IGP-M causa preocupação no mercado de locação de imóveis. Em entrevista para o portal Legislação & Mercados, nossa sócia Paula Chaves comenta sobre o assunto. Leia no recorte abaixo:

 

Forte alta do tradicional índice de correção de aluguéis pode provocar excesso de ônus para locatários e levar questão à Justiça

A forte alta do IGP-M, índice que tradicionalmente corrige os valores de aluguéis comerciais e residenciais, tem causado preocupações no mercado imobiliário, tanto em relação à possibilidade de inadimplência quanto à ampliação da vacância, já intensificada pela pandemia.

O fato de o índice ter atingido patamares, no acumulado de 12 meses, próximos a 30% pode tornar os valores corrigidos dos aluguéis excessivamente onerosos para os locatários — e num momento de extrema fragilidade financeira, circunstância decorrente da pandemia de covid-19. Sem negociações que acomodem os interesses de ambas as partes (o locatário poder pagar e o locador afastar o risco de vacância), no limite a questão pode chegar ao Judiciário, amparada pelo motivo de força maior para a alteração da previsão contratual.

“Antes de o locatário recorrer ao Judiciário, recomenda-se sempre que busque uma renegociação do contrato com o locador, de forma a adequar eventuais distorções provocadas pelo alta abrupta dos índices de correção. Essa é a forma menos onerosa para adequar o contrato e, certamente, a que gera o menor desgaste na relação com o locador”, observa Paula Chaves, sócia do Coimbra & Chaves Advogados.

As discussões em torno da correção repercutem também sobre os fundos imobiliários (FIIs) — mas, nesses casos, sob outro ponto de vista. Na qualidade de locadores, esses fundos dependem dos aluguéis corrigidos conforme estabelecem os contratos para repassar os rendimentos aos cotistas.

A seguir, Chaves detalha outros pontos relacionados aos contratos de locação e ao mecanismo de correção.

É possível, do ponto de vista jurídico, a substituição de um índice de correção no decorrer de um contrato de aluguel?

Sim, a legislação brasileira apresenta mecanismos que permitem a substituição de índices de correção que tiveram um aumento imprevisível e extraordinário, em especial, em decorrência da pandemia de covid-19.

Antes de o locatário recorrer ao Judiciário, recomenda-se sempre que busque uma renegociação do contrato com o locador, de forma a adequar eventuais distorções provocadas pelo alta abrupta dos índices de correção. Essa é a forma menos onerosa para adequar o contrato e, certamente, a que gera o menor desgaste na relação com o locador. Nesse caso, as partes podem acordar pela substituição de um determinado índice por outro mais próximo à inflação, como, por exemplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA). A alteração também pode ser temporária, de modo que a substituição dos índices vigore por um período fixado pelas partes.

Por outro lado, nem sempre é possível um alinhamento extrajudicial e, nesses casos, o locatário poderia recorrer a ações judiciais para buscar a revisão do contrato de aluguel, com essa revisão abordando tanto o índice de correção quanto, eventualmente, o próprio valor do aluguel. A Lei de Locações e o Código Civil apresentam mecanismos pelos quais o locatário pode buscar essa revisão contratual, sejam elas fundamentadas na teoria da onerosidade excessiva, na teoria da imprevisão ou em qualquer fundamento capaz de comprovar o desequilíbrio superveniente do contrato.

Todavia, é importante destacar que, para que o locatário tenha êxito em qualquer ação judicial sobre o tema, ele precisa ser capaz de apresentar fundamentos robustos que legitimem o pedido. Dentre esses fundamentos, o locatário deve ser capaz de demonstrar que, em decorrência de situações imprevisíveis e extraordinárias, o contrato se tornou excessivamente oneroso, havendo uma manifesta desproporção entre as prestações estabelecidas no começo do vínculo contratual e no cenário atual.

