Na última sexta-feira (25/06), o ministro da economia, Paulo Guedes, entregou ao presidente da Câmara dos Deputados a “segunda fase” da reforma tributária, na forma de um Projeto de Lei que aborda a alteração do Imposto de Renda em três frentes: pessoa física, pessoa jurídica e investimentos financeiros. O projeto será um ponto de partida para os debates entre deputados e senadores e espera-se seja levado para aprovação no Plenário antes da suspensão dos trabalhos da Câmara de Deputados.

A primeira fase da Reforma foi apresentada pelo Executivo em 2020 (PL 3887/2020) e prevê a unificação da contribuição para o PIS com a Cofins, a partir da criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). A segunda fase, entregue pelo ministro da economia na última sexta, terá a Relatoria do Dep. Celso Sabino (PSDB-PA). Os principais pontos de mudança, divulgados na apresentação elaborada pelo Ministério da Economia, estão detalhados a seguir:

 

Reforma do IR para empresas

  • Redução da alíquota do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica): A proposta do Ministério da Economia prevê a redução da alíquota do IRPJ de 15% para 12,5%, em 2022. Em 2023, o percentual deve cair a 10%. O adicional de 10% para lucros acima de R$20 mil por mês permanece. O governo informa que a redução da tributação sobre as empresas é essencial para aumentar a produtividade, competitividade e emprego. O efeito esperado é o aquecimento da economia, com aumento no investimento e de novos postos de trabalho.
  • Pagamento em ações: A proposta proíbe a dedução como despesa operacional do pagamento de gratificações e participação nos resultados aos sócios e dirigentes feitos com ações da empresa. Os pagamentos a empregados permanecem dedutíveis.
  • Juros Sobre Capital Próprio (JCP): A proposta veda a possibilidade de dedução dos valores de Juros Sobre Capital Próprio (JCP). O governo expõe que a atual possibilidade é ineficaz para capitalizar as empresas e promover investimento.
  • Reorganização de empresas: O governo propõe novas regras para a reorganização de empresas e tributação do ganho de capital na venda de participações societárias. A proposta visa a impedir o aproveitamento indevido de deduções nessas vendas.
  • Ganho de capital indireto: A proposta prevê a criação de regras para a apuração do ganho de capital em alienações indiretas de ativos no Brasil por empresas no exterior. Já existem ferramentas que evitam a interposição em negócios por empresas brasileiras e o governo busca criar mecanismos para evitar a interposição em operações que passam pelo exterior.
  • Apuração trimestral do IRPJ: Atualmente, o recolhimento do IRPJ e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) pode ser feito de forma trimestral ou anual. A alteração divulgada pelo Ministério da Economia prevê o recolhimento trimestral para todas as empresas. A proposta permite, ainda, a compensação 100% do prejuízo de um trimestre nos três seguintes. De acordo com o governo, essa medida dá uniformidade aos regimes de tributação das empresas, reduz o tempo gasto para apuração de impostos, reforça o caixa das empresas e favorece setores impactados por sazonalidades.
  • Simplificação: A proposta prevê a aproximação das bases de cálculo do IRPJ e CSLL, o que reduzirá os custos das empresas.

 

Reforma do IR para investimentos financeiros

  • Tributação de operações na bolsa de valores: A proposta prevê a apuração trimestral com alíquota de 15% em todos os mercados. Atualmente, essa operação é mensal e a alíquota é de 15% para o mercado à vista, à termo, de opções e futuros e de 20% para Day Trade e cotas de Fundos de Investimento Imobiliário. Outra alteração consiste na compensação, que atualmente é limitada a operações de mesma alíquota. O texto prevê a possibilidade de compensações de resultados negativos, que poderão ocorrer entre todas as operações. O objetivo dessas medidas é a simplificação no investimento das operações em bolsa de valores. O governo assevera que essas medidas facilitarão o acesso ao mercado e aumentarão a segurança aos investidores.
  • Ativos de renda fixa e fundos: A proposta apresentada prevê alíquota única de 15% para ativos de renda fixa e o fim da isenção sobre os rendimentos distribuídos a pessoas físicas no caso de Fundos de Investimentos Imobiliários com cotas negociadas em bolsa a partir de 2022. O objetivo da medida é simplificar as regras e dar tratamento igual aos investidores das diferentes operações.

