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Confira artigo de autoria do nosso sócio, Francisco Gruppioni, para o JOTA:

 

Em 24 de abril de 2019 foi promulgada a Lei Complementar nº 167, pela qual foi introduzida na legislação brasileira a figura da empresa simples de crédito (ESC).

À época, a ESC foi recebida com ânimo, surgindo como uma nova alternativa para o mercado de crédito brasileiro, permitindo que pessoas naturais que dispunham de capital ingressassem no mercado, oferecendo crédito para microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. A ESC veio como um instrumento que objetiva dar seguimento à pauta de “desburocratização” do mercado de crédito brasileiro.

Após um ano da promulgação da lei, um levantamento realizado pelo Sebrae em maio deste ano indicou que 658 ESCs foram constituídas[1]. Apesar do número de ESCs ser celebrado no referido levantamento, estamos muito aquém dos 20 bilhões de reais anuais que o Governo Federal estimava que seriam injetados no mercado de crédito brasileiro[2].

Em um país historicamente conhecido por ostentar altas taxas de juros e possuir um mercado bancário concentrado em grandes instituições bancárias (apesar das “fintechs” cada vez mais ganharem espaço), parece haver uma subutilização da ESC, frente aos anseios dos pequenos e médios empresários brasileiros por um crédito mais acessível.

Algumas exigências e vedações legais para a constituição e o funcionamento das ESCs parecem surgir como desestímulos ao seu uso pelo investidor brasileiro que opera ou deseja operar no mercado de oferta de crédito. Abaixo lista-se alguns pontos de atenção que poderiam ajudar a compreender a subutilização das ESCs.

Os primeiros pontos que chamam a atenção são as vedações operacionais para o funcionamento das ESCs. A ESC não pode ser constituída por pessoa jurídica, sendo um instrumento privativo das pessoas físicas, que somente pode participar como sócia em uma única ESC. Adicionalmente, essa ESC deve operar exclusivamente dentro do Município da sua sede.

Dentre outros problemas trazidos por essas limitações, está a dificuldade de realização de arranjos societários envolvendo ESCs e que poderiam permitir uma maior flexibilidade para investimento, inclusive para que pequenos investidores capitalizados ingressem no mercado.

Sem essas limitações, abriríamos a possibilidade de constituição de ESCs focadas em determinado segmento do mercado, ou constituídas exclusivamente para emprestar recursos para determinado empreendimento ou captar recursos de determinados investidores (como pequenos investidores capitalizados). A escalabilidade da utilização da ESC é bastante limitada pela atual legislação.

Outro ponto de atenção na atual legislação, é a limitação da receita bruta anual da ESC à R$4.800.000,00 (atual limite aplicável às empresas de pequeno porte). Todavia, não pode a ESC ser optante do simples nacional, sendo obrigada a optar pelos regimes de tributação do lucro presumido ou real, com a transmissão da escrituração contábil digital (ECD) à Receita Federal.

Adicionalmente, as operações de empréstimo realizadas pelas ESCs devem ser registradas em entidade registradora autorizada pelo Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários, como a “B3”, por exemplo.

Assim, o limite da receita bruta anual da ESC, a impossibilidade de sua submissão ao regime do simples nacional (apesar do limite de receita) e a obrigação de registro das operações na forma destacada acima, são outros fatores que parecem dificultar uma maior expansão da ESC no cenário nacional.

Enquanto o grande investidor capitalizado se vê limitado pelo limite da receita anual da ESC, o pequeno e médio empresário capitalizado e que deseja conceder crédito ao mercado, não estão familiarizados com essas obrigações de registro e escrituração das operações.

Essa dificuldade é ainda maior, quando se compara a ESC ao cenário de menor regulação das factorings.

É verdade que ESC e factoring realizam operações diferentes (a factoring adquire/antecipa créditos ao empresário, enquanto a ESC empresta recursos próprios), mas ambas possuem o mesmo objetivo: obtenção de ganhos em operações financeiras, seja via juros remuneratórios, ou pelo deságio dos créditos adquiridos.

Não se pretende aqui sugerir a simples alteração dos pontos da legislação aplicável às ESCs e destacados acima. É claro que, tratando-se do mercado de crédito, as preocupações em se garantir a segurança das operações, bem como de se evitar que a ESC se transforme em um instrumento de “agiotagem legalizada” são balizadores que devem nortear qualquer legislação sobre o tema.

Também há de se destacar os consideráveis avanços da legislação aplicável às ESCs, como a sua não submissão à Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), estando ela livre para pactuar os juros remuneratórios junto ao credor, bem como a não obrigatoriedade de aprovação prévia pelo Banco Central, para o funcionamento da ESC.

Contudo, até mesmo para que a ESC possa, de fato, tornar-se uma alternativa viável para oferta de crédito no cenário nacional – e quem sabe, aproximar-se da estimativa de recursos que o Governo Federal esperava que seriam injetados no mercado de crédito brasileiro –, é preciso que a legislação seja capaz de conciliar a segurança necessária ao mercado de crédito, com certa autonomia igualmente necessária às operações de empréstimo. Um equilíbrio difícil de ser alcançado, mas que não pode deixar de ser almejado pelo legislador brasileiro.

 

[1] Disponível em: <http://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/em-um-ano-numero-de-empresas-simples-de-credito-cresceu-oito-vezes,728a6cd967f02710VgnVCM1000004c00210aRCRD>.

[2] Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2019/04/empresa-simples-de-credito-pode-injetar-r-20-bilhoes-por-ano-nos-pequenos-negocios>.

 

Fonte: JOTA

10/01/2021