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Este livro trata da complexidade do ICMS, tributo sobre o consumo, procurando responder se deve ele ser utilizado como instrumento de justiça tributária ou apenas de arrecadação, estudando aspectos fundamentais do imposto como sistema de cobrança, se na origem ou no destino; base de cálculo e alíquotas; seletividade adotada; desonerações; não cumulatividade; substituição tributária e guerra fiscal entre os Estados. Analisa e compara a legislação do IVA europeu e do ICMS, concluindo que o ICMS é extremamente complexo, que sua utilização como instrumento de justiça tributária deve ser restringida e que pode e dever ser simplificado de modo a se tornar predominantemente arrecadatório, de fácil administração.

A presente obra se impõe como bibliografia necessária – se não obrigatória, certamente recomendável – para todos os futuros estudos e cursos acerca do ICMS. As diferentes técnicas e metodologias de exoneração do imposto, em especial aquelas levadas a cabo pela legislação estadual, não raro, infralegal e distorsivas do perfil constitucional do tributo em foco, são expostas de forma clara e didática, permitindo ao leitor uma adequada aproximação da complexidade e densidade inerentes ao cenário atual da tributação do consumo pelos Estados.

Não se pode negar que, há muito, não prevalece a antiquada concepção liberal do tributo que, sob a influência iluminista e dos ideais inspiradores da Revolução Francesa, norteada pelo laissez faire, laissez passer, foi reconhecido como instrumento neutro, vocacionado exclusivamente ao financiamento das atividades estatais, devendo exercer nenhuma influência (ou a mínima possível) sobre as atividades dos particulares e às leis de mercado.

Hodiernamente, percebe-se a tendência de se superar o tradicional binômio receita-despesa como única fórmula para viabilizar a consecução das finalidades do Estado. Inegável, pois, a possibilidade de o tributo exercer duas funções distintas: a função fiscal, quando instituído com o propósito preponderante de abastecer a burra estatal; ou a função extrafiscal, quando instituído ou manipulado pelo legislador com a finalidade precípua de induzir comportamentos, inibindo condutas que, a despeito de sua licitude, revelam-se indesejáveis, ou estimulando condutas consideradas convenientes, à luz dos valores albergados pela Lex Mater de 1988.

Percebe-se, pois, sem prejuízo do caráter instrumental da atividade financeira do Estado, na qual se insere a cobrança de tributos, uma forte tendência de reconhecer a atividade de arrecadação não apenas como uma atividade mediata do Estado, destinada exclusivamente a suprir as necessidades do erário para a manutenção do aparato estatal e financiamento dos gastos públicos, mas também como instrumento apto a contribuir, per si, para a consecução das finalidades essenciais do Estado, no caso do Brasil, sinteticamente esculpidas no art. 3o da CR/88 e, expressa ou tacitamente, espraiadas nas entrelinhas de todo o texto constitucional.

Contudo, alguns temperamentos se fazem necessários. E nesse particular, refulgem os méritos da análise crítica do autor, ao demonstrar ser a tributação sobre o consumo vocacionada à função arrecadatória, não sendo propensa e/ou adequada, salvo raras exceções, a funções extrafiscais.

Não se nega a possibilidade de ser o Direito Tributário permeável  aos diversos valores e princípios constitucionalmente albergados, i. e., proteção ao meio ambiente, cumprimento da função social da propriedade, erradicação da pobreza. Sem sombras de dúvidas, atualmente, revela-se o potencial da função extrafiscal dos tributos, enquanto possíveis instrumentos de políticas públicas mais ou menos efetivos. Entretanto, se, por um lado, a possibilidade de exercer funções extrafiscais deixa de ser objeto de controvérsia, doutra margem, devem as investigações se concentrar nos limites da utilização do tributo como mecanismo ordinatório, diretivo e indutivo.

Nesse particular, como demonstra o autor em sua atilada crítica, os tributos sobre o consumo, em especial o ICMS, não se revelam adequados às funções extrafiscais, devendo preservar sua neutralidade e exercer sua vocação arrecadatória.

Inegavelmente, a despeito dos propósitos ou pretextos apresentados na concessão de benefícios fiscais de ICMS, os seus malefícios superam em muito os seus supostos benefícios.

O abuso das exonerações do ICMS, decorrentes da lastimável guerra fiscal encetada pelas mais diversas unidades federativas, tem resultado na mais completa deformação do imposto, com o surgimento e proliferação de incontáveis regimes especiais de tributação, genuínas regras individualizadas de tributação, que paulatinamente têm se afastado dos traços estruturantes do ICMS e dos mais comezinhos princípios estruturantes do sistema constitucional tributário. São tantos os regimes especiais, que incorporam as mais variadas formas e intensidade de exonerações, que podem restar irremediavelmente solapados os princípios da isonomia e da legalidade, mesmo em seus mais rasteiros e elementares níveis de eficácia. Tais agressões somente não são mais escandalosas porque, no mais das vezes, sob o pálio do sigilo fiscal, têm elas negada ou suprimida sua sujeição ao primado da publicidade, ensejando um cenário nada salutar, porquanto propício a possíveis agressões à impessoalidade e à própria moralidade. Flagrante, pois, o despautério e a inconveniência da não publicidade de todos e quaisquer regimes especiais de tributação, com a cabal identificação de seus respectivos beneficiários e todas as suas condições.