 

Reforma do IR para Pessoas Físicas

  • Isenção: Em relação ao Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), o projeto prevê aumento de 31% na faixa de isenção. Há a previsão de desconto simplificado de 20% a quem recebe até R$ 40 mil por ano e de alterações na atualização do valor dos imóveis.
  • Lucros e dividendos: Atualmente, os lucros e dividendos distribuídos são isentos. A proposta prevê as seguintes alterações: tributação de dividendos à alíquota de 20% na fonte pagadora, com isenção de até R$20 mil por mês a microempresas e empresas de pequeno porte. Para o governo, essas alterações desestimulam a pejotização, criam um sistema mais justo e incentivam novos investimentos, já que estimulam o reinvestimento dos lucros.

 

De acordo com o sócio fundador do CCA, Prof. Paulo Coimbra, a proposta não apresenta uma reforma efetiva no sistema tributário nacional: “[a] segunda fase da Reforma, apresentada recentemente pelo Ministério da Economia, não traz alterações sistêmicas, mas um amontoado de modificações que tendem a majorar sensivelmente a tributação sobre a renda no Brasil. Compilado de maldades fiscais que o Fisco jamais conseguiu aprovar são apresentadas, em meio à pandemia, de forma intimorata, como condição à atuação assistencial do Estado. Além disso, busca-se imprimir um rito de aprovação apressado e atabalhoado no Congresso, o que dificulta a elaboração de um novo modelo de arrecadação, com debate democrático e participação de todos os interessados. Uma aprovação sem diálogo e sem levar em consideração seus possíveis efeitos em um tema tão complexo e relevante seria antidemocrática”.

Além disso, “[s]ob o pretexto de aumento de produtividade, competitividade e investimentos, o governo federal propõe mudanças que paradoxalmente, em seu conjunto, tendem a aumentar a sua já elevada arrecadação. Se, por um lado, alguns pontos da proposta possam parecer interessantes, como a redução da alíquota do IRPJ, suas contrapartidas revelam-se pesadas e desproporcionais. Pretende-se a redução gradual da alíquota do IRPJ em 5% condicionada ao retorno da tributação de dividendos em 20%. Ainda que se considere que o lucro tributável nas empresas tenha uma base maior que os dividendos, não é preciso grande esforço para perceber a desproporção na troca proposta. Ideal seria unificar IRPJ e CSLL, com uma redução da alíquota da tributação sobre a renda nas pessoas jurídicas mais coerente com a tributação proposta sobre os dividendos, a patamares genuinamente mais competitivos. Nos termos da proposta, a renda auferida pelas empresas será tributada a 29% e, somados aos 20% que se pretende cobrar sobre dividendos, chegaria a 49% dos ganhos. Um percentual bastante superior à média mundial e, portanto, confiscatório, ao se considerar a onerosidade excessiva da tributação sobre o consumo (renda consumida) e a baixa qualidade dos serviços públicos em geral ofertados à população”.

Na opinião de Paulo Coimbra, além da tributação de dividendos, outro ponto da proposta que tende a inibir investimentos na economia real, não especulativos, é a extinção dos juros sobre capital próprio. Os JCPs foram criados para compensar a extinção monetária dos balanços e parece haver a proposta do executivo se esquecido de retorná-la ao sistema tributário. Aliás, é de se indagar até quando se tolerará no Brasil o desprezo aos efeitos corrosivos da inflação no poder aquisitivo da moeda. A correção monetária, seja nos balanços, seja nas faixas do IRPF e do IRPJ deveria ser automaticamente reconhecida. A tributação, como se renda fosse, da mera correção monetária é absolutamente imoral e impacta negativamente na imagem e na confiança do Fisco. Oferecer a correção monetária como poder de barganha para justificar o retorno da tributação sobre dividendos é abertamente imoral, além de retrógrado e contrário às justificativas e pretextos apresentados”.

Destaca, ainda, nosso sócio, que “[a] imposição às sociedades em conta de participação (SCPs) da adoção de idêntico regime tributário imposto à sócia ostensiva tende a inibir fortemente investimentos de infraestrutura e de construção civil, setores fundamentais para a competitividade da economia brasileira e geração de empregos, sobretudo em momentos de crise”.

Paulo Coimbra ressalta que “[a] proposta divulgada pelo Poder Executivo é preliminar e deve sofrer alterações substanciais durante os debates no Congresso Nacional”. No entanto, já indica falta de coerência entre os anunciados objetivos e as medidas propostas. Enfim, “[a] proposta não é um fim, mas o marco inicial de inúmeras reflexões dignas de atenção. Nos próximos dias as ideias lançadas devem ganhar corpo e texto, onde poderemos verificar a efetividade das discussões, bem como antecipar os problemas que poderão surgir”.