Em 18/06, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nos 6.415, 6.399 e 6.403, as quais questionam a constitucionalidade do art. 19-E da Lei nº 10.522/2002, inserido pela Lei nº 13.988/2020, que modificou a forma de desempate em julgamentos realizados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O Carf é o órgão vinculado ao Ministério da Economia responsável pela análise de recursos administrativo tributários em segunda instância. Suas turmas são compostas de oito julgadores: quatro indicados pelo Fisco e quatro indicados pelos contribuintes. Até 2020, quando as decisões ficavam empatadas, cabia ao presidente da turma, sempre um representante da Fazenda, proferir o voto de minerva, conhecido com voto de qualidade. Entretanto, a Lei nº 13.988/2020 mudou a sistemática de desempate e passou a prever que nos julgamentos de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, em caso de empate, a decisão deveria ser sempre favorável ao contribuinte.
A mudança foi questionada perante o STF e no julgamento, que se iniciou em abril, o relator, ministro Marco Aurélio, votou pela inconstitucionalidade da norma. Para ele houve vício no processo legislativo, pois a norma que prevê o voto de qualidade favorável ao contribuinte é fruto de “contrabando legislativo”, conhecido popularmente como jabuti. É que a Lei nº 13.988/2020 é fruto da conversão da Medida Provisória nº 899/2019 que visava regulamentar a transação tributária no Brasil. Para o relator, a inserção do dispositivo que prevê o novo voto de qualidade é matéria totalmente estranha ao objeto principal da MP e, portanto, deveria ser considerada inconstitucional. “Não há conexão da matéria com o texto original. O cenário é de molde a reconhecer a crise legislativa há tempos existente na frágil democracia brasileira, marcada pela opção por atalhos à margem da Constituição Federal – o que, na quadra vivenciada, tem se mostrado regra, e não exceção”, ressaltou Marco Aurélio.
Ainda em abril o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, sendo retomado na última sexta-feira com o seu voto-vista. Para Barroso a norma impugnada não seria inconstitucional, pois “[a] caracterização do que sejam acréscimos impertinentes ainda se encontra em construção, fora das zonas de certeza positiva e negativa”. Para o ministro, o possível vício não estaria apto a configurar a inconstitucionalidade do dispositivo e, além disso, a Constituição não vedaria a instituição de desempate nos moldes em que foi estabelecido. Barroso, porém, propôs a tese de que no caso de decisões desempatadas pelo voto pró-contribuinte a Fazenda Pública poderá ajuizar ação para tentar restabelecer o lançamento tributário.
Após o voto do ministro Luís Roberto Barroso que considerava constitucional o voto de qualidade a favor do contribuinte, pediu vista o ministro Alexandre de Moraes. Ainda não há data para o retorno do julgamento.
Para Maurício Chagas, sócio do CCA, “a determinação legal que reconhece decisão favorável ao contribuinte no caso de empate em processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário não padece de inconstitucionalidade. O STF ainda está titubeante na determinação do que representa ‘contrabando legislativo’. Nesse sentido, o voto do ministro Luís Roberto Barroso é importante para assentar a constitucionalidade do dispositivo. Porém, não podemos concordar com a tese por ele proposta de que em caso de empate o Fisco poderá levar a demanda ao Judiciário”.
Maurício lembra que o Carf foi pensado para ser uma via decisional mais célere, dessa forma, a possibilidade de se levar demandas ao judiciário deveria ser uma exceção. “A proposta do ministro Barroso incentiva ainda mais a litigiosidade e não fomenta a celeridade processual. Entendemos, ainda, que o STF não pode fazer as vezes de legislador ordinário e implementar condições que não foram postas na lei. É necessário privilegiar a decisão do legislador que quis modificar a sistemática de desempate, a qual encontra guarida na Constituição”.