Foi publicada ontem, dia 23 de setembro, no Diário Oficial da União, a Lei Complementar nº 183 de 2021. Pelo novo dispositivo, o Congresso pacifica a disputa acerca do imposto sobre o consumo devido pelas prestadoras de serviço de rastreamento. Não havia consenso se o tributo a incidir seria o ICMS ou o ISS. Contudo, por decisão do legislador, passa a constar expressamente na lei a incidência do imposto municipal sobre esse tipo de atividade.
A Lei Complementar nº 183 foi aprovada com tramitação de urgência na Câmara dos Deputados no dia 30 de junho e foi posteriormente remetida ao Senado Federal, que a aprovou no dia 1º de setembro. Seu sancionamento pelo presidente, por sua vez, se deu no dia 22 do mesmo mês.
A norma, agora vigente, modificou, a Lei Complementar nº 116 de 2003, a qual regulamenta as diretrizes gerais do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, as quais devem ser observadas por todos os Municípios e pelo Distrito Federal. Pela nova redação dada ao art. 6º, §2º, II fica expressa a incidência do tributo sobre serviços de rastreamento “em qualquer via ou local, de veículos, cargas, pessoas e semoventes em circulação ou movimento, realizados por meio de telefonia móvel, transmissão de satélites, rádio ou qualquer outro meio, inclusive pelas empresas de Tecnologia da Informação Veicular, independentemente de o prestador de serviços ser proprietário ou não da infraestrutura de telecomunicações que utiliza”.
O projeto legislativo surgiu no Senado ainda em 2013 onde tramitou como o Projeto de Lei nº 501 de 2013, de iniciativa do então Senador Romero Jucá (MDB/RR) e visava a pacificar o cenário de guerra fiscal entre Estados e Munícipios. Até então, ambos as esferas julgavam ter competência para cobrar, respectivamente, o ICMS ou ISS sobre serviços de rastreamento.
Subsequentemente, o projeto foi remetido à Câmara dos Deputados e lá tramitou como o Projeto de Lei nº 191 de 2015. Recebeu parecer favorável tanto da Comissão de Finanças e Tributação (CFT), como da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O principal ponto de debate, ainda na CFT, foi o voto contrário do Dep. Hildo Rocha. Isso porque, para o parlamentar o imposto não deveria ser exigido pelo Município onde está localizada a prestadora do serviço, mas no local aonde o serviço for efetivamente prestado. Para o Deputado, a tributação no local do estabelecimento favoreceria os grandes Municípios, em desfavor dos pequenos. Ao final, todavia, prevaleceu, o entendimento de que a cobrança estaria simplificada se o ente tributante fosse aquele do estabelecimento da prestadora do serviço.
Ademais, outra questão já debatida foi a possibilidade de se enquadrar a atividade como um serviço de telecomunicação, afinal pressuporia a utilização de tecnologias de transmissão de dados, o que atrairia a incidência do ICMS, de competência estadual, em desfavor do ISS, de natureza municipal.
A disputa remontava pelo menos a 2006, quando houve a publicação do Convênio ICMS nº 139, que autorizava “os Estados e do Distrito Federal a conceder redução de base de cálculo do ICMS na prestação de serviço de comunicação, na modalidade de monitoramento e rastreamento de veículo de carga”. A questão foi superada nos debates parlamentares e a identificação do serviço agora consta expressamente no item 11.05 da Lista Anexa à LC 116/2003.
Para Alice Lima Jorge, sócia do CCA, a lei representa “um avanço e uma postura ativa do legislador para combater a Guerra Fiscal, harmonizar as relações federativas e promover maior segurança jurídica para os contribuintes”. Além disso, pontuou que a nova lei vai na esteira de recentes movimentações do Direito Tributário, como o julgamento da ADI nº 5.576, em que o Supremo Tribunal Federal entendeu inconstitucional a cobrança de ICMS sobre softwares, declarando, por consequência, o ISS como o tributo devido. ”A antiga dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer tem sido adequadamente superada pela doutrina e pelo Judiciário. As atividades econômicas são complexas e cada vez mais tecnológicas; é esperado que a legislação acompanhe esse movimento. Aliás, é até desejável que ele ocorra antes da judicialização dos casos controversos.” Por fim, Alice destaca que embora o local de recolhimento do imposto tenha sido debatido pela CFT, é possível antecipar disputas discutindo qual o estabelecimento do contribuinte a ser considerado: “o caso do rastreamento lembra o do leasing, já que a contratação do serviço pode ocorrer em local diverso de onde se realiza de fato o rastreamento, em geral, à distância.”