No dia 10/03, foi publicada a Lei nº 14.311/2022, que regulamenta o retorno ao trabalho presencial de gestantes afastadas em função da pandemia de Covid-19. Segundo dispõe a nova lei, estas trabalhadoras poderão voltar ao seu local de trabalho após sua vacinação completa contra o novo coronavírus ou mediante a assinatura de um termo de responsabilidade, para aquelas que decidirem não se vacinar. Vale notar, também, que o texto publicado pela presidência contou com vetos relevantes ao projeto de lei aprovado pela Câmara, no que diz respeito ao custeio da remuneração das gestantes afastadas.

Aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados em 06/10/2021, o texto do projeto de lei foi encaminhado ao Senado, que também o aprovou, com emendas, já na data de 16/12/2021, remetendo-o de volta à Câmara para análise das alterações. Em sequência, neste ano, a Câmara rejeitou as revisões do Senado, no dia 16/02/2022, encaminhando, para a presidência da República, o texto aprovado em outubro de 2021. Por fim, a sanção presidencial ocorreu – com vetos a alguns dispositivos – no dia 09/03/2022, com a lei entrando em vigor no dia seguinte, 10/03/2022, data de sua publicação.

A Lei nº 14.311/22 altera a Lei nº 14.151/2021, que já disciplinava o trabalho a distância de empregadas gestantes. Antes da entrada em vigor da nova lei, a lei do ano de 2021 estabelecia que as empregadas gestantes deveriam permanecer afastadas do trabalho presencial durante a emergência de saúde pública causada pelo coronavírus, devendo, contudo, ficar disponíveis para, se possível, seguir desempenhando suas funções via trabalho a distância.

A Lei nº 14.151/2021 determinava, em sua redação original, que a remuneração devida à gestante não poderia ser suprimida durante o período de afastamento laboral, sem definir a quem caberia a responsabilidade pelo pagamento desse benefício nos casos de impossibilidade do exercício da atividade laboral a distância. Conforme já havia sido noticiado pelo CCBA, observou-se no Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) e no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) decisões autorizando a compensação, como salário-maternidade, dos valores pagos às trabalhadoras gestantes afastadas, sob o entendimento de que estas verbas deveriam ser suportadas pelo Poder Público, e não pelo empregador, tendo em vista que têm natureza de benefício previdenciário.

Comentando esta postura por parte do Poder Judiciário, Guilherme Bagno, sócio do CCBA, confirma que esta era a opção constitucionalmente adequada: “Em 2021, o entendimento corretamente adotado em algumas manifestações do Judiciário foi o de que os benefícios instituídos pela Lei nº 14.151/2021 têm verdadeira natureza de salário-maternidade antecipado, ônus a ser suportado pela coletividade por força do princípio da solidariedade social – aplicando o mesmo fundamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal em outras oportunidades.

Vale ressaltar que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5938, que tratava sobre a constitucionalidade de se condicionar o afastamento de gestantes de atividades insalubres à existência de atestado médico recomendando tal afastamento (art. 394-A, CLT), o STF reconheceu, com acerto, que o salário-maternidade antecipado é ônus do INSS e não do empregador. De forma similar, a Receita também se posicionou, por meio da Solução de Consulta nº 287 de 2019, a respeito do direito do contribuinte de compensar integralmente o salário-maternidade nos casos de afastamento por insalubridade do ambiente de trabalho, por configurar gravidez de risco”.

Nesse contexto, o PL nº 2058/2021, que deu origem à lei publicada no dia 09/03/2022, também previa expressamente a substituição do pagamento de remuneração, que ocorreria às custas do empregador, pela concessão de salário-maternidade, custeado pelo Poder Público, nos casos em que for impossível o exercício da atividade laboral a distância. Guilherme explica que a opção do legislador fora acertada: “A adoção expressa do salário-maternidade como ferramenta para o custeio dos pagamentos às gestantes afastadas garantiria o direito social de proteção à maternidade, de forma a evitar que se acentue a desigualdade de gênero nos postos de trabalho”.

Contudo, os trechos do projeto de lei que diziam respeito a essa substituição foram objeto de veto pelo presidente da república. Expondo as razões dos vetos, a presidência afirmou que a proposição contraria o interesse público, ao supostamente aplicar de maneira indevida o auxílio-maternidade. Além disso, o Executivo também argumentou que haveria risco de aumentar sobremaneira as despesas vinculadas à seguridade social, colocando em risco a sustentabilidade da Previdência Pública e violando, entre outros dispositivos constitucionais, a regra que veda o aumento de despesas sem identificação da fonte de custeio.

Analisando o veto presencial, nosso sócio, Guilherme Bagno, identifica fortes equívocos na fundamentação empregada pela presidência: “O Poder Judiciário já havia proferido decisões, ao longo do último ano, em que se reconhecia que a concessão do salário-maternidade às gestantes afastadas é inarredável direito social destas trabalhadoras. Com isso, caem por terra os dois pilares de sustentação do veto presidencial: por um lado, não se pode falar de modo algum em aplicação indevida do salário-maternidade, pois a concessão deste, no caso em análise, representa justamente a efetivação de um direito das trabalhadoras gestantes. De outra margem, não ocorre criação ou ampliação de benefício, mas apenas sua concessão a quem, na legislação já em vigor, tem direito a esta ferramenta de proteção da maternidade”.

Com o veto presidencial, a lei segue sem prever a quem incumbe o custeio da remuneração das gestantes que não puderem desempenhar suas funções de forma remota, indefinição que os dispositivos vetados visavam sanar. Neste caso, a orientação do sócio do CCBA, Guilherme Bagno, é de que, assim como foi feito no ano de 2021, a empresa que realizar os pagamentos busque compensar, como salário-maternidade, os valores pagos a estas trabalhadoras. Confira a recomendação de Guilherme:

“O que se verifica é que a lei continua sem definir sobre quem recai o ônus do pagamento das gestantes afastadas. Mantendo-se esta indefinição, é possível recorrer ao Judiciário para pleitear a aplicação do entendimento já adotado em algumas decisões em 2021: o de que a verba prevista na Lei nº 14.151/2021 tem natureza de benefício previdenciário e, como tal, pode ser objeto de compensação pela empresa”.

O sócio do CCBA explica, ainda, que a possibilidade de compensação destes valores como salário-maternidade decorre da própria Constituição: “Como reconhecido pelo STF na ADI nº 5938, em uma sociedade calcada em princípios constitucionais como o da solidariedade social, os custos da concretização de direitos sociais como o da proteção à maternidade devem recair não sobre o empregador, mas sim sobre toda a coletividade.  Afinal de contas, não há dúvidas, em nosso ordenamento jurídico, de que financiar a Seguridade Social, seja direta ou indiretamente, é um dever coletivo”.