É certo que a cobrança do ITCMD sobre doações recebidas por instituições ou associações sem fins lucrativos reduz os recursos repassados, uma vez que os Estados abocanham parte da quantia doada. O problema é quando esses recursos, tão escassos, são destinados para o combate à Covid-19.
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) é definido pelos Estados e incide sobre quem recebe a doação, em alíquotas que variam de 4% a 8%. Assim, quando recebem as doações, as instituições ou associações sem fins lucrativos precisam pagar o tributo sobre o valor recebido, mas que poderia ser integralmente mobilizado em prol de projetos sociais de assistência e combate à Covid-19.
Para se ter noção da importância dessa discussão, um levantamento da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), mostra que o valor das doações atualmente ultrapassa R$ 7 bilhões, sendo o sistema financeiro responsável por 27% desse valor, seguido pelos setores de alimentação e bebidas (13%) e mineração (10%). Em meio à calamidade pública, tais valores são imprescindíveis para suprir as carências de EPI, de equipamentos hospitalares e mesmo de hospitais de campanha.
É papel, portanto, das Assembleias Legislativas provocarem mudanças nas legislações estaduais para que estas passem a isentar tais doações. Nesse sentido, podemos citar algumas inciativas que se atentaram para essa temática, como: i) a Lei estadual nº 8.804/2020, no Rio de Janeiro; ii) a Lei estadual nº 23.637/2020, regulamentada pelo Decreto nº 47.976/2020, em Minas Gerais; e iii) a Lei estadual nº 17.193/2020, no Ceará; dentre outras.
Porém, a via legislativa pode ser morosa. Por esse motivo importante destacar uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que reconheceu a incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, da CRFB/1988, que veda a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços de instituições de assistência social, sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos da lei, sobre os valores recebidos por uma associação e destinados para a compra de materiais para o Hospital São Paulo.
O problema das doações, contudo, não se restringe ao ITCMD. Além desse imposto de competência estadual, sobre os valores doados incidem também 34% de IRPJ e CSLL. Afinal, não há qualquer previsão legal para deduzir os valores doados do imposto de renda na apuração do lucro real. Nem mesmo seria possível enquadrar esses valores como patrocínio ou marketing.
Isso porque para a caracterização de patrocínio, deve haver uma relação necessária entre o dispêndio financeiro realizado pelo patrocinador e sua efetiva utilização na realização de projetos culturais e para despesas de propaganda são aceitas tão somente aquelas que estejam diretamente relacionadas com a atividade explorada pela empresa, bem como que respeitem o respectivo regime de competência.
Há de se ressaltar, contudo, a existência de dois projetos de Lei (PL 1.705/2020 e PL 1.848/2020), em trâmite no Senado, que visam possibilitar a dedução dos valores doados da base de cálculo do IRPJ. Todavia, não há previsão para votação dessas matérias.
Vê-se, portanto, que a tributação incidente sobre os valores doados desestimula a solidariedade, objetivo fundamental da república brasileira, nos termos do art. 3º, I da Constituição.
Para os sócios do CCA, Paulo Coimbra e Onofre Batista, a incidência do ITCMD sobre doações destinadas ao combate do novo coronavírus, “constitui verdadeiro confisco de recursos, pois agride o princípio da solidariedade, que irradia da Constituição de 1988, e fere o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, na medida em que reduz a disponibilidade de recursos para salvar vidas frente a mortandade da pandemia”. Ademais disso, hoje, mais do que nunca, “é necessário prestigiar a união e a integração social, seja entre indivíduo e Estado, seja entre associação sem fins lucrativos e empresas”.
Para saber mais confira o artigo do nosso sócio fundador, Paulo Coimbra, publicado no Conjur e intitulado “A tributação absurda das doações”.