Uma conclusão superficial permitiria dizer que o aumento acentuado do IGP-M, bem como os efeitos da pandemia de covid-19, seriam causas imprevisíveis e extraordinárias justificadoras, por si só, da substituição do índice de correção, ou mesmo da revisão do valor do aluguel. Entretanto, essa análise precisa ser feita caso a caso, avaliando-se, dentre outros fatores, se, no momento de início da locação, os efeitos da pandemia e o aumento do IGP-M já não eram conhecidos pelas partes.

 

Especialistas no mercado imobiliário recomendam negociações entre as partes, levando em conta o estado atual de excepcionalidade. Caso não haja acordo, um locatário pode recorrer à Justiça alegando motivo de força maior para a substituição do fator de correção?

Como previsto no Código Civil, os eventos de força maior podem, de fato, ser utilizados como excludentes de responsabilidade pelo inadimplemento de uma obrigação. Nesses termos, a associação da atual situação de excepcionalidade decorrente da pandemia de covid-19 como um evento de força maior não parece ser algo contrário ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que se trata de situação que, inicialmente, não poderia ter sido evitada ou impedida pelo locatário.

De todo o modo, e apesar de não haver consenso sobre o tema, a melhor aplicação da força maior seria para situações em que o locatário não seja mais capaz de adimplir com o pagamento do aluguel e deseje a extinção sem ônus do contrato de locação. Caso a intenção do locatário seja a revisão do índice de correção ou do valor do aluguel, outros fundamentos merecem especial atenção.

É importante destacar que o Poder Judiciário não está alheio à atual situação em que vivemos e vem se moldando à circunstância de excepcionalidade. Assim, novas discussões, teses e teorias jurídicas surgem quase que em bases diárias sobre os limites e os fundamentos para a revisão contratual.

Mas as alegações que parecem apresentar maior aderência aos pleitos de revisões contratuais são aquelas relacionadas às teorias da onerosidade excessiva e da imprevisão. Para ambas as teorias, cada uma com suas particularidades, o locatário deve ser capaz de demonstrar que as políticas de contenção da covid-19 e o aumento acentuado do IGP-M, dentre outros fatores, caracterizam situações imprevisíveis e extraordinárias que tornaram o contrato excessivamente oneroso.

No entanto, é importante ressaltar que não apenas os locatários podem estar sofrendo com os efeitos da atual situação excepcional. Em alguns casos, pela depreciação da situação econômica de ambas as partes, o locador poderia ser capaz de demonstrar que não houve onerosidade excessiva no contrato, de modo a impedir a substituição do índice.

 

Qual tende a ser o impacto desse impasse sobre os fundos de investimento imobiliário?

Como em qualquer crise econômica vivenciada em âmbito nacional, os fundos de investimento imobiliário não passam alheios aos seus efeitos e têm de conviver com um cenário de maior incerteza quanto às receitas provenientes de locações. Isso porque, não havendo uma renegociação extrajudicial bem-sucedida, os locatários tendem a buscar o Poder Judiciário por meio de ações revisionais do aluguel, ou, em um pior cenário (em que pese a previsão de multas contratuais), buscam a extinção antecipada dos contratos de locação.

Apesar da alta do IGP-M, o aumento do número das ações revisionais e de eventuais extinções antecipadas dos contratos gera um cenário de maior incerteza quanto às receitas imobiliárias do fundo, podendo levar, inclusive, ao aumento dos índices de vacância dos imóveis e de inadimplência dos locatários.

Assim, por mais que, em um primeiro momento, a alta do IGP-M pareça significar um aumento equivalente no retorno dos fundos de investimento imobiliário que tenham locações atreladas ao índice, o atual cenário econômico brasileiro é de recessão econômica, com muitos locatários podendo não ser capazes de suportar integralmente esse reajuste. O melhor caminho para esse momento continua sendo o da razoabilidade, com locadores e locatários analisando, caso a caso, as condições e os valores estabelecidos inicialmente no contrato de locação e em que medida foram impactados pela atual situação de excepcionalidade vivenciada no País.

 

Fonte: Legislação & Mercados