Nosso sócio fundador, Paulo Coimbra, concedeu entrevista ao caderno Legislação & Mercados, da revista Capital Aberto, sobre as cobranças de ITCMD sobre usufruto. Confira abaixo, no trecho recortado da matéria, quais são suas considerações acerca do tema:

 

Pandemia fomenta interesse das famílias por planejamento sucessório

À medida que colocou a morte no centro das discussões, a pandemia de covid-19 também levou muitas famílias a reconsiderar ou iniciar a estruturação de planejamento sucessório. A tragédia representada pelas mortes superando a casa de 200 mil neste fim de janeiro tirou o assunto da lista de tabus de famílias que perceberam que sem um bom planejamento o patrimônio construído com muito esforço ao longo de uma vida inteira pode ser dilapidado pelos impostos.

Como explica Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados, o ITCMD é uma inovação da Constituição de 1988 — antes disso nenhuma Constituição havia estabelecido um imposto com essa estrutura. “O constituinte decidiu repartir o antigo ITBI estadual, fixando as transmissões de bens imóveis, e direitos reais sobre ele incidentes (exceto os de garantia) por ato oneroso entre vivos”, destaca. “Cabe observar que é a lei de cada ente que especificará as hipóteses de incidência do imposto, sendo que, frise-se, não podem essas leis contrariar o que estiver estabelecido na Constituição”, completa.

A seguir, Coimbra aborda outros pontos relativos à cobrança do ITCMD.

 

Conforme notícias recentes, a Justiça está impedindo a cobrança de ITCMD sobre usufruto de bens. Como funciona esse tributo? A quem cabe a cobrança?

O ITCMD (em alguns estados nominado pela sigla ITCD) é uma inovação criada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Não existe um imposto com a mesma estrutura nas Constituições anteriores. O constituinte decidiu repartir o antigo ITBI estadual, fixando as transmissões de bens imóveis — e os direitos reais sobre ele incidentes (exceto os de garantia) por ato oneroso entre vivos. A onerosidade ínsita ao ITBI o diferencia e afasta do ITCMD, que incide sobre doações.

A transmissão causa mortis foi elastecida para englobar uma universitas rerum (universalidade de coisas), seja de bens ou direitos, tangíveis ou intangíveis, mobiliários e imobiliários. A tributação das doações antecipatórias junto com a herança é universalmente aceita para se evitar a evasão do imposto. Em verdade, o fato tributável é o acréscimo patrimonial do herdeiro, do legatário, do meeiro, do cessionário (quinhões ou meações) ou do donatário.

O imposto está previsto no artigo 155, I, c/c § 1º, da Constituição de 1988 e a competência para sua instituição foi outorgada aos Estados e ao Distrito Federal.

É de se ressaltar que não existe lei complementar que estabeleça normas gerais sobre o ITCMD, cabendo aos estados e ao Distrito Federal instituí-lo por meio de lei, arrecadar o imposto e, em no exercício de competência legislativa plena (art. 24, § 3º, da Constituição de 1988 c/c art. 34, § 3º, do ADCT), pormenorizar sua estrutura normativa, desde que, frise-se, observado o que está disposto na Constituição.

O § 1º do artigo 155 estabelece duas regras definidoras do estado competente para arrecadar o ITCD: no caso de bens imóveis e respectivos direitos, caberá o imposto à unidade da federação em cujo território está localizado o bem; em relação aos demais bens e direitos, ao estado (ou no Distrito Federal) onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador.

Observadas as isenções legais existentes na legislação de cada ente, que via de regra estabelecem um teto monetário até o qual o imposto é repelido, sua incidência se dá, normalmente, sobre a transmissão de bens e direitos pelo de cujus aos herdeiros, por sucessão legítima (ex lege) ou testamentária; no ato em que ocorrer a transmissão por fideicomisso; na doação, com ou sem encargos, ainda que em adiantamento da legítima, dentre outras hipóteses. Cabe observar que é a lei de cada ente que especificará as hipóteses de incidência do imposto, sendo que, frise-se, não podem essas leis contrariar o que estiver estabelecido na Constituição.

