seja, a transmissão onerosa da titularidade de um bem a terceiro. Assim, o simples deslocamento entre estabelecimentos do mesmo titular, por não gerar circulação jurídica, não atrai a incidência de ICMS. Além disso, o ministro entendeu que, mesmo quando os estabelecimentos estejam em diferentes estados da federação, a circulação física de mercadorias não deve ser considerada fato gerador do imposto.
O STF já tinha se pronunciado sobre a controvérsia em outras ocasiões e mais recentemente, em 2020, analisou o ARE 1.255.885, leading case do Tema 1.099 de Repercussão Geral. Naquela oportunidade os ministros assentaram a tese de que “[n]ão incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.”
Para o sócio fundador do CCA, Paulo Coimbra, essa decisão reitera a jurisprudência já assentada nos Tribunais e extirpa de nosso ordenamento uma incongruência legislativa. Ressalta, entretanto, a importância de que essa situação reconhecida pelo STF como não incidência simples (não ocorrência do fato gerador) seja diferenciada daquelas que não são tributadas pelo ICMS em razão de isenção ou imunidade.
A questão é relevante porque a Constituição prevê que não são devidos créditos de ICMS nas operações em que há isenção ou não-incidência e que os créditos relativos às operações anteriores devem ser anulados. Diante da nova decisão do STF, há o receio de que os estados passem a enquadrar as operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular nessa exceção constitucional à não-cumulatividade, anulando todos os créditos da cadeia.
Paulo afirma que “a regra prevista pela Constituição se refere à modalidade de não-incidência qualificada do ICMS. Na ADC 49, o STF esclareceu que a transferência entre estabelecimentos é situação que simplesmente não configura fato gerador do imposto, consistindo, portanto, em hipótese de não incidência simples. A materialidade está fora do escopo de competência dos estados para tributação.”.
Relembra que o imposto incide sobre o consumo, que irá se implementar após a venda, no estado de destino das mercadorias (para onde foram remetidas). Caso os créditos da cadeia sejam anulados, em razão da transferência entre estabelecimentos localizados em estados distintos, o valor do ICMS relativo à operação posterior de venda será recebido pelo estado de origem, onde não é concretizado o consumo. Por essas razões, Paulo esclarece que não se justifica a anulação dos créditos de toda a cadeia.
Afirma, ainda, que “mesmo em situações que se enquadram na previsão de anulação dos créditos relativos às operações anteriores (não incidência qualificada), essa exceção constitucional é altamente criticável, pois distorce a não–cumulatividade do ICMS. Um suposto benefício fiscal é transformado em um maleficio. Uma operação realizada no meio da cadeia produtiva que seja exonerada acaba gerando uma forma indevida de tributação em relação às demais operações. Ainda mais perniciosa seria a anulação dos créditos nas cadeias em que ocorra a simples transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa.”