Com efeito, a concessão casuística de diferentes tipos de benefícios pelas autoridades fiscais à mingua de previsão legal, em especial de créditos presumidos, podem malferir não apenas a isonomia e a legalidade, mas várias outras garantias e peias constitucionais. O desrespeito à vocação fiscal, entenda-se, arrecadatória, e à neutralidade que deve reger a tributação sobre o consumo, também reverberam negativamente na livre concorrência, provocando interferências distorsivas, inadequadas e, sempre que presentes, inconstitucionais nas condições de livre mercado.

Várias são as cláusulas cada vez mais abusivas que se impõem nos maisdivers os protocolos impostos aos contribuintes, como conditio sine qua non para fruição dos benefícios fiscais. Seduzidos por “condições” tributárias
distintas, que possam lhes colocar em posição privilegiada perante seus concorrentes, alguns contribuintes renunciam a garantias e direitos fundamentais, sujeitando-se a condições abertamente inconstitucionais, v. g., não ter qualquer demanda judicial contra o Estado. Após a disseminação entre seus concorrentes de “condições” similares e de se transmutarem tais “condições” não em privilégios competitivos, mas em verdadeiros requisitos  para a competitividade, acabam por se tornar reféns de arbitrariedades. Nesse funesto contexto, qualquer predisposição ao questionamento é inibida sob coativa ameaça de revogação do regime especial e, com ele, das “condições” de competitividade e viabilidade empresarial.

Observa-se, lamente-se, de forma cada vez mais frequente, (i) a concessão individual de benefícios fiscais, em especial, sob a forma de créditos presumidos (frise-se, sem anuência do CONFAZ), sob o pálio da praticidade, bem como (ii) a previsão de uma multiplicidade de alíquotas do ICMS, estas sob o pretexto de pretensa seletividade. Nesses particulares, digno de nota que (i) a praticidade não pode acarretar o desprezo aos demais princípios constitucionais tributários, mas deve a eles se conformar, em detido sopesamento inspirado pelo postulado da proporcionalidade, e (ii) se dizendo seletivas, são previstas alíquotas mais elevadas aplicáveis não à circulação de mercadorias supérfluas, mas sim àquelas que viabilizam arrecadação em massa e cômoda, a exemplo de combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicação (todas essas induvidosamente essenciais). Almejam-se,
assim, mediante a (má) utilização da seletividade, indisfarçavelmente dissociada da essencialidade e da capacidade contributiva que a devem inspirar, efeitos iminentemente arrecadatórios.

Testemunha-se, com pesar, os legisladores tributários estaduais utilizando muito mal as competências que lhes foram outorgadas pela Constituição, com notória condescendência às autoridades fiscais na modificação da obrigação tributária que, cumpre recordar, deveria ser ex vi legis, isonômica, neutra e plenamente vinculada à lei. Não a uma lei pusilânime, permissiva e complacente com o arbítrio fiscal, mas sim a uma lei necessariamente completa e suficiente para adrede determinar, de forma impessoal, genérica e abstrata, a obrigação a que todos os contribuintes devem se sujeitar.

Os benefícios concedidos, no mais das vezes, resultam em manipulações casuísticas dos elementos da obrigação tributária previstos na lei, em uma visão obtusa e pouco ou nada sistêmica, voltado a atender interesses imediatos que, a longo prazo, inexoravelmente conduzem a uma “corrida ao fundo do poço”, como atesta a periclitante situação financeira da avassaladora maioria dos estados brasileiros.

A par dessas, várias outras deturpações são objeto de provocações pelo autor, tais como a cobrança do tributo na origem, fonte da nefasta guerra fiscal entre os estados; o cálculo “por dentro”, que compromete a transparência que a fiscalização tanto exige dos contribuintes, mas não lhes a concede; a não cumulatividade deficiente, com a prevalência do crédito físico em detrimento do crédito financeiro, e ineficiente, com a artificiosa e injusta acumulação de créditos, a comprometer a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional, impondo aos exportadores um custo financeiro não suportado por seus concorrentes sediados em outras jurisdições; et caterva.

Em sua análise comparativa com o IVA, o autor revela os descaminhos do ICMS que, distanciando-se de sua fonte inspiradora, que prevalece com fator de integração na União Europeia, se transmutou num instrumento de desintegração do federalismo brasileiro.

Nesse contexto, destaca-se o livro de René de Oliveira e Sousa Júnior, que não apenas desvela a complexidade e denuncia as deficiências do ICMS, mas provoca necessárias reflexões e aponta sinalizações
diretivas que, a despeito da dificuldade de implementação, reconheça-se, demandam amadurecimento e discussão.