Nos estados em que o Poder Judiciário afastou a cobrança de ITCMD (ou ITCD) sobre usufruto, especificamente em São Paulo e Minas Gerais, o imposto está previsto, respectivamente, na Lei SP nº 10.705/00 e na Lei MG nº 14.941/03.

É pertinente a cobrança de ITCMD sobre bens em usufruto ou as interpretações dos tribunais que têm sido favoráveis aos contribuintes são mais corretas? Quais têm sido os principais argumentos levantados pelas partes?

A Constituição estabelece que o imposto incidirá quando da transmissão dos bens e direitos, seja por doação ou transmissão após a morte do de cujus (falecido). Resta claro e incontornável o aspecto material do imposto.

Ocorre que em boa parte dos estados, tem-se a previsão de cobrança de uma fração do valor do bem na instituição do usufruto, que geralmente é feito sobre bens imóveis, podendo também ocorrer em relação a ações, cotas de sociedades ou fundo, dentre outros ativos.

O fisco entende haver uma dupla incidência do imposto: uma no ato da doação do bem para o nu-proprietário, tendo como base de cálculo o valor venal do imóvel e outra da instituição do usufruto, cobrando sobre esta última uma fração do valor venal do imóvel. Nitidamente há um abuso. O Poder Judiciário tem afastado essa última cobrança, entendendo-se legítima a primeira.

Na sua opinião, as movimentações em torno do ITCMD têm alguma relação com o aumento de planejamentos sucessórios durante a pandemia?

Em muitos casos, quando a doação acontece entre pessoas que estão vivas, opta-se por transferir apenas o título de propriedade, e não o usufruto. Esse instrumento é muito usado em casos de planejamento sucessório, quando se organiza de forma antecipada a distribuição do patrimônio de uma família. Na prática, isso significa que o pai, que ainda vivo transfere a propriedade da casa para o filho, continuará tendo o direito de usufruto (geralmente vitalício) sobre o imóvel, tendo direito a tomar as decisões relativas à fruição e posse imóvel — como, por exemplo, colocá-lo para alugar.

Certamente, considerando os riscos inerentes, a pandemia pressionou as famílias a pensarem mais sobre planejamento sucessório e procurar formas legítimas de se otimizar a incidência de tributos ou de se evitar cobranças abusivas.

Existe a possibilidade de as alíquotas desse imposto serem majoradas de maneira repentina? A quem cabe o estabelecimento desses percentuais?

A pandemia tem pressionado o aumento de gastos públicos. Com o desaquecimento da economia decorrente da implementação das regras de distanciamento social, houve consequente diminuição da arrecadação, induzindo o Estado a procurar novas formas de arrecadação.

A Constituição de 1988 atribui aos estados a instituição do ITCMD e, por conseguinte, a definição de suas alíquotas, com a condição de que seja respeitada a alíquota máxima fixada pelo Senado Federal. Atualmente, vigora a alíquota máxima de 8%, estipulada pelo Senado por meio da Resolução nº 9/92. Desse modo, os estados podem majorar, por meio de lei, a alíquota do ITCMD a até no máximo a 8%, através de lei ordinária. A resolução ainda estabelece a possibilidade de os estados estipularem alíquotas progressivas (que teve constitucionalidade reconhecida no STF, no julgamento do Tema 21 de repercussão geral) em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber.

Em São Paulo, já se encontra em fase final de tramitação projeto de lei na Assembleia Legislativa (PL 250/20) que, quando e se aprovado, aumentará a alíquota máxima do ITCMD, que está em 4% hoje, para percentuais progressivos entre 4% e 8% (alíquota máxima aplicada, por exemplo, em Santa Catarina).

No Senado Federal, contudo, tramita o Projeto de Resolução do Senado n° 57, de 2019, que pretende alterar a alíquota máxima do ITCMD de 8% para 16%. Caso isso ocorra, os estados poderão estipular alíquotas progressivas até o novo teto.

Importante destacar que o aumento da alíquota deverá respeitar o princípio constitucional da anterioridade, ou seja, a alíquota majorada apenas será exigida no ano posterior à publicação da lei. Igualmente, deverá ser observado o princípio da anterioridade nonagesimal, de modo que há um prazo mínimo de 90 dias para o início da eficácia normativa.

 

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Fonte: Legislação & Mercados